IA, desinformação e influencers pagos: Como a Rússia, China e Irão estão a interferir nas eleições nos EUA?

A interferência estrangeira nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, que começou de forma bruta e cheia de erros gramaticais em 2016, tornou-se agora, e a uma semana das eleições presidenciais, uma ameaça mais complexa e difícil de rastrear, de acordo com informações de agências de inteligência e defesa dos EUA, empresas de tecnologia e pesquisadores acadêmicos. O objetivo principal das ações de desinformação, particularmente por parte de Rússia, China e Irão, permanece o mesmo: semear discórdia e desconfiança na democracia americana.

Evolução da desinformação

Na eleição de 2016, a Rússia foi a principal responsável pela propagação de desinformação através de postagens nas redes sociais, muitas das quais apresentavam erros ortográficos e uma sintaxe estranha. Uma das postagens mais infames dizia: “Hillary é um satanás”. O cenário atual, no entanto, revela uma abordagem mais refinada e diversificada. Com as eleições de 2024 no horizonte, a capacidade de influenciar até mesmo um pequeno número de eleitores pode ter um impacto desproporcional num contexto eleitoral que, segundo as sondagens, apresenta uma corrida acirrada.

A avaliação das agências americanas indica que a Rússia pretende apoiar a candidatura do ex-presidente Donald J. Trump, enquanto o Irão favorece a sua oponente, a vice-presidente Kamala Harris. Por outro lado, a China parece não ter uma preferência clara. Contudo, as táticas de desinformação evoluíram, abrangendo uma gama mais ampla de plataformas e técnicas. De acordo com o NIS (Serviço Nacional de Inteligência), “a desinformação agora é praticamente omnipresente”.

Uma abordagem diversificada

Hoje, a desinformação não se limita a grandes redes sociais, como o Facebook. Os esforços de influência estão a ser dispersos por diversas plataformas, incluindo pequenos fóruns e grupos de mensagens. A Rússia, o Irão e a China estão a desenvolver campanhas em múltiplos canais, desde vídeos e memes em Telegram até postagens em plataformas menos conhecidas como Gab, um espaço popular entre a extrema-direita.

Aumentos significativos nas contas de redes sociais, que promovem narrativas divisórias, têm sido observados. De acordo com documentos internos divulgados pelo Departamento de Justiça dos EUA, os operativos russos tentaram apoiar Trump em plataformas como Reddit, focando-se em eleitores em seis estados indecisos e grupos como hispânicos e gamers. Por sua vez, um esforço associado à operação de influência estatal da China, conhecida como Spamouflage, usou contas que se passavam por americanos em plataformas como YouTube, X (anteriormente Twitter), Instagram e TikTok.

Mensagens mais direcionadas

A desinformação estrangeira agora é altamente segmentada, mirando não apenas em estados-chave, mas também em distritos específicos e grupos étnicos e religiosos dentro deles. A pesquisa do Instituto para o Diálogo Estratégico, liderada pela diretora Melanie Smith, indica que “quando a desinformação é construída de forma personalizada para um público específico, ela torna-se mais eficaz”, segundo destaca o The New York Times.

O Irão, por exemplo, tem concentrado esforços em estabelecer campanhas de desinformação para atrair grupos nichados. Um site chamado “Not Our War” visava militares americanos e mesclava artigos sobre a falta de apoio a soldados em serviço ativo com opiniões anti-Americanas e teorias da conspiração. Outro projeto, “Afro Majority”, foi criado para atrair americanos negros, enquanto “Savannah Time” buscou influenciar eleitores conservadores na Geórgia.

O papel da inteligência artificial

A inteligência artificial (IA) tem contribuído significativamente para a evolução da desinformação, permitindo que agentes estatais criem e distribuam campanhas de maneira mais eficiente. Em comunicado, Jen Easterly, diretora da Cybersecurity and Infrastructure Security Agency, afirmou que “as capacidades da IA estão a ser usadas para agravar as ameaças que esperávamos e que estamos a observar”.

Exemplos incluem John Mark Dougan, um ex-deputado da Flórida que vive atualmente na Rússia. A partir de um apartamento em Moscovo, ele criou diversos sites que se disfarçam como veículos de notícias americanos para espalhar desinformação, uma tarefa que, há oito anos, exigiria uma rede de bots.

Dificuldades em identificar desinformação

As nações envolvidas estão a melhorar suas técnicas para encobrir as suas ações. Recentemente, a Rússia foi apanhada a ocultar os seus esforços ao apoiar um grupo de comentadores conservadores americanos através da Tenet Media, uma plataforma digital que publicava conteúdos com comentários políticos focados e teorias da conspiração sobre fraude eleitoral e outras questões. Influenciadores que receberam pagamentos para aparecer nesta plataforma alegaram não ter conhecimento da origem dos fundos.

Por sua vez, a China tem cultivado uma rede de influenciadores estrangeiros para ajudar na disseminação de suas narrativas. O relatório do Australian Strategic Policy Institute mencionou a criação de um grupo conhecido como “bocas estrangeiras” para promover a propaganda chinesa.

O desafio para as empresas de tecnologia

A explosão da desinformação estrangeira coincide com a diminuição dos esforços das grandes empresas de tecnologia para combater essas práticas. Gigantes como Meta, Google, OpenAI e Microsoft reduziram significativamente as suas tentativas de rotular e remover conteúdos enganosos desde as últimas eleições presidenciais. A falta de uma política coesa entre essas empresas dificultou a formação de uma frente unida contra a desinformação estrangeira.

Max Lesser, analista sénior da Foundation for Defense of Democracies, advertiu que “plataformas alternativas não têm o mesmo nível de moderação de conteúdos, o que poderia mitigar essas campanhas”. Alethea, uma empresa que monitora ameaças online, descobriu que uma campanha de desinformação iraniana, que utilizava contas inspiradas em abetardas, reapareceu no X, apesar de ter sido banida anteriormente.

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