Filipe Albuquerque: «O próximo objetivo é ganhar o campeonato americano»
Filipe Albuquerque teve uma época recheada de sucessos, permitindo-lhe juntar o título mundial de Resistência à vitória nas Le Mans Series e, ainda, o tão desejado triunfo em Le Mans. Num ano marcado pela morte do pai, a quem dedicou os sucessos, o piloto de Coimbra confessa em entrevista a estranheza da competição em tempos de pandemia, mas diz que faz aquilo de que gosta e, ainda por cima, há muitos títulos por conquistar.
Há vários anos dizia que Le Mans era a vitória mítica e que faltava uma vitória portuguesa lá. É a vitória mais emblemática desta época e, se calhar, do seu percurso até aqui?
É, sem dúvida alguma! O que faz o currículo de um atleta é dizer que é campeão do mundo; o que faz o currículo de um piloto de automóveis é dizer que é vencedor das 24 Horas de Le Mans. Isso diz muito sobre o nível a que já esteve, porque a corrida é difícil todos os anos. Se formos ver em que ano foi, a minha categoria estava ainda mais forte do que nos últimos anos, uma vez que tínhamos 24 carros ao contrário dos dez de anos anteriores. E todos eles com pilotos de topo que passaram pela Fórmula 1 e por outras categorias do desporto automóvel. As 24 Horas de Le Mans acabam por ser uma prova tão emblemática que mesmo os pilotos que estão na Fórmula 1 gostavam um dia de participar e ganhar. É verdade que a vitória não foi à geral, mas se olharmos para o panorama deste ano, à geral se calhar não teria tanto mérito como na classe LMP2, nem as outras. Digo que sou campeão de Le Mans com muito orgulho pelo quão difícil foi e, se quisermos debater de modo mais técnico a vitória que foi ou a corrida que foi, e se quiserem tentar diminuir o feito de alguém, estou preparado para dar a estatística e os factos dessa corrida.
As 24 Horas de Le Mans acabam por ser uma prova tão emblemática que mesmo os pilotos que estão na Fórmula 1 gostavam um dia de participar e ganhar.
Foi melhor por ter a companhia de António Félix da Costa no pódio?
Foi, foi espetacular ter o António e sermos dois portugueses, motivando aqui em Portugal muitos miúdos, não só no desporto automóvel, mas em geral, no sentido em que, se prepararmos tudo com dedicação, trabalho e muito tempo, podemos ir muito longe em várias áreas.
Lá fora, nas pistas e fora delas, os pilotos portugueses têm uma imagem de reconhecimento do seu valor?
Temos, porque os poucos, até mesmo engenheiros, muitos deles estão espalhados pelas melhores equipas. Depois é engraçadíssimo porque, não os conhecendo a todos, quando aparece um começamos logo a falar em português e parece que já nos conhecemos há anos. Ainda agora, vínhamos de uma corrida e surgiu um engenheiro da equipa do António que não sabia que eu lá estava, começámos a falar, contou-me que tinha vindo da Fórmula 1 e estava a gostar muito do ambiente. Torna-se natural a conversa e também a entreajuda, sentimo-nos logo em casa e sabemos sempre que aquela pessoa vai sempre dar o melhor por nós. E isso é bonito e faz-nos perceber a dificuldade que tivemos até agora a enfrentar ingleses que têm ingleses à sua volta. Estamos a quebrar isso lentamente, até porque somos um país pequeno, mas cheio de paixão e talento. Começamos a chegar a muitos lados e isso cria influências, desbrava caminho para outros e gera vontade de as equipas nos quererem.
Ganhou em Le Mans, a prova que mais queria conquistar. E qual é o sítio onde mais queria vencer e ainda não conseguiu?
É fácil: as 10 Horas de Petit Le Mans, mais uma vez, bateu na trave, já são quatro anos seguidos… Mas só me rio porque isto não me manda abaixo, já perdi muitas corridas, aceito muito bem as derrotas. Aliás, saí da corrida a pensar alto, a fazer a minha estatística para mim mesmo, porque mais uma vez o meu carro liderava a prova e, portanto, isto é uma questão de tempo. Mas quero muito ganhar aquela corrida porque nunca venci e já estive tão perto tantas vezes… Os meus colegas estavam super-tristes, super-desanimados com a derrota e estive a ensiná-los a perder. Disse-lhes: ‘Agora estão tristes, mas no ano passado ainda brincaram comigo quando perdi a corrida à vossa frente por um defeito numa peça. Já sabem na pele o que é perder e, para a próxima, já têm mais respeito por quem perde. Aprendam!’ Calaram-se os dois e meti-os na linha. Há uma frase que aprendi com o Nuno e o Pedro Couceiro: antes de se saber ganhar é preciso saber perder. E aqueles que ganham logo no início não vão ser as mesmas pessoas para o resto da vida porque depois, quando começarem a perder, se calhar vão logo abaixo.
Ser campeão do mundo de Resistência e vencer a European Le Mans Series sabe a quê, depois de uma época tão exigente?
É a realização pessoal. Em todos os setores, seja no desporto ou numa empresa, temos objetivos que estipulamos todos os anos e, sendo ambiciosos ou nem por isso, por vezes temos objetivos mais elevados. Uns que são palpáveis, mas mais difíceis de alcançar, e este ano foi exatamente essa realização de saber que era capaz de atingir e conquistar estes títulos, mas ao mesmo tempo ter a noção de que eram muito difíceis, uma vez que vivemos num mundo muito competitivo em todas as frentes. Este ano foi a concretização desses títulos e posso dizer hoje que sou campeão. Porque, quando somos pilotos, aquilo que nos perguntam de imediato é: ‘O que é que ganhaste?’ É como perguntar ‘o que é que fazes?’ a outra pessoa qualquer e saber qual é a sua posição. E a minha posição agora é ‘Sou piloto de Resistência e sou campeão do mundo e da Europa e de Le Mans e isso tudo!’
Percebeu um olhar de maior respeito à sua volta?
Há sempre um bocadinho mais de respeito, mesmo nos circuitos. Porque o sucesso este ano foi tão grande que até houve quem brincasse e dissesse: ‘Não queres partilhar um bocadinho da tua água?’ [risos] Há anos em que parece estar tudo alinhado para que as coisas aconteçam e torna-se difícil justificar. Fazem-me muitas vezes a pergunta: ‘Achas que estás no pico da tua forma? Estás no teu melhor? Conduziste melhor nesta temporada?’ E digo que não, já tinha chegado a uma forma muito boa nos últimos quatro/cinco anos, apenas este ano tudo se reuniu – o carro, o colega de equipa, a equipa, tudo estava unido e as coisas aconteceram. Claro que estou cada vez mais experiente, mas isso não invalida o que fiz nos anos anteriores. Se calhar até com carros menos competitivos e se calhar, às vezes, o quinto lugar esforçado e bem suado não salta para as luzes da ribalta, mas na equipa, entre os engenheiros, sabem bem da qualidade do meu trabalho. E daí as equipas terem interesse em contratar-me para chegar até aqui e ter estado nos últimos oito anos sempre em equipas de topo.
[Depois dos títulos] Há sempre um bocadinho mais de respeito, mesmo nos circuitos. Porque o sucesso este ano foi tão grande que até houve quem brincasse e dissesse: ‘Não queres partilhar um bocadinho da tua água?’
Conquistados estes objetivos, é sua convicção que talvez fosse necessário passar por aquilo que passou para aqui chegar?
Não! [risos] A única diferença é que dou mais valor agora, depois de ter tentado várias vezes sem nunca desistir e de saber o quão difícil é ganhar. Não quer isso dizer que, se ganhasse logo, não iria mudar…
Estava preparado?
Sim, até porque colegas de equipa mais ou menos do mesmo patamar ganhavam e eu não, ia para casa mais triste do que eles. Por isso digo que, se calhar, dou mais valor às coisas, vivemos sempre a situação de um modo diferente quando nos parece mais fácil. Não era necessário ter passado por tudo isto, mas, de uma forma ou de outra, vai moldar-me para a vida. Porque é um ensinamento de que, se quisermos alguma coisa na vida, temos de lutar muito. E isso é um ensinamento para mim, mas para todos os outros. Há quem chegue mais depressa e de maneira menos difícil às suas metas, mas, depois, corre o risco de perder a vontade e o estímulo, a motivação, porque alcançaram com menos dificuldade. Assim percebemos melhor que tudo o que temos é resultado de muito trabalho.
Entretanto, mudou de equipa [trocou a Action Express Racing pela Wayne Taylor Racing] com o principal objetivo de ganhar o campeonato americano?
Sim, o objetivo é estar sempre nas equipas de topo. A minha prioridade número 1, antes de saber a parte salarial, as condições ou o que quer que seja, é saber logo se aquela equipa tem condições para ganhar…
Esta é a melhor equipa na sua perspetiva?
É uma das melhores, não se pode dizer que é a melhor, porque no mundo em que vivemos está tudo muito competitivo e acredito que o meu contributo possa fazer a diferença… Ganharam três das últimas quatro vezes Daytona, a que falta ganhei-a eu em 2018, portanto, tenho boas chances e foi por isso que assinei, depois de saber quem são os colegas de equipa e os engenheiros, qual o carro. É uma equipa ganhadora…
E o próximo objetivo é ganhar na América?
É ganhar o campeonato americano, neste momento o melhor campeonato que existe de Resistência. Quem percebe e está por dentro das questões mais técnicas sabe que o campeonato americano tem neste momento o melhor nível à classe geral, tem construtores envolvidos e é um novo começo. Na minha equipa anterior ficaram muito tristes, tiveram muita pena de não poderem oferecer-me aquilo que eu queria que era o campeonato a tempo inteiro e, portanto, saí, já lhes tinha dito isso com antecedência. Ficámos com excelente relação e ainda me enviou um e-mail a dizer: ‘Quando voltares a estar disponível liga-me.’ Isso é bonito e tem a ver com a forma como estou no desporto e na vida que é uma coisa é o negócio, as relações pessoais e outra é a relação que temos de ter no plano profissional. Não temos de fechar portas ou deixar de ser amigos, ser antipáticos. São etapas, eles respeitaram-me, eu desejei-lhes a segunda maior sorte do mundo [risos] e eles desataram a rir-se com isso e fizeram o mesmo comigo…
[O próximo objetivo] É ganhar o campeonato americano, neste momento o melhor campeonato que existe de Resistência.
Quando está ao volante pensa nas suas filhas ou tenta abstrair-se e estar concentrado só na corrida?
É engraçado: quando estou nas corridas e começo a entrar mais na minha zona de concentração, é quase como se o tempo parasse, não sou mais velho nem mais novo, penso só naquelas coisas de que gosto ou que me levam a descontrair. e nas boas memórias que podem ser com as minhas filhas, amigos, coisas do passado, sempre situações que me tragam felicidade. Tenho de estar feliz para ser rápido e ser melhor e trazer o talento espontâneo que tenho em mim. Posso até pensar nelas, mas não muito, é como se o tempo parasse, estou no meu meio, no meu habitat, não penso em coisas que tenha de fazer.
Quando chegou teve o cuidado de dedicar a vitória ao seu pai: isso deu outro significado ao triunfo?
Sim e não, porque ao mesmo tempo gostaria que tivesse visto a corrida, a concretização do seu investimento e o sonho dele de eu ser piloto, pois tudo começou há muitos anos. Foi pena não ter sobrevivido mais dois meses até à prova. Se calhar se ele fosse vivo eu não ganharia, tento perceber o que não é explicável, toda a gente tem isso na vida, várias coincidências. Há quem olhe para as estrelas e quem deite e leia as cartas… Não acredito muito nisso, mas respeito. Na última prova que fiz com o meu pai vivo, estava em primeiro, o meu colega de equipa teve um furo, tivemos de entrar na box e, com sorte, ficámos em terceiro. Eles viram nisso uma situação de azar, eu sou muito pragmático e procurei as explicações para aquilo, analisando tudo friamente. Mas depois o meu pai faleceu e tivemos ali um conjunto de situações em que ganhámos e tivemos alguma sorte – por exemplo, em Le Mans, acabei por sofrer um toque de um carro que se despistou e ficou desfeito. Bateu-me de lado e acertou-me no radiador que não partiu e, por isso, não perdeu água. Faltavam 12 horas para acabar a corrida.
Se tivesse partido…
Ia ficar sem água, o motor ia partir, teríamos de desistir ou ir à box e já estava comprometida a vitória. Felizmente, tudo se alinhou para que ganhasse o título mundial, o título europeu e Le Mans, coisa que nunca foi feita antes no mundo, só eu e o meu colega de equipa, o Phil Hansen, podemos dizer isso, e portanto é incrível. Talvez seja uma estrelinha que está lá no céu a olhar por nós… Não vou mentir, as primeiras provas sem o meu pai foram duras, queria dedicar-lhe vitórias, e foi duro quando relaxava, libertava as emoções, dentro do carro, mas foi de felicidade, só faltou poder partilhá-la com ele.
Ao contrário do que era habitual, devido à pandemia, fizeram corridas sem público e sem o ambiente habitual. Além dos cuidados que são obrigados a ter, esta questão da ausência de público também o marcou?
A corrida propriamente dita é igual, a maneira de trabalhar, de ir para a corrida… Claro, temos mais três ou quatro folhas para preencher a dizer que não temos covid, fazer um teste ou outro, um pouco mais de burocracia, viagens mais complicadas, mas temos menos filas em todo o lado. Este ano a entrada em Le Mans foi chocante porque não havia fila e, por norma, temos de ir pelo menos com uma hora de antecedência. Faltou o calor humano de estarmos com os outros pilotos e com aquelas pessoas que já são quase amigos porque vão todos os anos. E principalmente faltou a celebração, porque este ano em 16 provas fiz 12 pódios e faltou olhar para as pessoas, em especial o pódio de Le Mans, que é mítico, e ver aquela gente toda. E depois a vitória, se não for partilhada, não é a mesma coisa. Isso também aconteceu em casa, convidámos a família para um jantarzinho – quando ganhei Daytona, a Joana e um amigo meu fizeram um jantar de 80 pessoas, um jantar gigante, uma verdadeira festa, ainda hoje nos lembramos disso [risos].
Como é que um piloto regressa à vida normal na cidade e anda a conduzir escapando à tentação de acelerar como se estivesse em competição? É difícil?
É natural. No meu caso, os excessos de velocidade acontecem por estar distraído. Muitas vezes vou na autoestrada e, recorrendo ao sistema de alta voz, vou dando entrevistas enquanto conduzo e, por vezes, apanho uma descida e fico em excesso de velocidade. Infelizmente, já fui multado por isso, mas não é consciente, é que os carros estão de tal maneira capacitados para essas velocidades, as estradas são boas e temos tão pouco trânsito que, sem que uma pessoa se aperceba, comete excessos. Mas tenho de me disciplinar a acalmar, principalmente pela minha noção de velocidade, porque mesmo algo um pouco mais rápido para mim continua a ser devagar e tenho de estar sempre a olhar para o conta-quilómetros para me educar a andar dentro dos limites da velocidade. As velocidades a que ando são claramente pornográficas para a vida normal e nem sequer me aproximo disso. Quando ando em corridas constantes, não tenho qualquer problema; a dificuldade é quando estou muito tempo sem correr, começo a encher, a encher, a encher e preciso de aliviar a adrenalina toda e às vezes são até os simuladores que me ajudam um bocadinho [risos]…
[Manter os limites de velocidade na vida normal] Quando ando em corridas constantes, não tenho qualquer problema; a dificuldade é quando estou muito tempo sem correr, começo a encher, a encher, a encher e preciso de aliviar a adrenalina toda e às vezes são até os simuladores que me ajudam um bocadinho…
Casos de campeões que venceram por diversas vezes em diferentes desportos, como Federer ou Nadal no ténis, ou, para usarmos o universo automobilístico, Michael Schumacher e, agora, Lewis Hamilton, servem de exemplo para si no sentido de terem sempre sede de vitória?
Já pensei muitas vezes nisso, mais na altura do Schumacher quando ganhava campeonatos atrás de campeonatos e perguntávamos qual seria a sua motivação. Sem estar a fazer qualquer comparação, também me perguntam agora o que há para ganhar. Claro que há muitas provas para vencer e é fácil que nos concentremos em mais corridas para ganhar, nem que seja para repetir. A base toda disto e para mim o que é engraçado é que hoje sou piloto de automóveis porque comecei por ter isto como hobby e agora faço disto o meu trabalho, conseguindo articular com a minha vida pessoal, inclusive sendo pai de família. Se calhar podia ser um bocadinho mais presente… Quando estou em Portugal fico completamente dedicado às minhas filhas e à minha mulher. Claro, há entrevistas e coisas pelo meio, mas reservo o ‘slot’ de ir levá-las e buscá-las à escola e brincar com elas, tento estar o mais presente possível. E, como faço aquilo de que gosto, dá-me ainda mais prazer quando ganho. São duas coisas que se complementam e a maneira de procurar como posso ser ainda melhor é um estímulo espetacular! Depois há os resultados, mas não faço isto pelos títulos e sim porque gosto. As vitórias, os troféus, o reconhecimento – tudo isso são extras, mas não o faço pela fama.
Como faço aquilo de que gosto, dá-me ainda mais prazer quando ganho. São duas coisas que se complementam e a maneira de procurar como posso ser ainda melhor é um estímulo espetacular! As vitórias, os troféus, o reconhecimento – tudo isso são extras, mas não o faço pela fama.
As vitórias e a visibilidade dos títulos implicam uma componente de que falou, por exemplo, Lewis Hamilton após o recente sétimo título mundial de Fórmula 1 – é aquela componente de que o Filipe passa uma mensagem a meninas e meninos que estão do lado de fora, mostrando-lhes que também podem aspirar a chegar a esse sucesso. Isso existe para si?
Claro que sim, tento dar sempre o meu contributo nesse sentido. Agora ao almoço vou ter uma entrevista para a Faculdade de Economia e Gestão e tento sempre dizer aos mais novos que, podendo eles estar um pouco perdidos perante tanta oferta, do trabalho mais convencional dos últimos cem anos ao mais moderno, como ser YouTuber, por exemplo, é preciso ter a mente bem aberta para nos adaptarmos ao mundo. Eles devem perseguir aquilo de que gostam e, se estiverem sempre a mudar, não vão conseguir concretizar seja o que for.
Como foi consigo?
Eu tive a sorte de encontrar bem cedo, desde os oito anos no kart, aquilo que gostava de fazer na vida. E nunca precisei de gastar energias a pensar noutras coisas, concentrei-me naquele lado. Cresci em paralelo com a escola e o círculo familiar e de amizades, base de qualquer pessoa, mas sempre com foco no que queria ser. E foi de tal forma que, ainda hoje, se me perguntam o que desejaria ser caso não fosse piloto, a resposta é sempre a mesma: ‘Não sei.’ Teria de me reinventar. Como essa energia foi dirigida sempre ao mesmo lado, isso tornou-me muito focado e, se calhar, bom no que faço.
Ainda hoje, se me perguntam o que desejaria ser caso não fosse piloto, a resposta é sempre a mesma: ‘Não sei.’ Teria de me reinventar.
Vê uma perspetiva semelhante à sua nos jovens de hoje?
Parece-me que os jovens hoje mudam muitas vezes de ideias e saltam de um lado para o outro, algo que não é positivo. Nesta perspetiva relacionada com os jovens estou, aliás, ligado a uma associação, a Meritis, cujo objetivo é ajudar os jovens a irem mais longe. Sou sócio fundador e ajudamos de várias formas que vão de donativos a criar parcerias com patrocinadores, ajudando aqueles que hoje são anónimos e serão os campeões do mundo no futuro. Lembro-me bem da dificuldade que era, quando ninguém me conhecia, conseguir um apoio, apesar do potencial para chegar mais longe. Agora colho frutos mas, a seguir a mim e ao António [Félix da Costa] no desporto automóvel aqui, há um grande fosso e estamos a ajudar através da Meritis para encontrar sucessores. E tenciono dedicar-me mais a esse trabalho quando deixar de correr para ajudar cada vez mais miúdos e fazer um pouco mais pelos próximos.
Para os mais novos pode ser uma questão de falarem com as pessoas certas?
Nem mais, ainda há pouco tempo expliquei isso a um jovem, mostrando-lhe o caminho das pedras para o encaminhar nas suas opções. Às vezes, é um bocado isso de falar com as pessoas certas para se ser encaminhado. Eu sinto-me um sortudo por o meu pai me ter apoiado e depois ter encontrado o Pedro e o Nuno Couceiro para me ajudarem a encaminhar.
Tem seguido, por certo, o caminho que Miguel Oliveira vai fazendo no MotoGP. Como analisa o trabalho desenvolvido, mesmo à distância?
Notável e incrível. Não percebo a parte técnica do mundo das motas, mas tento traçar paralelos com o que se passa nas nossas corridas e ao ver o Miguel assinar por uma equipa privada, sendo mais rápido até do que os pilotos da moto oficial, fico triste e sem perceber, pois sei que não terá capacidades para ganhar. E depois fazer o que fez este ano, venceu duas corridas e teve uma ‘pole position’, mostrou que tem pernas para muito mais quanto ao resultado final do Mundial, e deixa-me muito feliz por saber que o trabalho dele tem de ser muito acima da média para ganhar com uma equipa privada e com uma marca que não costuma ganhar. Não me lembro de ver uma KTM a vencer, vejo a Honda, a Yamaha, a Ducati… E o Miguel está a fazer tudo o que não estariam à espera. Está de parabéns, tem pernas para muito mais e está certamente a ser muito cobiçado por equipas de topo.
Voltando a Lewis Hamilton, como é que é visto no universo do automobilismo o feito dele? Durante muito tempo dizia-se que ninguém conseguiria igualar Schumacher e, neste caso, Hamilton ainda teve a carga negativa à sua volta, porque não só não lhe reconheciam mérito como enfrentou várias vezes situações de racismo…
Com o sucesso há inveja, em especial dos mais diretos adversários, uma forma de se defenderem e justificarem a incapacidade face aos outros, mas também um jogo mental para tentar mandá-lo abaixo. Por vezes isso até acontece de forma inconsciente e atinge grandes campeões em todo o lado, basta ver como é com o Cristiano Ronaldo, se ele tivesse outra cor de pele essa questão seria jogada contra ele… O racismo está em todo o lado, nas corridas não será diferente e no desporto pode ser visto também como um esforço para tentar mandar abaixo o sucesso de outra pessoa. Mas o Hamilton superou essas coisas todas e tem de ser um grande campeão e, neste momento, depois de ter vários colegas de equipa e ganhar a todos eles, foi capaz de quebrar aquela ideia de que só ganhou porque tinha um carro melhor. O Carlos Sainz disse há pouco tempo que 90% dos pilotos que estão na Fórmula 1 ao lado de Hamilton perderiam com ele. Hamilton foi categórico, venceu por onde passou, é muito bom, seria fácil levantar o pé e desmotivar-se porque já tem tudo – sucesso, tantos anos de Fórmula 1, dinheiro, fama, vai ser intocável para o resto da vida -, mas quer sempre mais e isso é de louvar.
Hamilton foi categórico, venceu por onde passou, é muito bom, seria fácil levantar o pé e desmotivar-se porque já tem tudo – sucesso, tantos anos de Fórmula 1, dinheiro, fama, vai ser intocável para o resto da vida -, mas quer sempre mais e isso é de louvar.