Nutri-Score. Setor do azeite celebra fim de medida “simplista” e médicos esperam que Bruxelas encontre sistema “mais fidedigno”

A decisão do Governo português de suspender a implementação do sistema de rotulagem Nutri-Score (que considerou “ilegal” em Portugal, inicialmente adotado como uma medida de saúde pública, tem sido alvo de intensas discussões. O Nutri-Score, que classifica alimentos com uma escala de cores de verde a vermelho e letras de A a E, pretende fornecer uma avaliação rápida da qualidade nutricional dos produtos. No entanto, a sua aplicação gerou controvérsia, sobretudo no que respeita a alimentos 100% naturais, como o azeite. Para muitos produtores, nutricionistas e representantes da indústria alimentar, este sistema subvaloriza alimentos fundamentais para uma alimentação equilibrada, enquanto favorece produtos processados que, mesmo ajustados, continuam a ser menos saudáveis.

No centro deste debate está a questão de como os alimentos são avaliados e se o Nutri-Score reflete de forma justa o valor nutricional de todos os produtos. A principal crítica recai sobre o impacto desproporcional do sistema em alimentos naturais e não processados, como o azeite, que acabou por receber classificações desfavoráveis. Esta controvérsia fez com que o atual Governo, liderado por Luís Montenegro, anulasse o despacho que previa a aplicação do Nutri-Score em Portugal, posicionando o país à espera de uma decisão da Comissão Europeia para a implementação de um sistema harmonizado e mais ajustado à realidade de cada produto.

Nutri-Score: uma visão simplista?

Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite, uma das maiores defensoras da suspensão, acredita que o Nutri-Score, tal como foi desenhado, não valoriza adequadamente os alimentos naturais. Em entrevista à Executive Digest, Matos afirmou que a medida foi vista com “muito bons olhos”, uma vez que “o Nutri-Score é bastante simplista” e não foi desenvolvido para alimentos naturais. “Quando aplicado a alimentos 100% naturais, como o azeite ou o mel, acaba por ser bastante penalizador”, sublinha. Segundo Matos, o sistema falha em reconhecer os benefícios nutricionais cientificamente comprovados do azeite, um dos pilares da dieta mediterrânica, recomendada por nutricionistas e especialistas em saúde pública em todo o mundo.

Matos também criticou o critério de porções utilizado pelo Nutri-Score, que avalia os alimentos com base em uma porção de 100 ml no caso do azeite. “Ninguém consome 100 ml de azeite numa única porção”, explica, realçando que este critério distorce a percepção do consumidor sobre os verdadeiros benefícios deste produto. Esta distorção levou a que o azeite, apesar dos seus reconhecidos efeitos benéficos para a saúde cardiovascular e a prevenção de várias doenças, fosse classificado com notas baixas, ao lado de alimentos processados e menos saudáveis.

Expectativas para a decisão europeia

A suspensão da aplicação do Nutri-Score em Portugal ocorre num momento em que vários países europeus, como França, Alemanha e Espanha, já adotaram este sistema de rotulagem em larga escala. No entanto, Mariana Matos acredita que um sistema de rotulagem nutricional deve ser “claro e simples”, mas, ao mesmo tempo, “deve valorizar os alimentos mais saudáveis e 100% naturais”. A Casa do Azeite defende que a harmonização da rotulagem na União Europeia é essencial para evitar a fragmentação do mercado e para não confundir os consumidores, que enfrentam diferentes sistemas de rotulagem em cada país.

Apesar de o sistema proposto pela Comissão Europeia já devesse ter sido apresentado, Matos reconhece que o assunto é “complexo” e que requer um estudo aprofundado para garantir que os alimentos naturais, como o azeite, sejam corretamente valorizados. A expectativa é que o futuro sistema europeu, além de harmonizado, consiga destacar os alimentos mais saudáveis de forma precisa e justa.

A visão dos especialistas em saúde pública

Do lado dos profissionais de saúde, o Nutri-Score também tem gerado debate. Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), partilha uma visão crítica, mas equilibrada. Em entrevista à Executive Digest, Borges reconhece que o Nutri-Score é “um mecanismo de fácil avaliação da qualidade nutricional dos alimentos”, mas alerta para as manipulações que a indústria alimentar tem feito para melhorar as classificações dos seus produtos sem alterar significativamente a sua composição.

“Muitas vezes, alimentos com elevado teor de açúcar, como os cereais de pequeno-almoço, recebiam melhores classificações do que produtos com menos açúcar e, por isso, mais saudáveis”, exemplificou. Este problema ocorre devido ao facto de a indústria ajustar as fórmulas dos produtos, reduzindo ligeiramente os níveis de gordura, açúcar ou sal, mas apresentando essas mudanças de forma a melhorar a classificação no rótulo. Na prática, o sistema acabava por favorecer alguns produtos processados em detrimento de alimentos naturalmente mais saudáveis.

Borges defende que, em vez de confiar apenas num sistema de rotulagem, o foco deve estar em aumentar a literacia alimentar da população. “É fundamental que o cidadão saiba ler o rótulo de uma embalagem e perceber realmente a qualidade do que está a comprar”, sublinha, apelando a um maior esforço por parte do Governo e das instituições de saúde para educar os consumidores sobre a importância de uma alimentação equilibrada.

Suspensão como uma decisão política

Questionado sobre a suspensão do Nutri-Score, Borges afirmou que a decisão parece ter sido “mais política do que técnica”, mas admite que o sistema, tal como estava implementado, não era a medida de saúde pública ideal para melhorar a qualidade da alimentação dos portugueses. No entanto, alerta que o Governo deve olhar com atenção para a qualidade dos alimentos à venda no mercado e criar incentivos que promovam a compra de produtos mais saudáveis, sugerindo que programas como o IVA zero poderiam ser uma alternativa eficaz.

Para Borges, a Comissão Europeia desempenhará um papel fundamental na criação de um novo sistema que seja mais justo e preciso. “Esperamos que o novo sistema transpareça de forma fidedigna a qualidade dos nutrientes e ajude a indústria a produzir alimentos mais saudáveis”, afirmou, elogiando o trabalho feito anteriormente pela Direção-Geral da Saúde em colaboração com a indústria alimentar para reduzir os níveis de sal, açúcar e gorduras em vários produtos.

A posição do Governo português

O Governo de Luís Montenegro decidiu suspender o Nutri-Score em Portugal, classificado pelo atual Ministério da Agricultura como “ilegal”, aguardando agora uma decisão da Comissão Europeia sobre a implementação de um sistema europeu de rotulagem nutricional simplificado. Em declarações à CNN Portugal, a Direção-Geral da Alimentação e Veterinária (DGAV) afirmou ser “prudente aguardar pela definição das prioridades da nova Comissão Europeia” antes de avançar com qualquer recomendação oficial sobre o tema.

O ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, justificou a decisão de anular o Nutri-Score com o argumento de que o sistema penalizava injustamente alimentos como o azeite, favorecendo produtos processados como refrigerantes com adoçantes. Apesar da suspensão, Fernandes admite que, caso a Comissão Europeia opte por adotar o Nutri-Score como o sistema oficial para a União Europeia, Portugal terá de seguir essa decisão, mesmo que o algoritmo não sofra melhorias.

Enquanto a decisão europeia não é tomada, Portugal permite que os operadores escolham livremente entre diferentes sistemas de rotulagem, como o Nutri-Score, o Semáforo Nutricional ou o GDA. No entanto, esta pluralidade de opções é contestada pelo próprio Governo, que considera que a multiplicidade de esquemas confunde os consumidores e não promove uma informação eficaz.

O futuro da rotulagem nutricional na Europa

O Nutri-Score, implementado em vários países europeus desde 2014, foi concebido pela Santé Publique France como uma ferramenta para ajudar os consumidores a tomar decisões alimentares mais saudáveis. No entanto, a sua aplicação a produtos naturais tem gerado polémica. Com a pressão crescente de Estados-membros e da indústria alimentar, a Comissão Europeia terá agora de decidir sobre a implementação de um novo sistema que harmonize a rotulagem em todos os países da União Europeia, valorizando adequadamente os alimentos naturais e processados.

A decisão sobre o futuro da rotulagem nutricional poderá ter um impacto significativo na forma como os consumidores europeus percebem e escolhem os seus alimentos, bem como no posicionamento de produtos emblemáticos da dieta mediterrânica, como o azeite, nas prateleiras dos supermercados.

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