Idosos, longe das cidades e dos hospitais: o retrato das vítimas da greve do INEM

Morreram pelo menos 11 pessoas durante a greve às horas extraordinárias dos funcionários do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), que arrancou no passado dia 30 – e até ao passado dia 7: Governo e INEM já afastaram responsabilidades. No entanto, o facto de não ter sido pedido um reforço dos serviços mínimos coloca em xeque o comportamento dos responsáveis, sendo que o Ministério Público e a IGAS (Inspeção-Geral das Atividades em Saúde) investigam as várias mortes.

Em comum, segundo a ‘CNN Portugal’, as vítimas: maioritariamente idosos, fora dos grandes centros urbanos e que esperaram longas horas sem socorro.

Um homem de 86 anos foi a primeira vítima, no passado dia 31. Daniel Ferreira, de Baçal (Bragança), vivia na mesma rua e a dois minutos do hospital. Sofria de fibrose pulmonar e outras complicações cardíacas, tendo morrido por paragem cardiorrespiratória em casa, onde viria a ser declarado o óbito. A mulher contactou o INEM devido a uma “indisposição” do marido: de acordo com os filhos, ficou “mais de uma hora” a tentar falar com o 112. “Quando finalmente os meios de socorro chegaram à casa dos meus pais, o meu pai já estava morto. Não sabemos se a intervenção rápida o podia ter salvado ou se não. Alguém com responsabilidade que assuma e peça desculpa. Se se confirmar a negligência, é preciso tomar medidas para que não se repitam estes casos”, afirmou Vítor Ferreira, filho do casal.

No mesmo dia, no distrito de Évora, mais concretamente em Vendas Novas, um homem de 73 anos terá sofrido uma paragem cardiorrespiratória numa pastelaria, com o socorro a demorar 40 minutos a responder. A versão difere da dos Bombeiros Voluntários de Vendas Novas, que afirmaram que terá morrido em casa depois de se “sentir mal” – foram os familiares que, por falta de resposta do INEM, contactaram os bombeiros, que depois acionaram o INEM, que por sua vez chamou o VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação). “Solicitámos um pedido de triagem para o CODU, em virtude do mesmo estar a demorar muito tempo e não estarmos a conseguir ter contacto. Acabou por ser acionada a ambulância, enquanto ainda decorria esse pedido de triagem”, explicou fonte dos bombeiros locais. O Ministério Público instaurou, também nesta situação, um inquérito à morte.

No passado dia 2, houve duas mortes: uma em Tondela (Viseu), outra em Mogadouro (Bragança). No primeiro, uma mulher de 94 anos terá sofrido uma paragem cardiorrespiratória em casa: a chamada para o INEM foi feita às 9h34, mas só seria transferida para o CODU às 10h19, 45 minutos depois. Mais a norte, um homem de 84 anos, institucionalizado na Santa Casa da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta, passou o dia com a família em Mazouco: ao almoço, em casa, engasgou-se, sem que os familiares tenham conseguido aplicar manobras de desobstrução da via aérea, sem sucesso. Os familiares esperaram entre 40 e 50 minutos por uma resposta que nunca veio – seguiram num veículo próprio para o Centro de Saúde de Mogadouro. No percurso encontraram uma viatura dos bombeiros locais, que levou o idoso para o hospital em Bragança. Viria a falecer no passado dia 9, depois de ter sido declarada morte cerebral.

Dia 4 de novembro foi um dia negro: sete pessoas que não receberam assistência, ou que receberam tarde, morreram.

Uma mulher de 70 anos em Almada deslocou-se ao tribunal para prestar declarações como queixosa num caso de violência doméstica. Sentiu-se mal, aparentando ter um AVC (acidente vascular cerebral). Os funcionários do tribunal contactaram de pronto o INEM, mas hora e meia depois, não havia resposta. Foram acionados os Bombeiros Voluntários de Almada, que disseram não ter uma ambulância disponível para enviar ao local. Seria a PSP – a pedido da procuradora – a transportar, num carro patrulha, a senhora para o Hospital Garcia de Orta, onde viria a falecer. A Procuradoria-Geral da República confirmou igualmente a abertura de um inquérito para investigar as causas da morte e a ausência de socorro.

No sul do país, mais concretamente em Cacela Velha, em Vila Real de Santo António, Augusto Martins, de 77 anos, teve uma aparente paragem cardiorrespiratória quando andava de bibicleta de manhã. Foi encontrado por um casal de turistas que contactaram, assim como os vizinhos, o INEM durante 100 minutos, sem qualquer resposta. Seriam os Bombeiros Voluntários de Tavira que chegariam primeiro do que o INEM, sendo que o óbito foi declarado no local. O INEM confirmou que houve uma chamada não atendida pelo CODU, às 11h03, com “anda quatro tentativas de contacto com o local”, sem sucesso, uma vez que as chamadas “não foram atendidas” – o Ministério Público abriu um inquérito à morte.

Em Castelo de Vide (Portalegre), uma idosa com 87 anos entrou em paragem cardiorrespiratória e ficou 1h30 à espera, sem que o telefonema nem sequer foi atendido. Apesar das manobras de reanimação realizadas pelo enfermeiro residente da instituição, a situação era muito grave e a VMER (acionada bastante tempo depois pelos Bombeiros de Castelo de Vide) só chegaria pelas 13h50, transportando a idosa, “com sinais vitais muito débeis”, para o hospital de Portalegre, onde viria a perder a vida.

Em Leça da Palmeira, um homem com 92 anos esteve perto de 30 minutos a aguardar que o seu telefonema para o INEM fosse atendido – a família optou por contactar os Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça, que demoraram 8 minutos a chegar ao local: iniciaram manobras de suporte básico de vida, pois o idoso encontrava-se em paragem cardiorrespiratória – viria a morrer no local.

Em Pombal, dois casos: um homem de 53 anos morreu após duas horas sem resposta do INEM. Foi transportado pela mulher, na viatura própria, até ao hospital mais próximo: no trajeto, viria a sofrer uma paragem cardíaca. Chegados ao local, os bombeiros iniciaram de imediato manobras de suporte básico de vida, mas precisaram da ajuda do INEM de Leiria, que chegou meia hora depois. A morte foi, de novo, declarada no local. Em Arnal, um idoso com 90 anos aguardou pelo menos uma hora pelo INEM antes de morrer em casa. Seriam os Bombeiros Voluntários de Pombal a prestar o primeiro socorro.

A última morte foi de uma mulher, este sábado, na zona norte do país: os Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça confirmaram tratar-se de uma mulher, tendo aquela corporação “respondido a um pedido de ajuda”, referindo a corporação que “a senhora teve dificuldade em ligar para o INEM antes de contactar os bombeiros”. Terá ficado “perto de 30 minutos a ligar ao INEM” – os bombeiros garantiram que se o telefonema tivesse sido atendido, “o desfecho podia ter sido outro”.

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