Manifestação do Chega: Associações e movimentos temem “caça ao imigrante” e alertam para possível escalada de violência após o protesto

Uma carta aberta assinada por vários coletivos de apoio a imigrantes em Portugal manifesta profunda preocupação com o ambiente que poderá surgir após a manifestação convocada pelo partido Chega contra a imigração, prevista para o dia 29 de setembro em Lisboa. A missiva, que é direcionada a várias autoridades nacionais, incluindo o Presidente da República, a ministra da Administração Interna, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Comissário Nacional da PSP, a Provedora de Justiça, e os deputados da Assembleia da República, não se foca tanto na manifestação em si, mas sobretudo no receio do que possa acontecer após o evento.

De acordo com os signatários, a manifestação organizada pelo Chega tem como tema central a “imigração descontrolada” e a “insegurança”. Os cartazes de divulgação do evento, que apresentam uma pessoa em trajes muçulmanos, sublinham o carácter anti-imigração do protesto. A marcha vai percorrer a Avenida Almirante Reis, em Lisboa, uma área reconhecida pela elevada presença de imigrantes e comunidades muçulmanas. Muitos dos ativistas que assinaram a carta trabalham diretamente nesta avenida, estando familiarizados com a realidade dessas populações.

O maior receio dos coletivos é que, após o término da manifestação, participantes se envolvam em ataques de ódio, uma preocupação alimentada pelo facto de, em canais do Telegram, membros do grupo neonazi 1143, liderado por Mário Machado, estarem a planear juntar-se ao protesto.

A carta, citada pela revista Visão, é clara sobre este ponto: “O percurso da manifestação convocada pelo Chega, a que aderiram grupos neonazis sob investigação das autoridades, preocupa-nos. Mas preocupam-nos também as horas seguintes, em que estes militantes anti-imigração e islamofóbicos tradicionalmente se dedicam a atos de ‘caça ao imigrante’ que, num passado muito recente, tiveram consequências que envergonham a nossa democracia”. Esta alusão remete diretamente ao caso ocorrido em 10 de junho de 1995, quando Alcino Monteiro, um cidadão negro, foi assassinado num ataque racista em Lisboa.

Os signatários também mencionam que, nas últimas semanas, o ambiente tem estado tenso devido a vários episódios de ataques a imigrantes em Portugal. Referem-se, em particular, ao caso recente de dois imigrantes esfaqueados no Porto num ataque de cariz xenófobo e racista, sublinhando que estes incidentes são cada vez mais frequentes e alimentados por discursos de ódio.

“Todos conhecemos as notícias de ataques a imigrantes, as proclamações de ódio que as sustentam, e de como os agressores se vangloriam de ser guardiães da nacionalidade”, destacam os coletivos, evidenciando como os agressores se sentem encorajados a perpetuar tais atos, acreditando estar a proteger a identidade nacional.

Apelo a políticas concretas e medidas efetivas

Apesar de reconhecerem que o discurso oficial do Governo e das autarquias tem sido de oposição às narrativas xenófobas, os signatários reforçam que as palavras não são suficientes para lidar com a escalada de violência e ódio. Eles admitem que “o discurso oficial do Governo e das câmaras municipais tem contrariado as notícias falsas difundidas pelos grupos de extrema-direita e pelos representantes do partido Chega que convoca a manifestação”, sobretudo ao sublinhar que “não há relação entre o aumento de imigrantes e o aumento da criminalidade, até porque esta tem diminuído”. No entanto, os coletivos insistem que as autoridades não podem ficar por aí e exigem medidas concretas.

“Quem tem poder para atuar não pode ficar pelas palavras. Tem de atuar, porque o discurso de ódio dos apoiantes da manifestação que vai passar ao lado de comunidades pacíficas tem-se traduzido, cada vez mais, em ações violentas com consequências graves”, alertam. A carta destaca que muitos dos participantes na manifestação não são políticos, mas cidadãos cujas vidas foram afetadas por políticas de imigração, sublinhando a necessidade de respostas políticas eficazes para os problemas enfrentados pela sociedade.

O apelo é claro: “Saibamos fazer diferente. Saibamos fazer de acordo com o que se começou a construir há 50 anos”, recordando a Revolução de Abril e a necessidade de continuar a construir uma sociedade inclusiva e democrática.

A carta aberta, que foi inicialmente difundida pela Cozinha Migrante dos Anjos, conta com a subscrição de diversos coletivos que atuam na defesa dos direitos dos imigrantes e na luta contra o racismo em Portugal. Entre os subscritores encontram-se organizações como o SOS Racismo, a Sirigaita, o Stop Despejos, a Habita e a Casa do Brasil.

Estes coletivos têm um papel fundamental no apoio às comunidades imigrantes, trabalhando em várias frentes, desde a assistência jurídica e social até à sensibilização para os direitos humanos. A carta representa, assim, um esforço conjunto de diversas entidades que, preocupadas com o ambiente político e social atual, procuram chamar a atenção das autoridades e da sociedade em geral para a necessidade de prevenir qualquer forma de violência e discriminação.

O apelo final da carta é um pedido para que as autoridades não se limitem a condenar atos de ódio quando estes ocorrem, mas que assumam uma posição proativa na criação de condições que impeçam a concretização de ameaças e agressões, reforçando o compromisso de Portugal com a tolerância, a inclusão e a justiça social.

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