“Linhas vermelhas” de Putin: dos envenenamentos ao abate de um avião de passageiros, o líder da Rússia não responde a ninguém
Vladimir Putin, presidente da Rússia, costuma insistir na expressão “linhas vermelhas” para definir os limites do que pensa ou não pensa consentir aos outros. O problema acaba por ser simples: há linhas vermelhas para todos os seus inimigos mas nenhum para si mesmo porque não tem explicações para dar a ninguém pois não se submete a um sistema democrático.
É difícil encontrar no panorama internacional atual um líder de um país implicado em números tão elevados de envenenamentos, execuções, ataques extrajudiciais, perseguição de dissidentes, agressão militar, repressão dos media independentes, fraude de propaganda para provocar conflitos e até mesmo o empréstimo do míssil antiaéreo que serviu para abater um avião de passageiros.
Em novembro de 1998, o espião russo Alexander Litvinenko e outros oficiais arrependidos do KGB acusaram publicamente os seus superiores de terem ordenado o assassinato do magnata russo Boris Berezovski. Foi preso mas um ano volvido conseguiu voar para Londres com a sua família, onde colaborou com o MI6, os serviços secretos britânicos. Foi autor de dois livros, no qual contou como Putin ordenou a colocação de bombas em Moscovo, Buynaksk e Volgodonsk em 1999 para culpar os terroristas chechenos e que justificaram uma segunda guerra contra a Chechénia, assim como o grupo criminoso Lubyanka, no qual relatou o papel do presidente russo no assassinato da jornalista Anna Politkóvskaya em 2006.
Um mês depois, Litvinenko adoeceu repentinamente: os serviços de saúde do Reino Unido detetaram envenenamento radiativo por polónio 210. Conseguiu sobreviver 22 dias.
A Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos publicou em 2015 que havia “comunicações intercetadas entre agentes do Governo russo em Moscovo e aqueles que realizaram a execução do Estado” em Londres para “revelações sobre as conexões de Putin com o crime organizado”.
Em 2018, o antigo agente Sergei Skripal e a sua filha Yulia foram envenenados num parque em Londres, onde viveu depois de se tornar parte de uma troca de prisioneiros com Moscovo – Skripal havia sido preso na Rússia como espião dos serviços secretos russos, tendo colaborado com o MI6 britânico.
Em ambos os casos, a substância era Novichok, um agente nervoso criado durante a União Soviética, o que aponto diretamente à Rússia a autoria das tentativas de assassinato. Theresa May, que era a primeira-ministra do Reino Unido na altura, expulsou 23 diplomatas russos do reino Unido.
O abate do MH17, a 17 de julho de 2014, após um míssil terra-ar derrubou o voo da Malaysia Airlines, com 298 pessoas a bordo – 80 dos quais eram crianças, quando voava a 11 mil metros de altitude. Desde o início, tanto os Estados Unidos como a União Europeia tornaram claro pelos vestígios de radar que o míssil foi lançado pelos senhores da guerra pró-Rússia que estavam a lutar contra o Governo de Kiev no Donbass.
Os guerrilheiros negaram instantaneamente, com a desculpa de que não tinham esse tipo de armamento, o que não era uma mentira por si mesmo – de facto, não tinham esse armamento altamente tecnológico e foi por isso que o receberam da Rússia. Uma investigação holandesa culpou não apenas os rebeldes que derrubaram o avião, o que constitui um crime de guerra, mas também o Governo de Vladimir Putin por ter fornecido esse armamento aos milicianos, apesar dos contínuos desmentidos do Kremlin. Várias gravações desses dias mostram a coluna militar com o míssil a cruzar a fronteira da Rússia para a Ucrânia e de novo de volta quando o avião já estava abatido.
Ainda hoje, Washington hesita entre apontar responsabilidade da autoria das milícias pró-Rússia ou do próprio exército russo, numa das múltiplas incursões na Ucrânia.
A oposição política a Vladimir Putin só tem três caminhos: prisão, cemitério ou exílio. O presidente russo tem endurecidos essa posição autocrática desde que chegou ao Governo como o primeiro-ministro de Boris Yeltsin na década de 1990. O mais objetivo dessa doutrina é o adversário Alexei Navalny, que foi reprimido de diversas formas pelas autoridades russas, até chegar à tentativa de assassinato. A 20 de agosto de 2020, foi hospitalizado em estado grave após desmaiar num voo que precisou de aterrar com urgência. A seu próprio pedido, foi transferido da Rússia para Berlim, onde os médicos detetaram no seu corpo uma substância pertencente ao grupo de inibidores da colinesterase, ou seja, o mesmo agente nervoso Novichok. Demorou semanas para recuperar alguma saúde. A sua decisão de regressar à Rússia colocou-o uma vez mais diante da repressão do Kremlin. Foi julgado e condenado à prisão, onde foi torturado.