Imigração: Vistos de procura de trabalho em ‘queda livre’ desde que Governo acabou com manifestação de interesse

A concessão de vistos para procurar trabalho em Portugal registou uma queda significativa nos últimos meses, desde que o regime de manifestação de interesse foi extinto. De acordo com os dados mais recentes, a média mensal de emissão desses vistos desceu de 1666, registados em 2023, para 1266 vistos nos últimos três meses deste ano.

Em junho de 2023, o Governo anunciou, sem aviso prévio, o fim do regime de manifestação de interesse, que era utilizado por muitos imigrantes que entravam em Portugal com visto de turista e procuravam, posteriormente, regularizar a sua situação através de um contrato de trabalho. Na apresentação do Plano de Ação para as Migrações, o Governo justificou esta decisão como uma forma de controlar a política de “porta aberta” para imigrantes, determinando que, doravante, quem viesse trabalhar em Portugal teria de entrar com um visto de trabalho desde o início.

Com estas mudanças, a regularização dos trabalhadores imigrantes passou a ser feita nos consulados portugueses nos países de origem, em vez de através da Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA) em Portugal. Esta alteração tem gerado dificuldades para imigrantes oriundos de países como o Nepal e o Bangladesh, onde não existem consulados portugueses, obrigando os cidadãos a deslocarem-se para países vizinhos, como a Índia.

No entanto, uma das opções introduzidas pela nova legislação, em vigor desde outubro de 2022, permite que os estrangeiros solicitem um visto para procura de trabalho. Este visto concede ao titular a possibilidade de permanecer em Portugal durante 120 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, enquanto procura um emprego. Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, este visto “pressupõe a integração de uma data de agendamento nos serviços competentes para a concessão da autorização de residência”, e, após a formalização de um contrato de trabalho, o imigrante pode solicitar uma autorização de residência.

Segundo as contas do jornal Público, Nos primeiros oito meses de 2024, foram emitidos 22.121 vistos para procura de trabalho, um aumento de 65% em relação ao período homólogo de 2023, quando foram emitidos 13.429 vistos. Este aumento está relacionado com a introdução desta modalidade de visto no ano anterior. No mesmo período, os vistos de trabalho também registaram um crescimento de 15%, com 9262 vistos emitidos, comparados com os pouco mais de 8 mil no ano anterior.

Apesar deste crescimento inicial, os últimos três meses, após o fim da manifestação de interesse, mostraram uma tendência de queda na emissão de vistos para procura de trabalho, com uma redução de 24% na média mensal, em comparação com os 12 meses anteriores. A média de emissão de vistos de trabalho também caiu de 1080 por mês para 733 nos últimos três meses. Contudo, os números não clarificam se esta diminuição é resultado de uma menor procura por parte dos imigrantes ou de entraves burocráticos nos consulados.

Os consulados portugueses têm enfrentado críticas devido à lentidão no processamento de vistos. Esta situação tem sido particularmente desafiadora para setores como a agricultura, que dependem fortemente de trabalhadores estrangeiros. De acordo com a Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), ao mesmo jornal, há uma “falta crónica de trabalhadores” no setor agrícola, onde 40% da mão de obra é composta por estrangeiros. Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAP, alerta que o atraso na emissão de vistos, especialmente os de trabalho sazonal, pode prejudicar o funcionamento do setor.

Na indústria metalúrgica, a situação não é diferente. Rafael Campos Pereira, da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), destaca que há cerca de 10 mil vagas de emprego por preencher no setor, mas que o sistema de vistos é “altamente burocrático” e dificulta a vinda de trabalhadores estrangeiros. Embora tenham sido criados protocolos com Cabo Verde para a formação de jovens na área, a burocracia tem limitado o número de trabalhadores que conseguem ser recrutados, com apenas duas dezenas de jovens formados até agora, muito abaixo da meta inicial de 200.

Armindo Monteiro, da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), também salienta ao Público a importância de agilizar o processo de vistos, afirmando que o mercado de trabalho português necessita de mais imigrantes com qualificações em áreas de valor acrescentado.

O Governo prometeu reforçar a rede consular com 50 novos peritos e analistas de vistos, uma medida incluída no Plano de Ação para as Migrações. No entanto, este reforço só deverá estar completo nos próximos meses. Até lá, o processamento dos pedidos de visto deverá continuar a enfrentar dificuldades.

De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, não houve “um aumento generalizado das pendências”, e o processamento dos pedidos continua “dentro dos prazos habituais”. No entanto, as críticas mantêm-se, com as empresas e associações de empregadores a sublinharem que os atrasos na emissão de vistos ultrapassam frequentemente os prazos estabelecidos na lei.

A maioria dos vistos para procura de trabalho emitidos nos últimos três meses teve origem em países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), como Angola, Brasil, Cabo Verde e Moçambique. Luanda, São Paulo, Praia e Maputo destacam-se como os principais postos emissores de vistos. Em contrapartida, os principais emissores de vistos de trabalho incluem também Nova Deli, Jacarta e Moscovo.

Embora o Governo tenha anunciado várias medidas para melhorar o sistema de imigração, muitas ainda não estão em vigor. Por exemplo, o site da AIMA, que deveria facilitar o acesso à informação, ainda só está disponível em português, e a alteração prometida para permitir o acesso dos portadores de vistos CPLP ao Espaço Schengen ainda não foi implementada.

As renovações de autorizações de residência, que deveriam ser transferidas do Instituto dos Registos e Notariado para a AIMA, também continuam a ser processadas pelo IRN, com exceção dos casos urgentes. Esta demora no cumprimento das promessas governamentais continua a ser um ponto de fricção, tanto para imigrantes como para as empresas que dependem da mão de obra estrangeira.

O impacto total destas mudanças nas políticas de imigração portuguesas ainda está por determinar, mas, para já, o mercado de trabalho continua a enfrentar desafios relacionados com a entrada e regularização de trabalhadores estrangeiros.

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