Licença de maternidade, reforma ou contrato: Bélgica é o primeiro país a garantir direitos laborais às prostitutas
Bélgica tornou-se pioneira ao introduzir uma legislação que garante direitos laborais completos às trabalhadoras do sexo, integrando esta atividade no mercado de trabalho formal. A nova lei garante benefícios como baixa por maternidade e doença, pensões, seguros de saúde e contratos de trabalho oficiais, numa medida que está a gerar debate dentro e fora do país.
A legislação, em vigor desde o início deste mês, estabelece um conjunto de direitos fundamentais para as profissionais do sexo. Além de proteções sociais como acesso à segurança social, estas trabalhadoras passam a poder recusar clientes, interromper o ato a qualquer momento e definir as suas condições de trabalho, incluindo horários e remuneração.
Esta iniciativa é vista como uma resposta às desigualdades e à exploração agravadas durante a pandemia de Covid-19, quando muitas trabalhadoras do sexo se viram privadas de rendimentos e expostas a situações de risco. “As mulheres deste setor já estavam a pedir mudanças há anos. A pandemia foi o empurrão que faltava para colocarmos esta lei em prática”, afirmou Isabelle Jaramillo, coordenadora da organização Espace P., que colaborou na redação da nova legislação, em entrevista ao The Washington Post.
A decisão foi impulsionada por histórias de abuso e falta de proteção que se tornaram públicas nos últimos anos. Um dos casos relatados pela BBC é o de “Sophie” (nome fictício), que trabalhou até à véspera de uma cesariana do quinto filho e retomou a atividade sexual com clientes uma semana após o parto, apesar das recomendações médicas de repouso de seis semanas.
Outra profissional, identificada como “Mel”, revelou que foi forçada a realizar sexo oral sem preservativo a um cliente, num ambiente onde circulava uma infeção sexual transmissível. “A minha escolha era espalhar a doença ou não ganhar dinheiro”, lamentou.
A nova legislação também impõe requisitos rigorosos aos empregadores no setor do sexo. Proxenetas terão de obter uma autorização estatal, respeitar protocolos de segurança e garantir condições dignas, como roupas de cama limpas, preservativos, produtos de higiene e botões de emergência nos quartos.
“Antes desta lei, contratar alguém para trabalhar neste setor transformava automaticamente a pessoa num proxeneta, mesmo em acordos consensuais. Agora, os empregadores devem obter uma autorização formal”, explicou Jaramillo.
Kris, que gere um estabelecimento com a sua esposa e emprega 15 trabalhadoras sexuais, expressou esperança na nova regulamentação: “Espero que os maus empregadores sejam afastados e que pessoas como nós, que trabalham de forma ética, possam continuar”, disse à BBC.
Apesar dos avanços, a medida não é consensual. Julia Crumière, voluntária da ONG Isala, que presta apoio a trabalhadoras do sexo, teme que esta legislação possa normalizar uma atividade que considera intrinsecamente violenta. “Não é apenas uma profissão qualquer. É uma realidade marcada por violência e exploração”, afirmou.
Além disso, organizações como a Human Rights Watch acreditam que as restrições impostas aos empregadores podem reduzir significativamente o poder de exploração sobre estas trabalhadoras. “Esta lei pode redefinir o equilíbrio de poder, mas é apenas um passo num processo mais longo”, sublinhou Erin Kilbride, representante da organização.
Com esta decisão, Bélgica junta-se a países como Alemanha, Grécia, Países Baixos e Turquia, que já tinham despenalizado o trabalho sexual, mas dá um passo além ao formalizar direitos laborais, num esforço para combater o tráfico de pessoas, a exploração sexual e o abuso no setor.