Mais de 20 mil contentores perdidos no mar: Especialistas alertam para perigos ‘invisíveis’

Uma nova investigação trouxe à luz os perigos invisíveis e subestimados que os contentores de carga perdidos no mar representam, tanto para os oceanos como para as zonas costeiras e até para a navegação. Ao longo dos últimos 15 anos, mais de 20 mil contentores foram perdidos no mar, libertando os seus conteúdos diversificados nos ecossistemas marinhos, segundo o estudo publicado esta quinta-feira.

Os contentores, quando perdidos, podem espalhar uma vasta gama de detritos pelo oceano, o que polui linhas costeiras, prejudica habitats de vida selvagem e afeta seriamente as pescas. Embora alguns dos itens acabem por ser devolvidos às margens, a maioria dos contentores afunda-se e permanece no fundo do oceano, muitas vezes sem ser recuperada, contribuindo também para as enormes manchas de lixo oceânico. “Só porque estão ‘fora de vista, fora da mente’, não significa que não existam consequências ambientais enormes”, alertou o biólogo marinho Andrew DeVogelaere, do Santuário Marinho Nacional de Monterey Bay, na Califórnia, em declarações à Associated Press (AP).

Os navios de carga podem perder desde um único contentor até centenas, especialmente em condições meteorológicas adversas. Contudo, a estimativa de perdas anuais varia. O World Shipping Council, um grupo da indústria de transporte marítimo, calcula que uma média de 1.500 contentores é perdida por ano nos últimos 16 anos de monitorização. No entanto, alguns especialistas acreditam que o número real é muito superior, uma vez que os dados do conselho não abrangem toda a indústria e não existem penalidades para quem não reporta tais perdas.

Um dos exemplos mais catastróficos do impacto ambiental ocorreu ao largo da costa do Sri Lanka, quando, em 2021, o navio X-Press Pearl pegou fogo e afundou-se perto de Colombo. O desastre, que durou vários dias, resultou na perda de mais de 1.400 contentores no oceano, libertando bilhões de pequenos grânulos de plástico usados na fabricação, conhecidos como “nurdles”, além de toneladas de produtos químicos tóxicos, como ácido nítrico, chumbo, metanol e hidróxido de sódio. Três anos depois, milhares desses grânulos plásticos continuam a ser arrastados para as praias da região.

Hemantha Withanage, fundador do Centro para a Justiça Ambiental do Sri Lanka, recorda o cheiro químico insuportável ao longo da costa próxima da sua casa. Voluntários rapidamente recolheram milhares de peixes mortos, cujas guelras estavam obstruídas por plásticos contaminados por químicos, assim como quase 400 tartarugas marinhas, 40 golfinhos e seis baleias, todos mortos com plásticos a bloquear as suas bocas. “Parecia uma zona de guerra”, disse Withanage à AP.

O impacto no sector das pescas também foi devastador, levando à suspensão da atividade de pesca comercial na região por três meses. Cerca de 12 mil famílias dependentes da pesca ficaram sem rendimentos durante esse período e receberam apenas uma fração dos 72 milhões de dólares que lhes eram devidos como compensação pelos danos causados.

Além das preocupações ambientais, os contentores perdidos podem representar um perigo significativo para a navegação. Alguns destes contentores flutuam durante dias, ou até semanas, antes de finalmente se afundarem, criando riscos tanto para grandes navios comerciais como para pequenas embarcações de recreio. O World Sailing, órgão máximo da vela a nível mundial, documentou pelo menos oito incidentes em que tripulações foram forçadas a abandonar os seus barcos após colisões, provavelmente com contentores à deriva. Um caso marcante ocorreu em 2016, quando o velejador Thomas Ruyant, ao participar numa volta ao mundo, viu o casco do seu barco partir-se após um impacto súbito, suspeitando-se que o choque tenha sido com um contentor à deriva.

Outro incidente recente envolve o cargueiro President Eisenhower, que, em fevereiro deste ano, perdeu 24 contentores ao largo da costa da Califórnia central. Alguns desses contentores, repletos de fardos de algodão, rebentaram e os seus conteúdos acabaram por ficar ensopados em água, arrastando-se para as margens próximas do Santuário Marinho Nacional de Monterey Bay, uma área protegida. As autoridades, incluindo a Guarda Costeira dos EUA, o Serviço Nacional Oceânico e Atmosférico (NOAA) e o Departamento de Parques do Estado da Califórnia, coordenaram a limpeza do local. As fardas de algodão, devido ao peso, tiveram que ser cortadas em pedaços menores para serem removidas, sendo que cada um desses pedaços encheu dois camiões de lixo.

Apesar dos esforços para monitorizar e mitigar os impactos, especialistas argumentam que é necessário fazer mais para evitar que contentores se percam no mar e para responsabilizar as empresas de transporte marítimo pelas perdas não relatadas. O relatório da AP destaca a falta de penalizações para as empresas que não reportam as suas perdas, deixando a impressão de que o problema, muitas vezes, fica por resolver.

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