“Há falta de professores, mas não é cativante”: Antigos docentes dizem que apoio do Governo à deslocação é insuficiente para voltar à carreira

O Governo português anunciou recentemente um conjunto de medidas destinadas a resolver a escassez de professores em determinadas regiões do país, incluindo a grande Lisboa, Alentejo e Algarve. Entre as propostas, encontra-se um subsídio de deslocação para os docentes colocados a mais de 70 quilómetros de casa, que varia entre os 150 e os 450 euros mensais, dependendo da distância. No entanto, para muitos professores que já deixaram a carreira, estas medidas são insuficientes e não compensam os sacrifícios pessoais e familiares.

Apoio financeiro “não é cativante” para antigos professores
Isabel Louro, uma antiga professora de Informática de 47 anos, é uma das docentes que optou por abandonar o ensino há 12 anos, em grande parte devido à distância entre as escolas onde era colocada e a sua casa. Agora, em entrevista à Rádio Renascença, relata como a sua vida profissional passa pela gestão informática numa empresa em Viana do Castelo, longe da sala de aula. Apesar das novas medidas anunciadas pelo Governo, Isabel não vê motivos para regressar ao ensino.

“Para poder ter um horário, teria de ir para longe e isso não fazia parte dos meus planos”, explica. Segundo conta, a compensação oferecida pelo subsídio de deslocação não é suficiente para motivar uma mudança: “Há necessidade de professores, mas não é cativante”, afirma, referindo-se à dificuldade de gerir uma vida familiar e profissional em locais tão distantes.

Dificuldades em gerir duas casas
Ana Martins, que durante mais de 20 anos lecionou a disciplina de Português no 3.º ciclo e no ensino secundário, também não se deixa convencer pelas novas condições. Depois de fazer as contas, concluiu que voltar a lecionar, especialmente longe de casa, não seria viável. Ana vive em Bragança, mas as colocações disponíveis são em regiões como Lisboa, onde o custo de vida é muito superior.

“Eu era recuperável, mas não me podem dizer para ir para Lisboa. Os empréstimos subiram muito. Pagar um empréstimo aqui em Bragança e ter que pagar uma casa em Lisboa com um valor superior… é muito difícil. Nem chegava o vencimento”, desabafa.

O subsídio de deslocação, mesmo com o valor máximo de 450 euros, não chega para cobrir os custos adicionais de manter uma casa em duas cidades diferentes. Esta é uma realidade que muitos professores deslocados enfrentam, especialmente aqueles que trabalham em regiões onde o custo de vida é elevado.

Isabel Louro defende que o subsídio deveria ser estendido a todas as zonas do país, uma vez que a questão da distância afeta professores em várias regiões, e não apenas nas que o Governo identificou como prioritárias. “A maior parte dos professores continua a fazer imensos quilómetros. Há muita gente que vai daqui de Bragança para Amarante, que é bastante longe, 150 quilómetros. Vão e vêm diariamente”, conta, sublinhando que o esforço de deslocação não é exclusivo das grandes áreas metropolitanas.

Embora Isabel tenha decidido abandonar o ensino para garantir a estabilidade familiar e profissional, Ana Martins admite que ainda sente uma grande nostalgia pela sala de aula. O desejo de voltar a ensinar é tão forte que, mesmo depois de oito anos a trabalhar num banco, continua a concorrer para vagas na sua zona. “Sempre gostei muito do ensino. Corri tantas escolas para isso, sinto uma nostalgia, gostava imenso de voltar”, confessa.

No entanto, tal como Isabel, a estabilidade conquistada perto de casa é um fator decisivo. Ambas ensinam disciplinas com elevada carência de docentes, mas nenhuma está disposta a abdicar da segurança e proximidade ao lar que conseguiram fora do ensino.

As novas medidas do Governo, embora apontadas como uma solução para a escassez de professores em certas regiões, não são suficientes para atrair de volta profissionais experientes como Isabel e Ana. Para muitos, o desafio de equilibrar uma carreira em zonas longe de casa com a vida familiar e os custos associados continua a ser um obstáculo intransponível.

Ao mesmo tempo, permanece a necessidade de professores persiste, especialmente em disciplinas como Português e Informática, onde as escolas sentem mais dificuldades em contratar docentes. Contudo, para que estes profissionais regressem ao ensino, será necessário mais do que um subsídio de deslocação – será essencial garantir condições de trabalho e vida que tornem o regresso à sala de aula uma escolha viável e atrativa.

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