Há uma pequena cidade na Noruega que é uma obsessão da China e uma dor de cabeça para a NATO
Em fevereiro de 2019, a pequena cidade portuária de Kirkenes, no extremo norte da Noruega, viveu, durante uma semana, uma estética chinesa: o comércio local, a biblioteca e até o jornal da cidade participaram no festival cultural local, que nesse ano acolheu o crescente fluxo de turistas do país asiático, à procura da aurora boreal e dos espetaculares fiordes que rodeiam a cidade. No final dessa semana, Kirkenes ganhou, de acordo com o próprio embaixador da China no Noruega, uma nova alcunha: “A Chinatown mais setentrional do mundo.”
Atualmente, o entusiasmo por esta pequena e remota cidade pela China é visto de uma forma muito diferente: o que começou por ser uma atração turística e a promessa de novas oportunidades comerciais numa cidade de apenas 3.500 habitantes tornou-se entretanto uma importante questão geopolítica para o país nórdico – aliás, o porto de Kirkenes é uma das principais obsessões de Pequim desde há uma década.
A companhia marítima estatal China Ocean Shipping Company (Cosco), salientou o jornal espanhol ‘El Confidencial’, já se ofereceu em diversas ocasiões para financiar a modernização e expansão do porto de Kirkenes, o que tornaria esta pequena cidade num nó logístico chave dentro da chamada Rota do Mar do Norte.
Esta rota marítima, que liga a Europa à Ásia Oriental através do Ártico, é significativamente mais curta – se as condições meteorológicas o permitirem – do que a alternativa através do Canal do Suez. À medida que o gelo recua devido às alterações climáticas, o apelo da rota aumenta, por isso não é surpreendente que o presidente da cidade tenha descrito a oferta chinesa como uma oportunidade de ouro para impulsionar a economia local.
No entanto, Kirkenes não representa apenas um potencial nexo para o comércio global, é também o porto da NATO mais próximo da Rússia. Situada a menos de 10 quilómetros da fronteira russa, tem um valor estratégico fundamental no panorama da segurança ocidental. E num contexto em que a colaboração entre Xi Jinping e Vladimir Putin se tornou mais estreita, a possibilidade de uma empresa estatal chinesa assumir o controlo de tais infraestruturas críticas levantou sérias preocupações entre as autoridades norueguesas e os seus aliados internacionais.
O interesse da China pelo Ártico começou a cristalizar-se no início da década de 2010, quando Pequim começou a ver as suas águas como uma alternativa viável ao Canal do Suez. Em 2013, o gigante asiático enviou o seu primeiro navio de carga pela Rota do Mar do Norte; em 2018, quando lançou o seu livro branco do Ártico, denunciou o seu ambicioso projeto de infraestruturas globais e um sinal claro das ambições chinesas na zona, onde procuram estabelecer uma presença duradoura num dos países mais estratégicos e áreas disputadas no mundo.
As ambições da China no Ártico começaram a suscitar preocupações tanto em Oslo como em toda a aliança ocidental: um relatório recente do Serviço de Informações Norueguês alertou que a crescente presença de empresas estatais chinesas nas principais infraestruturas do Ártico poderia representar um risco para a segurança nacional da Noruega e dos seus aliados da NATO. Embora a companhia marítima se apresente como uma entidade comercial, os seus laços estreitos com o Partido Comunista Chinês e o seu papel na estratégia marítima de Pequim levaram muitos a considerar que a sua presença em Kirkenes poderia servir como uma porta de entrada para interesses militares e de controlo do território.
As autoridades de Kirkenes não ignoram o facto de que a posição estratégica da cidade a torna um dos alvos favoritos dos principais rivais geopolíticos da Europa. Durante anos, a Rússia utilizou esta cidade remota como laboratório para testar operações de inteligência antes de as replicar no resto da Europa. De acordo com a publicação ‘The New Yorker’, a cidade tem sido alvo de operações de espionagem e de guerra híbrida, com navios de pesca russos a esconder frequentemente equipamento de inteligência e realizando exercícios secretos para mapear infraestruturas críticas. A crescente militarização encoberta das infraestruturas civis, que as autoridades norueguesas temem, será agora replicada pela China.