Fuga de Vale de Judeus: Ex-diretor das prisões aponta dedo aos guardas por falhas mas diz que vai “assumir responsabilidades”

Rui Abrunhosa Gonçalves, ex-diretor-geral dos Serviços Prisionais, afirmou que a fuga de cinco prisioneiros do estabelecimento prisional de Vale dos Judeus resultou de falhas na segurança, atribuindo a responsabilidade a “quem os guarda”. Em entrevista à RTP, o ex-dirigente, que se demitiu na sequência do incidente, explicou que a fuga foi bem planeada pelos reclusos, com base numa avaliação minuciosa das rotinas da prisão.

O ex-diretor afirmou que os prisioneiros aproveitaram as vulnerabilidades na segurança da cadeia para executar a fuga. Segundo Gonçalves, os reclusos avaliaram as atividades diárias do estabelecimento, identificando fragilidades específicas no funcionamento ao sábado. “Não é à toa que escolheram o sábado, porque o sábado tem um conjunto de rotinas que não são iguais às do resto da semana”, explicou, sublinhando que esta análise permitiu aos prisioneiros encontrar o momento ideal para escaparem.

Questionado sobre quem falhou na vigilância que permitiu a fuga, Rui Abrunhosa Gonçalves foi claro: “quem os guarda”. O ex-diretor referiu que, num sistema prisional, há duas populações distintas – os reclusos e os guardas – e que a principal função dos guardas é assegurar a segurança. “É óbvio que houve aqui falhas na segurança que foram exploradas por estes reclusos”, acrescentou.

Apesar de Vale dos Judeus contar com 200 câmaras de vigilância, o ex-responsável pelos serviços prisionais explicou que nem todas são monitorizadas continuamente. “Há um videowall que está mais perto do guarda, onde estão as câmaras que, naquele dia e naquele momento, são importantes”, afirmou Gonçalves. O antigo diretor defendeu que, embora a tecnologia estivesse disponível, a sua eficácia depende da forma como é utilizada.

Sobre a possibilidade de envolvimento interno na fuga, Rui Abrunhosa Gonçalves declarou que “tudo é admissível”, relembrando que em outras situações houve casos de telemóveis ou drogas introduzidos nas prisões com a ajuda de funcionários. No entanto, evitou tirar conclusões precipitadas, preferindo aguardar pelos resultados da investigação em curso.

Rui Abrunhosa Gonçalves esclareceu também os motivos que o levaram a apresentar a sua demissão. “Não sou de atirar a toalha ao chão. Enquanto as pessoas tiverem confiança em mim e no meu trabalho, eu continuo. Se essa confiança se perde, então faz sentido sair, e foi isso que aconteceu”, afirmou. O ex-diretor revelou que a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, manifestou que já não confiava nele, levando-o a apresentar a demissão.

Questionado se se sentia um bode expiatório no caso da fuga, Gonçalves respondeu que, em situações como esta, “quase sempre têm de rolar cabeças”. O ex-responsável não se mostrou surpreendido com a decisão, explicando que, desde o momento em que ninguém o defendeu publicamente, percebeu que o seu futuro no cargo estava em risco.

A falta de pessoal nas prisões também foi abordada por Rui Abrunhosa Gonçalves durante a entrevista. O ex-diretor sublinhou que, durante o seu mandato, foi solicitado o lançamento de novos concursos para reforçar o número de guardas prisionais, mas que “as coisas encalham sempre no Ministério das Finanças”. Apesar disso, reiterou que no dia da fuga havia guardas suficientes em Vale dos Judeus e que os sistemas de vigilância estavam operacionais.

“O número de guardas era adequado, as pessoas estavam lá, as câmaras de vigilância estavam lá”, afirmou. No entanto, recusou adotar os termos usados pela ministra da Justiça, que descreveu o incidente como resultado de “desleixo, incúria e irresponsabilidade”. “No final da auditoria veremos se houve desleixo ou irresponsabilidade, mas até lá, não avanço com esse tipo de adjetivos”, defendeu.

O ex-diretor dos Serviços Prisionais sublinhou que a fuga não foi um ato impulsivo, mas sim cuidadosamente planeado pelos prisioneiros, que estudaram as rotinas de Vale dos Judeus. “Eles avaliaram as rotinas da prisão para encontrar o melhor momento para escapar”, afirmou Gonçalves, reiterando que o facto de a fuga ter ocorrido num sábado foi parte do plano dos reclusos.

Rui Abrunhosa Gonçalves terminou a entrevista reafirmando que apenas se demitiu porque a ministra da Justiça deixou claro que não tinha mais confiança no seu trabalho. “Não temo ser alvo de um processo disciplinar, mas assumirei as minhas responsabilidades”, concluiu.

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