“Limiar crítico” ultrapassado: Fogos florestais devastadores em todo o mundo estão a ‘queimar’ o orçamento de carbono da Terra, avisam cientistas
Fogos florestais em várias partes do mundo estão a comprometer o orçamento de carbono estabelecido pela humanidade para limitar o aquecimento global, revela um novo estudo. O fenómeno está a transformar florestas, que historicamente funcionavam como sumidouros de carbono, em fontes de emissão, dificultando ainda mais os esforços para travar o aquecimento do planeta.
Os investigadores alertam para o facto de esta tendência estar a acelerar e, potencialmente, já ter ultrapassado um “limiar crítico de temperatura”. Este limite refere-se ao ponto em que os fogos florestais provocam alterações significativas na cobertura arbórea e na capacidade de armazenamento de carbono.
“A temperatura mais recente à qual estes impactos se tornam evidentes a nível global é de 1,34 ºC, muito próxima dos níveis atuais de aquecimento [acima dos níveis pré-industriais],” afirma o Met Office do Reino Unido, que liderou a investigação.
Nos últimos anos, têm-se registado incêndios florestais de grande escala no Brasil, Estados Unidos, Grécia, Portugal e até no Círculo Polar Ártico. Estes fogos surgem num período em que a Terra está a passar pelos dois anos mais quentes de que há registo.
Duplo impacto climático
Cada incêndio tem um duplo efeito no clima global: em primeiro lugar, liberta carbono armazenado nas árvores queimadas e, em segundo lugar, reduz a capacidade das florestas de absorver dióxido de carbono. Este processo contribui para o aumento da temperatura global, que já foi exacerbada pela queima de combustíveis fósseis como gás, petróleo e carvão. Segundo o Met Office, as temperaturas globais já subiram cerca de 1,3 ºC em relação à era pré-industrial.
Com o aumento das temperaturas, ocorrem secas mais frequentes, as estações chuvosas tornam-se mais curtas e as florestas tornam-se mais vulneráveis aos incêndios. Esta vulnerabilidade é ainda mais acentuada pela desflorestação e pela transformação de terras para a agricultura, particularmente pronunciada na América do Sul.
Situação crítica na Amazónia
Um estudo separado, divulgado recentemente, mostrou que a Amazónia está a passar por uma “diminuição crítica da sua resiliência”, com mais de um terço da floresta a ter dificuldades em recuperar de secas, após quatro eventos extremos considerados raros, em menos de 20 anos. Estes eventos de seca, teoricamente “uma vez em cada século”, têm ocorrido com maior frequência e intensidade, prejudicando gravemente o ecossistema.
Estas interações cumulativas, que os cientistas designam como feedbacks positivos, estão a transformar as florestas de sumidouros de carbono em fontes de emissões. Este facto agrava o aquecimento global, mesmo antes de o mundo atingir o limite inferior do Acordo de Paris, que é de 1,5 ºC.
A investigadora principal do estudo, Dra. Chantelle Burton, afirma, citada pelo The Guardian, que “os incêndios estão a reduzir a capacidade das florestas e de outros ecossistemas de armazenar carbono, estreitando a janela de oportunidade para manter o aquecimento global sob controlo”. Este cenário preocupa particularmente os cientistas, que alertam para o aumento da dificuldade em mitigar o aquecimento global.
No entanto, os incêndios florestais não são a única preocupação. Os cientistas também estão inquietos com o rápido degelo das calotas polares, que está a diminuir a capacidade do planeta, conhecida como albedo, de refletir a luz solar de volta ao espaço. Este fenómeno acelera ainda mais o aquecimento global, criando um ciclo vicioso de degradação ambiental.
Climatologistas sublinham que a situação já é grave e continuará a deteriorar-se até que a humanidade, em especial os países mais ricos do hemisfério norte, deixe de queimar combustíveis fósseis. Apenas com uma ação coordenada e urgente será possível mitigar os efeitos dos fogos florestais e outras catástrofes ambientais, restaurando o equilíbrio climático global.