Já foi a marca da Besta, salvou vidas e chegou ao espaço: código de barras comemora 75 anos

Já prestou atenção ao código de barras presente num qualquer produto? Poucas pessoas pensam duas vezes nas suas compras, mas na verdade, nos 75 anos desde que foram inventados, já ajudaram a salvar vidas, foram ao espaço e até, pasme-se…, alimentaram o medo do Anticristo.

Em 1969, parecia uma visão bizarra do futuro: lasers que faziam um scan de pequenas marcações pretas e brancas em produtos que Paul McEnroe e os seus colegas da IBM tinham projetado. Neste ponto, os códigos de barras ainda não tinham revolucionado o mundo, nem sequer eram usados comercialmente – apesar de a ideia estar a ‘fermentar’ durante décadas após uma patente registada a 20 de outubro de 1949 por um dos engenheiros que agora fazia parte da equipa de McEnroe.

Os engenheiros da IBM tentavam dar vida aos códigos de barras: em comum, havia uma visão do futuro em que os clientes passavam rapidamente por uma caixa com lasers onde cada item que compravam era scaneado. Mas havia um problema legal levantado pelos advogados da IBM.

“De modo nenhum”, disseram, reconheceu McEnroe, atualmente um engenheiro reformado. O medo legal era “suicídio a laser”. E se as pessoas magoassem intencionalmente os olhos nos scaners e depois processassem a IBM? Ou se os funcionários dos supermercados ficassem cegos?

McEnroe explicou que era um feixe de laser de meio miliwatt: havia 12 mil vezes mais energia numa lâmpada de 60 watts. Os seus apelos não resultados, pelo que teve de se voltar para os macacos Rhesus importados de África – foram objeto de testes em laboratório para provar que a exposição ao minúsculo laser não prejudicava os olhos dos animais, o que tranquilizou os advogados.

E, desta forma, foi assim que a digitalização de códigos de barras se tornou comum em supermercados nos EUA e, finalmente, no mundo inteiro, lembram os britânicos da ‘BBC’.

Cada membro humano da equipa de McEnroe na IBM também merece crédito pelo Código Universal de Produto (UPC), como a sua versão do código de barras se tornou formalmente conhecida – entre eles estava Joe Woodland, o engenheiro que idealizou o conceito inicial por trás dos códigos de barras décadas antes, após desenhar linhas na areia de uma praia. Foi ele e outro engenheiro que fizeram o pedido de patente da ideia fundamental para códigos de barras em outubro de 1949.

George Laurer e outros membros da equipa da IBM pegaram essa proposta pré-existente para marcações em estilo de código de barras e desenvolveram-nas num retângulo limpo de linhas pretas verticais correspondendo a um número que poderia identificar exclusivamente qualquer item. A indústria de supermercados adotou formalmente o UPC em 1973 e o primeiro produto a ser scaneado foi no Marsh Supermarket, em Ohio, em 1974. A partir daí, conquistou o planeta.

Houve outros tipos de códigos de barras que surgiram mais tarde, como os chamados “códigos de barras 2D”, como os códigos QR, que podem codificar mais informações. Mas os códigos de barras escondem uma história mais selvagem, que se diz ter começado com a CIA (Agência Central de Inteligência), dos Estados Unidos.

“Fazia scans de coisas para a CIA”, explicou McEnroe. “Grandes mapas.” Este foi um dos seus primeiros empregos na IBM, apontou, no seu livro sobre a invenção do código de barras UPC, que o ajudou a preparar-se para trabalhar numa tecnologia completamente nova.

O engenheiro sabia que as filas de caixa nas lojas se moveriam muito mais rapidamente se a equipa pudesse simplesmente scanear os produtos num computador em vez de ter de ler os preços estampados em cada item e então processar manualmente a venda. Para ser aceite, este sistema de código teria de funcionar praticamente todas as vezes – e ler o código corretamente mesmo se o produto fosse puxado pelo scanner a velocidades de até 2,5 m/s.

A equipa da IBM descobriu que era mais fácil imprimir linhas verticais e basear o processo de digitalização não na medição da espessura dessas linhas, mas sim na distância entre a borda inicial de uma linha e a borda inicial da linha ao lado. OU seja, o espaço entre as linhas, que era mais reflexivo e mais fácil de ser detetado. Dessa forma, não importava se a impressora de etiquetas tivesse muita tinta e desenhasse linhas mais grossas do que o pretendido – a digitalização ainda funcionaria, praticamente todas as vezes.

Enquanto o primeiro produto com marca de código de barras tenha sido vendido num supermercado dos EUA em 1974, demorou mais cinco anos para que os códigos de barras chegassem aos supermercados britânicos.

Apesar da funcionalidade, os códigos de barras sempre incomodaram algumas pessoas.

Para alguns fanáticos, eles são nada menos do que malignos. Em 2023, Jordan Frith, professor de comunicação na Clemson University na Carolina do Sul (EUA), publicou um livro sobre a história dos códigos de barras. Durante a sua pesquisa, encontrou um artigo de 1975 numa publicação chamada ‘Gospel Call’ que sugeria que os códigos de barras poderiam ser “a Marca da Besta” – uma referência a uma profecia bíblica do Livro do Apocalipse sobre o fim do mundo. A passagem do ‘Novo Testamento’ em questão refere-se a uma besta – às vezes interpretada como o Anticristo – que força cada pessoa a ser marcada na sua mão direita ou testa.

O artigo de 1975 sugeriu que, eventualmente, códigos de barras seriam “tatuados a laser” na testa ou nas costas das mãos de todos, prontos para serem apresentados nos caixas dos supermercados.

Embora bizarra, a ideia provou ser surpreendentemente ‘resistente’: um livro de 1982 chamado ‘The New Money System’, da escritora evangélica Mary Stewart Relfe, popularizou ainda mais a suposta conexão entre os códigos de barras UPC e a ‘Marca da Besta’ depois de a autora ter afirmado que o número 666 estava “escondido” dentro das linhas em cada extremidade e no meio de cada código de barras.

Na verdade, essas “linhas de guarda”, como são conhecidas, servem como um ponto de referência para ajudar o scanner a laser a escolher o início e o fim de cada sequência UPC.

Mas ainda sobejam teorias bizarras em alguns cantos da internet: por exemplo, os membros de um grupo cristão russo ortodoxo conhecido como Velhos Crentes. Uma dessas Velhos Crentes, Agafia Lykov, que vive numa parte especialmente remota da Sibéria, disse que os códigos de barras eram “o selo do Anticristo”, acrescentado que se alguém lhe der algo com um código de barras ela tira o conteúdo e queima o pacote.

Em 2014, uma empresa de laticínios russa publicou uma declaração no seu site a explicar por que havia uma cruz vermelha impressa sobre os códigos de barras nas suas caixas de leite. Porque, como é “bem conhecido”, dizia a declaração, os códigos de barras são a Marca da Besta. A declaração viria a ser removida do site da empresa.

Apesar de alguns usos nefastos de códigos de barras e alegações absurdas de que representam a Marca da Besta, essas marcações agora sustentam milhares de processos industriais e comerciais em todo o mundo. Estima-se que 10 mil milhões de códigos de barras são scaneados globalmente, todos os dias.

Os códigos de barras chegaram até ao espaço. Os astronautas na Estação Espacial Internacional usam scanners de código de barras para identificar equipamentos e peças mecânicas, embora tenham sido amplamente substituídos por etiquetas de radiofrequência (RFID) atualmente. Os códigos de barras também são empregados para registar a ingestão de alimentos e bebidas pelos astronautas, bem como para identificar as suas amostras de sangue, saliva e urina.

De volta à Terra, é possível que códigos de barras tenham salvado vidas. Hospitais usam sistemas de códigos de barras para rastrear amostras de sangue, medicamentos e dispositivos médicos. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) tem um programa ‘Scan4Safety’, para promover o uso de códigos de barras. A identificação assistida por máquina pode ajudar a equipa a garantir que os médicos administrem o medicamento correto ao paciente correto, por exemplo. Segundo os responsáveis do programa, a introdução desta tecnologia libertou 140 mil horas de trabalho da equipa para atendimento ao paciente, além de ter economizado milhões de libras ao serviço de saúde local.

“Apesar de estarem em todos os lugares, a maioria das pessoas não pensaria duas vezes nos códigos de barras. “A maior prova do seu sucesso é que nunca pensamos neles”, concluiu o autor.

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