Há 420 milhões de pessoas que beneficiam de uma UE sem fronteiras: estará o Espaço Schengen a desmoronar-se?

Estará o Espaço Schengen, a zona sem restrições de circulação de pessoas e bens, que reúne 420 milhões de pessoas e representa uma das realizações mais tangíveis e reconhecíveis da integração europeia, a morrer?

Durante anos, a questão não se colocou. Mas a chega maciça de requerentes de asilo, sobretudo a partir de 2015, virou a agenda política e colocou a migração em primeiro plano, abrindo uma conversa volátil e amarga em que os Governos deram prioridade a medidas de curto prazo para apaziguar um eleitorado furioso.

Áustria, Hungria, Eslovénia, Suécia e Dinamarca foram alguns dos países que citaram o afluxo sem precedentes de migrantes como justificação para reintroduzir controlos temporários nas suas fronteiras, o que quebrou a ilusão de que Schengen era intocável.

A pandemia da Covid-19 foi um novo golpe em Schengen: por toda a Europa, os países apressaram-se a fechar as fronteiras para tentar conter a propagação do vírus – Bruxelas acreditou que, quando a vacinação começasse e as infeções diminuíssem, a circulação em todo o bloco voltaria ao seu estado normal: no entanto, concretizou-se, mas não por muito tempo.

Os fluxos migratórios aumentaram constantemente na UE: os pedidos de asilo atingiram 1,12 milhões de pessoas em 2023, o valor mais elevado desde 2016, e os Países Baixos e Itália, entre outros, queixaram-se que os centros de acolhimento estavam a ficar sobrecarregados. Como resultado, o apoio aos partidos de extrema-direita e direita cresceu nas urnas e ganhou fôlego a ideia de deslocalizar os procedimentos de asilo para destinos longínquos, outrora impensável.

O ataque na cidade alemã de Soligen por um cidadão sírio, cujo pedido de asilo tinha sido rejeitado com uma ordem de regresso à Bulgária, o primeiro país de entrada na UE – e que resultou em três mortos -, lançou o debate germânico sobre migração. Sob pressão, Scholz prometeu uma linha de ação mais dura e ordenou o reforço dos controlos nas fronteiras terrestres do país.

O anúncio ‘chocou’ a UE: o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, considerou-o “inaceitável”, classificando-o como uma “suspensão de facto do acordo de Schengen em grande escala” – já a Áustria indicou que não iria aceitar um migrante recusado pela Alemanha. A UE foi cautelosa para evitar antagonizar Berlim, sublinhando que os Estados-membros têm o direito de implementar controlos para fazer face “a uma ameaça grave, seja para a ordem pública ou para a segurança interna, quando tal for necessário e proporcionado”. No entanto, também avisou que se tratava de uma medida para ser usada “só como último recurso”.

O sentimento europeu foi agravado pela ameaça provocadora da Hungria, que ameaçou transportar gratuitamente migrantes irregulares para Bruxelas, em retaliação pela multa de 200 milhões de euros imposta pelo Tribunal de Justiça Europeu (TJE).

De excecional a comum

Os controlos nas fronteiras internas são, por natureza, contrários ao espírito de Schengen, que pretende ser um espaço alargado onde os controlos foram abolidos e os cidadãos podem viajar sem problemas através de 29 países – em muitos casos, sem nunca mostrar o passaporte. No entanto, é baseado num esforço coletivo de controlo das fronteiras externas e numa gestão justa dos requerentes de asilo, uma lógica que tem sido questionada por vários Estados-membros (sobretudo Hungria e Áustria).

Os registos da Comissão mostram que, desde 2006, os Estados-Membros apresentaram 441 notificações para reintroduzir os controlos nas fronteiras. Apenas 35 delas foram apresentadas antes de 2015. Atualmente, oito países do espaço Schengen, incluindo a Alemanha, têm controlos em vigor.

Os números desafiam o pressuposto de que os controlos fronteiriços “devem ser excecional e utilizado apenas como último recurso”, como diz o Código das Fronteiras Schengen. Num relatório publicado em abril último, a Comissão Europeia identificou o fenómeno como uma “questão de preocupação específica” e apelou aos países para que eliminassem gradualmente os controlos temporários “com vista a uma gestão conjunta mais sustentável dos desafios comuns”, lembrou o site ‘Euronews’.

“Duvido que estes países estejam dispostos a eliminar o seu controlo fronteiriço num futuro próximo”, salientou, em declarações ao site ‘Euronews’, Saila Heinikoski, investigadora sénior do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais (FIIA). “Os controlos são muitas vezes aleatórios e não muito invasivos, e penso que são mantidos também para fins simbólicos: mostrar aos cidadãos, aos outros países da UE e aos potenciais migrantes que existe uma situação excecional na Europa que o Governo está a resolver”, acrescentou.

“Não devemos esquecer que Schengen teve origem num acordo intergovernamental e que a história de Schengen está intimamente ligada à do sistema de asilo da UE, estando, por isso, centrada numa lógica de controlos fronteiriços orientados para a segurança”, sustentou Alberto-Horst Neidhardt, analista político sénior do Centro de Política Europeia (CPE). “Schengen não está à beira da morte”, acrescentou.

“Mas os acontecimentos recentes também mostram que a ideia de que as reformas recentemente introduzidas poderiam preservar o espaço sem fronteiras enquanto tal era uma ilusão. O futuro de Schengen continuará provavelmente a ser marcado por um elevado grau de mal-estar e incerteza”, concluiu.

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