Integração europeia em ponto crítico e é preciso o “mínimo consenso” . Quais as crises e obstáculos na luta da UE para definir o seu futuro?

A União Europeia (UE) encontra-se num momento decisivo da sua história, enfrentando desafios profundos e simultâneos que põem à prova a sua capacidade de agir de forma unida e estratégica. De acordo com Ricardo Borges de Castro, Conselheiro Sénior no European Policy Centre, um think tank com sede em Bruxelas, o tempo para arrastar os pés já passou, mas a sensação de urgência ainda não se instalou completamente nas lideranças europeias.

Há muito que a frase de Jean Monnet, um dos pais fundadores da UE, se tornou um dogma em Bruxelas: “A Europa será forjada nas crises e será a soma das soluções adotadas para essas crises”. E, de facto, este princípio tem-se confirmado em muitas situações de adversidade. No entanto, Borges de Castro levanta a questão à Euronews: pode este dogma estar também ele em crise?

Para o especialista, um ingrediente essencial para a continuidade da integração europeia tem sido o “mínimo consenso europeu”, ou seja, a ideia de que os 27 Estados-membros perseguem um destino comum com objetivos partilhados. Contudo, este consenso parece estar em declínio, com implicações negativas para a definição de uma orientação estratégica a longo prazo para a UE. Além disso, as transformações radicais propostas pelo recente relatório de Mario Draghi requerem uma visão estratégica e coesa que, segundo Borges de Castro, está cada vez mais distante.

Se é verdade que a integração europeia avançou durante a pandemia de COVID-19 e com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, a perceção de que este progresso é inevitável está a enfraquecer. A ideia de “mais Europa” continua a ser contestada, não só pela direita conservadora e pela extrema-direita, mas também pela extrema-esquerda europeia.

Em Bruxelas, muitos defendem que a solução para os desafios futuros passa por uma maior integração. No entanto, esta visão pode não ser partilhada em todas as capitais europeias. Se, por um lado, crises recentes fortaleceram o papel da UE em políticas como saúde pública, emissão conjunta de dívida, energia e sanções, por outro, reforçaram também o poder dos governos nacionais em áreas como migração, segurança interna e controlo de fronteiras.

Integração negativa versus integração positiva
Com a inevitabilidade da integração europeia a ser desafiada e o “mínimo consenso europeu” a desvanecer-se, não é claro o que poderá reverter estas dinâmicas. Embora poucos questionem a importância da UE ou a sua existência — algo que o Brexit veio reforçar —, o que emerge em certos setores, especialmente na extrema-direita, é uma tentativa de mudar a UE por dentro.

Esta ideia de mudança interna coincide com a necessidade de reformas na UE, em grande parte devido ao processo de alargamento. No entanto, aqui reside o dilema: as mudanças que alguns desejam não coincidem com as reformas que outros defendem. Borges de Castro argumenta que estamos numa fase de integração motivada pelo medo do que receamos, em vez de sermos guiados por aquilo que desejamos ou sonhamos.

A falta de liderança e visão, tanto ao nível dos Estados-membros como nas instituições da UE, torna difícil enfrentar os desafios contemporâneos e responder a questões fundamentais: qual é o propósito da UE no longo prazo? E para onde pretende ir?

Este défice de liderança é, segundo Borges de Castro, resultado da fragmentação crescente dos sistemas políticos europeus e da polarização que os acompanha. Após as eleições europeias deste ano, o crescimento do campo eurocético agravou a dificuldade em alcançar consensos. O centro pró-europeu permanece, mas está a diminuir, e as coligações entre o centro-direita, centro-esquerda, liberais e verdes tornaram-se mais esquivas, afetadas pela divisão política.

Além disso, governos de coligação em muitos países europeus enfrentam enormes pressões internas, o que resulta em fragilidade política. A França esteve sem governo durante dois meses e a Alemanha lida com uma coligação instável, ambos sob crescente pressão da extrema-direita.

Por fim, Borges de Castro alerta para a crescente politização das instituições da UE, especialmente da Comissão Europeia. A transformação de uma “comissão política” para uma “comissão geopolítica” pode acarretar o risco de se tornar excessivamente partidária. O foco nas negociações sobre o próximo elenco da Comissão de Ursula von der Leyen tem estado mais centrado nos equilíbrios de poder entre países, partidos e vencedores versus perdedores, do que nas prioridades políticas e no interesse comum europeu.

Muitos dos desafios que a UE enfrentou nos últimos anos — da migração à crise do euro — deixaram feridas políticas que ainda não sararam. Os conflitos entre Norte e Sul, Ocidente e Leste, frugais e gastadores, ou entre aqueles que acolhem migrantes e os que os rejeitam, são exemplos dessas divisões. A falta de solidariedade e de partilha de responsabilidades entre os 27 em momentos cruciais pode ser perdoada, mas dificilmente será esquecida.

Borges de Castro conclui que a UE se encontra num ponto de inflexão. Ou consegue gerar um novo consenso europeu e enfrentar as decisões difíceis, ou arrisca-se a tornar-se irrelevante no cenário geopolítico global. O tempo para esperar por soluções fáceis já passou, e a Europa terá de decidir rapidamente qual será o seu futuro.

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