Guerra, Putin, armas (e potencial lucro) pressionam Suíça a ponderar mudança “explosiva” na posição de neutralidade

Após 500 anos de neutralidade, a Suíça está a considerar uma revisão significativa da sua postura de defesa, impulsionada pelas crescentes preocupações com a ameaça representada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, e pela guerra na Ucrânia. Um relatório recentemente divulgado recomenda que o país, conhecido pela sua política de não-alinhamento desde 1515, explore uma maior cooperação com a União Europeia (UE) e a NATO.

O relatório, publicado na quinta-feira, foi elaborado por um grupo de especialistas que inclui diplomatas, altos funcionários, o ex-chefe do exército suíço e Wolfgang Ischinger, ex-diretor da Conferência de Segurança de Munique. As recomendações foram entregues à Ministra da Defesa e Segurança, Viola Amherd, que também exerce as funções de Presidente da Confederação em 2024. As conclusões deste relatório irão orientar a estratégia de segurança da Suíça para 2025.

“A neutralidade voltou a ser tema de debate político, tanto a nível interno como externo, desde o ataque russo à Ucrânia,” refere o relatório, citado pelo jornal Politico. “A pressão sobre a Suíça para clarificar a sua posição está a aumentar”, sugerindo que é necessária uma “revisão” da política de neutralidade.

Uma das principais questões que impulsionam este debate é o impacto da neutralidade suíça sobre as vendas de armas. No ano passado, as exportações de armamento da Suíça caíram 27%, totalizando menos de 700 milhões de francos suíços (cerca de 746 milhões de euros), em grande parte devido a regulamentos estritos e à ausência de novas encomendas por parte do Qatar, que haviam sido feitas em preparação para o Mundial de 2022.

A Suíça proíbe a venda de armas a países em guerra, o que tem causado tensões com outras nações europeias que pretendem enviar armas para a Ucrânia contendo componentes suíços. O relatório apela à suspensão desta proibição de reexportação, salientando que é necessário reforçar a indústria de armamento suíça através de políticas de compensação e do acesso a programas de armamento da UE e da NATO.

Recomendações vistas como “explosivas”

As recomendações do relatório são vistas como “explosivas”, especialmente no contexto doméstico, onde enfrentam forte oposição, particularmente de partidos pacifistas e da direita nacionalista. A ministra Amherd já está sob pressão devido às crescentes ligações da Suíça com a NATO, com críticas de que estas ligações podem comprometer a tradicional neutralidade do país.

Jean-Marc Rickli, chefe de riscos globais e emergentes no Centro de Política de Segurança de Genebra, afirma que “o relatório deixa claro que a Suíça é um país ocidental e, como tal, apoia os valores ocidentais.” No entanto, reconheceu que os apelos a uma maior cooperação militar com a NATO e a UE provavelmente gerarão intensos debates na Suíça.

Embora o relatório não vá tão longe ao ponto de sugerir que a Suíça abandone completamente a sua neutralidade para se juntar à NATO,  recomenda uma aproximação significativa à aliança militar e à UE em áreas como o treino conjunto, defesa contra mísseis balísticos e exercícios bilaterais e multilaterais.

Aumento de gastos militares e aproximação à NATO e à União Europeia

O relatório propõe ainda que a Suíça aumente as suas despesas militares para 1% do PIB até 2030, um aumento em relação aos atuais 0,76%, que é significativamente menor do que qualquer membro da NATO, exceto a Islândia, que não possui forças armadas.

Embora seja improvável que a Suíça enfrente uma invasão militar, o relatório sublinha que o país já é alvo de formas de guerra híbrida, incluindo desinformação, espionagem e ciberataques. Os especialistas recomendam uma transição para uma “defesa global”, o que implica preparar toda a sociedade, e não apenas as forças armadas, para um eventual conflito.

Nos últimos meses, o Conselho Federal Suíço, responsável pela governação do país, tem sinalizado uma maior disposição para colaborar com a NATO e a UE em questões de segurança e defesa. Recentemente, uma delegação suíça reuniu-se com a Agência de Apoio e Aquisições da NATO (NSPA) no Luxemburgo, para avaliar possíveis sinergias e oportunidades de cooperação.

Além disso, no início deste mês, o Conselho Federal aprovou a participação em dois projetos da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) da UE, um relacionado com a mobilidade militar e outro com a ciberdefesa.

Jean-Marc Rickli observou que a Suíça pretende demonstrar que está a cumprir a sua parte, caso venha a precisar de ajuda militar por parte dos países da UE ou da NATO. “Há um elemento reputacional em jogo, em que a Suíça pode ser vista como um parasita que não coopera com os estados europeus”, afirmou Rickli. “Se quer beneficiar da ajuda dos seus parceiros europeus, tem de dar algo em troca.”

À medida que a Suíça se aproxima de uma possível revisão da sua tradicional neutralidade, a decisão final deverá passar pelo crivo de um acalorado debate político interno, onde as diferentes forças tentarão influenciar o rumo que o país deverá seguir face às novas realidades geopolíticas da Europa.

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