Mais de 50 organizações acusam Von der Leyen de “retrocesso” no combate à discriminação devido a mudança na Comissão Europeia

Mais de 50 organizações de direitos de toda a Europa expressaram choque e desagrado pela decisão da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, de eliminar a posição independente de comissário para a igualdade, integrando-a numa pasta mais ampla que inclui gestão de crises. Esta mudança foi amplamente criticada como um “retrocesso” no combate à discriminação na União Europeia.

A nova composição da Comissão Europeia, apresentada este mês em Bruxelas, incluiu Hadja Lahbib, ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, como responsável por uma pasta que combina a preparação e gestão de crises com a igualdade. Esta nomeação marca uma mudança significativa em relação a 2019, quando von der Leyen introduziu o primeiro comissário exclusivamente dedicado à igualdade, o que foi visto como um forte compromisso da UE com a criação de uma sociedade mais justa e inclusiva.

A decisão foi rapidamente condenada. “Isto é inaceitável”, afirmou o Lobby Europeu das Mulheres nas redes sociais, sublinhando que “a igualdade merece o seu próprio comissário, e não apenas uma nota de rodapé numa pasta sobrecarregada”. O Fórum Europeu da Deficiência considerou a decisão um “precedente perigoso”, alertando que pode colocar em risco conquistas passadas. “Estamos indignados com este rebaixamento”, afirmou Yannis Vardakastanis, presidente do fórum. “É uma bofetada na cara de milhões de pessoas e coloca em risco todo o progresso que a comissão fez até agora em relação aos nossos direitos.”

Nos últimos cinco anos, a Comissão Europeia, liderada por von der Leyen, assumiu um papel ativo na promoção de várias estratégias de igualdade, desde a inclusão de género até planos de combate ao racismo e igualdade LGBTIQ. O desmantelamento da função independente de comissário para a igualdade surge num momento em que as eleições europeias mais recentes viram um aumento de partidos de extrema-direita, o que tem gerado preocupações sobre o futuro das políticas de igualdade na UE.

Preocupações no Parlamento Europeu

As nomeações de von der Leyen para a sua nova equipa ainda precisam de ser aprovadas pelo Parlamento Europeu, mas já geraram reações entre os deputados. Katrin Langensiepen, eurodeputada alemã dos Verdes e a única mulher no parlamento com uma deficiência visível, considerou a decisão “alarmante”, especialmente numa altura em que os direitos das mulheres e de outros grupos marginalizados estão a ser progressivamente enfraquecidos. “Com esta decisão, von der Leyen deixou claro que a igualdade não é uma prioridade para ela”, afirmou Langensiepen, citada pelo The Guardian. “Num período em que assistimos a um retrocesso nos direitos de género, ataques a grupos marginalizados e uma crescente indiferença pela diversidade, a igualdade deveria estar no topo da agenda da Comissão.”

Estas preocupações foram ecoadas por 57 organizações da sociedade civil que, numa carta aberta, expressaram receios de que as questões de igualdade possam ser ofuscadas pela gestão de crises. “Esta nova configuração arrisca minar a implementação consistente e diligente da agenda da igualdade, uma vez que crises como pandemias, guerras e desastres económicos ou ambientais provavelmente dominarão o tempo e a atenção do comissário”, alertou a carta.

A carta também apontou a demora de von der Leyen em anunciar a sua equipa de comissários, o que gerou expectativas de um compromisso reforçado com a igualdade. No entanto, o documento expressa desapontamento, sugerindo que o atraso foi mais um gesto performativo para atingir uma “quota de género” do que um verdadeiro compromisso com a substância das políticas de igualdade. No final, quatro das seis vice-presidências foram atribuídas a mulheres, e 40% da nova equipa de comissários é composta por mulheres, mas os defensores da igualdade esperavam mais.

Impacto nas comunidades marginalizadas

Entre os signatários da carta estão grupos de defesa dos direitos dos ciganos, uma das comunidades mais marginalizadas na Europa, que enfrentam desafios como o acesso a habitação decente e a luta contra a segregação. A falta de representação direta de eurodeputados identificados como ciganos no novo Parlamento Europeu intensificou as preocupações sobre o futuro das políticas de inclusão.

Sabine Saliba, representante da organização Eurochild, alertou que a fusão das pastas pode comprometer os esforços para proteger os direitos das crianças, especialmente as que pertencem a minorias, como as crianças ciganas e as com deficiência. “Tendo em conta os conflitos globais, os crescentes efeitos das alterações climáticas e a importância das políticas de não discriminação, acreditamos que estas questões merecem uma atenção mais focada”, afirmou.

Por sua vez, a Age Platform Europe, uma rede de organizações que protegem os direitos das pessoas idosas, expressou preocupação pelo facto de a carta de mandato da nova pasta não mencionar a luta contra a discriminação por idade. “Esta omissão representa uma clara despromoção em relação ao mandato da anterior comissária”, disse Maciej Kucharczyk, da Age Platform Europe. “Numa altura em que as desigualdades estão a aumentar nas nossas sociedades, em todos os grupos etários, a UE deve intensificar – não reduzir – os seus esforços.”

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