Governo está no caminho certo para resolver problema da imigração? Responsável da Amnistia Internacional Portugal tem muitas dúvidas e critica políticos

O Governo de Luís Montenegro apresentou, esta semana, o seu Plano de Ação das Migrações: 41 medidas para dar resposta a um problema visível nas principais artérias das maiores cidades em Portugal: um passeio pelas ruas de Lisboa e Porto são elucidativos da falta de resposta das autoridades nacionais aos migrantes, muitos dos quais em situação de sem-abrigo e à mercê das redes de tráfico de seres humanos.

Para enquadrar o alcance das medidas do Executivo, falámos com Pedro Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, sobre se as intenções do Governo estão no bom caminho para resolver o problema. A resposta do responsável não esconde as dúvidas sobre o real impacto do plano.

“Olho para o plano e tenho muitas dúvidas. O plano do Governo é um conjunto de 41 medidas que são, na maior parte, bastante genéricas, começam com verbos de ação positivos como ‘fortalecer, melhorar, simplificar, estruturar’ mas ainda falta perceber coisas muito importantes: como é que tudo isto se fará, como se implementará e qual o orçamento”, começa por referir o especialista, salientando que “muitos dos problemas na questões da imigração são administrativos, de dar respostas às pessoas, de dizer que sim ou que não. E portanto é um problema transversal à Administração pública e a outras áreas: na Saúde e na Justiça, com listas de espera enormes, da Administração Pública até à Educação. O que falta aqui muitas vezes é agilizar melhor os processos e dotá-los de um orçamento e de pessoas em número suficiente para fazer o atendimento aos cidadãos”.

Mas acredita que o plano do Governo vai na direção correta para resolver os problemas?

“Há ali medidas que têm intenção de fortalecer, de melhorar, de dotar mais infraestruturas e mais pessoas. Há mesmo uma previsão de criação de uma estrutura de missão especificamente para resolver estes cerca de 400 mil pessoas que esperam resposta. Isto é bom, naturalmente”, aponta Pedro Neto, garantindo, no entanto, que o assunto “tem sido muito politizado, o que não ajuda na criação de soluções”.

“Temos uma extremo que defende fronteiras totalmente abertas, outro extremo que defende totalmente fechadas. Passe o exagero, a solução está no meio: as fronteiras precisam de ser guardadas, seguras e organizadas. Essa é a forma mais eficaz de combater o tráfico de seres humanos e proteger as pessoas deste crime tão hediondo. Uma fronteira completamente escancarada ou uma completamente fechada e desorganizada, esse é o caminho frutífero para o tráfico de seres humanos. É preciso organização”, esclarece.

A AIMA – que tem sido o foco central de todas as críticas no que diz respeito às migrações – é, para Pedro Neto, “o bode expiatório de todos os problemas”. “Os casos em atraso já existiam antes da AIMA. O nome das instituições vai mudando, os problemas vão subsistindo se mantivermos a mesma abordagem. É preciso um trabalho conjunto, quer da polícia quer administrativo da AIMA, quer do trabalho de fiscalização (ACT), no caso das condições do trabalho. Uma coisa que tem de ser transversal em todas estas organizações é termos de olhar para estas pessoas como seres humanos e centrar os direitos humanos nestas políticas públicas”, aponta.

“Claro que os diagnósticos vão sendo bem feitos, mas depois a discussão varia para coisas que não acrescentam nada. Por exemplo, falava-se muito na questão das manifestações de interesse na procura de trabalho. Este é um tipo de visto que não está previsto nos tipos de visto Schengen: turismo, estudantes, trabalho e negócio. Depois, à parte, há as questões de direito internacional humanitário, que são os refugiados. Muitas vezes até se confunde o que são refugiados e o que é imigração. Portanto, as pessoas que vinham procurar trabalho com uma manifestação de interesses vão passar a vir como vinham antes, com um visto simples de turismo ou de estudante”, alerta.

“Tudo o que é acessório e ruído na discussão, não ajuda a resolver os problemas”, acusa. “O problema mantém-se. Se formos por aí, o nome ou tipo de visto, não muda nem resolve nada, é inconsequente. É por isso necessário reforçar a capacidade de resposta dos consulados, que é onde as pessoas vão pedir o visto, e os consulados devem ter meios e pessoas suficientes para dar resposta, seja positiva ou negativa, e cá haver meios para recolher as pessoas, integrar, ensinar a língua e preparar para elas enriquecerem a nossa sociedade, seja com mão de obra, pagamento de impostos ou com a sua diversidade cultural. O que interessa é analisar a origem dos problemas e não mascará-los com medidas que não resolvem nada, assim tudo continua tudo igual mas somente com nomes diferentes”, indica Pedro Neto.

Então, o que falta a Portugal para dar passos seguros na resolução do problema? “Portugal não é dos países que mais migrantes recebe. Estamos é a ter muita dificuldade nos procedimentos burocráticos, o que coloca muitas vidas no limbo, sem conseguirem andar para a frente. Sem os documentos, não podem trabalhar nem retomar a vida. O que vamos vendo é que à custa desse limbo vão caindo na pobreza e na miséria e aí sim ficam à mercê do tráfico de seres humanos, em situações de sem-abrigo, e isso é dramático”, finaliza.

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