Mal necessário? Porque é que alguns responsáveis da UE anseiam (silenciosamente) pelo regresso de Trump

Com as eleições presidenciais dos Estados Unidos a aproximarem-se a poucos dias, surge um debate discreto mas significativo entre alguns diplomatas europeus sobre o impacto de um possível regresso de Donald Trump à Casa Branca. De acordo com fontes diplomáticas da União Europeia (UE), embora a ideia de um segundo mandato de Trump não seja vista com simpatia, alguns acreditam que poderia representar um choque necessário para fortalecer a Europa em áreas críticas como a defesa e a sua abordagem face à China.

“Um novo mandato de Trump seria um choque benéfico, como foi a pandemia ou a crise energética após a guerra na Ucrânia, que nos permitiria avançar,” disse um diplomata europeu de alto nível, sob anonimato, ao Politico. Outros diplomatas e oficiais da UE partilham desta visão, sugerindo que um segundo mandato de Trump obrigaria o bloco a agir de forma mais unida e a reforçar a sua autonomia estratégica.

Repercussões para a defesa e relação com a China

Uma possível presidência Trump, marcada pelo seu tom crítico em relação à Europa, poderia motivar o bloco a investir mais em defesa e a delinear uma política externa mais independente. Vários oficiais europeus recordam-se de declarações anteriores de Trump, que acusou a Europa de “dependência” do apoio militar dos EUA e ameaçou retirar o país da NATO. Tal retórica, defendem, poderia levar a Europa a reforçar o financiamento da sua própria defesa.

Além disso, Trump já expressou a intenção de encerrar a guerra na Ucrânia de imediato, o que coloca questões sobre como os EUA lidariam com o conflito. A administração Trump provavelmente aumentaria a pressão para que a Europa assumisse maior responsabilidade financeira e estratégica no conflito, um fator que muitos diplomatas vêem como oportunidade para o bloco europeu alcançar uma posição mais sólida na NATO e na arena internacional. “Precisamos de um efeito de choque real para mudar este debate sobre o financiamento da defesa,” comentou um oficial da UE.

No que toca à China, um possível regresso de Trump ao poder seria vantajoso para os “falcões” da UE. Em 2020, Trump pressionou diversos países europeus a cortarem laços com a gigante tecnológica Huawei, suscitando preocupações de segurança. Atualmente, apesar de uma abordagem mais conciliadora da administração Biden, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é a favor de uma linha mais dura em relação a Pequim, enfrentando, no entanto, resistência interna. Um oficial sénior da UE destacou que “um empurrão de uma nova administração Trump ajudaria mais do que prejudicaria” nas relações com a China, principalmente no que toca à segurança cibernética e às relações comerciais.

Economia e euro-obrigações: catalisador para integração?

Os defensores de um possível segundo mandato de Trump sugerem ainda que poderia impulsionar a tão debatida reforma do mercado único da UE e aumentar os investimentos no setor industrial europeu. Em setembro, um relatório liderado por Mario Draghi alertou para o risco de declínio económico terminal da Europa, sugerindo que o bloco precisa de unificar mercados e reforçar a sua capacidade industrial para competir globalmente. Contudo, reformas para harmonizar o setor financeiro da UE estão paralisadas há anos, uma situação que um “choque externo” poderia desbloquear.

Alguns diplomatas indicaram que uma presidência Trump poderia também levar à emissão de euro-obrigações para financiar a defesa. Atualmente, a proposta de euro-obrigações é fortemente contestada por países frugais, como a Alemanha e os Países Baixos, mas um regresso de Trump poderia pressionar estes Estados a aceitar a ideia, à semelhança do que aconteceu durante a pandemia. “Se Kamala Harris vencer, os opositores à ideia de empréstimos conjuntos vão sentir-se mais legitimados para declarar que [os euro-obrigações] estão mortos,” comentou um diplomata.

Preparação e autonomia europeia

Desde 2016, quando a vitória de Trump surpreendeu a Europa, o bloco tem procurado preparar-se para uma eventualidade semelhante. Oficiais da UE acreditam que estão agora melhor posicionados para lidar com a imprevisibilidade de uma presidência Trump, que, segundo fontes, poderia impulsionar uma “autonomia estratégica” muito defendida em Bruxelas.

Benjamin Haddad, ministro francês para os Assuntos Europeus, afirmou recentemente num canal de televisão francês que “os europeus devem tomar o seu destino nas próprias mãos, independentemente de quem seja eleito presidente dos EUA”. Esta postura reflete um sentimento crescente de que a UE deve avançar de forma independente e estar preparada para ajustar as suas políticas de defesa e comércio, caso a presidência americana venha a alterar drasticamente a relação transatlântica.

Embora a maioria dos líderes europeus mantenha silêncio público sobre as preferências para as eleições americanas, a perspetiva de uma nova administração Trump não deixa de ser discutida nos bastidores em Bruxelas. Muitos afirmam que o regresso de Trump poderá, paradoxalmente, trazer benefícios que outros candidatos menos confrontacionais não promoveriam, catalisando mudanças estruturais que a UE hesitou em implementar nas últimas décadas.

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