Fenómeno cada vez mais comum entre migrantes: Como uma menina marroquina de 12 anos chegou sozinha a uma esquadra da polícia em Ceuta

O caso de Miryam, uma jovem de 12 anos oriunda de Chaouen, no Rife marroquino, exemplifica um fenómeno crescente: famílias marroquinas que, sem outras opções, incentivam os seus filhos a emigrar para a Europa, em busca de um futuro que elas próprias não conseguem proporcionar.

No passado sábado, agentes da polícia de Ceuta foram surpreendidos quando uma menina, sozinha, apareceu na esquadra da cidade. Falando em árabe dialectal, a jovem alegou ser de origem argelina e afirmou que tinha nadado sozinha desde Marrocos para chegar à cidade autónoma. No entanto, a história não convenceu os polícias, que suspeitaram desde o início da sua capacidade física para realizar tal travessia. Mesmo assim, seguiram o protocolo e entregaram a menor aos serviços de acolhimento da cidade, que atualmente a tutela.

Nos últimos dias, o mar foi a porta de entrada para 10 menores de idade, todos rapazes, que tentaram chegar a Ceuta a nado. Contudo, é raro ver raparigas a fazer esta perigosa travessia, que envolve nadar por longas distâncias junto aos espigões, muitas vezes em pequenos grupos. A maioria dos jovens chegam à praia exaustos, e muitos outros perdem a vida no percurso.

Miryam, nome fictício para proteger a identidade da menor, foi instalada num apartamento com outras sete raparigas tuteladas. Aos poucos, começou a sentir-se mais confortável e partilhou com as suas colegas que os seus pais tinham pago para que ela conseguisse entrar em Ceuta. Além disso, revelou que já tinha um primo a viver num centro de acolhimento da cidade. O seu sotaque, ao contrário do que alegou inicialmente, não era argelino, mas marroquino, e acabaria por confessar ser de Chaouen, uma localidade a cerca de 140 quilómetros de Ceuta.

Um percurso perigoso

Apesar de Miryam ter sido instruída a mentir sobre o seu percurso para proteger os traficantes que a ajudaram, as autoridades acreditam ter uma ideia clara de como chegou a Ceuta. É provável que tenha sido levada por pessoas de confiança, provavelmente os seus pais, até Castillejos, uma cidade marroquina a apenas três quilómetros de Ceuta. De lá, foi provavelmente escondida num veículo com um fundo falso, uma técnica engenhosa utilizada para transportar clandestinos através da fronteira.

“Nos mecânicos marroquinos, fazem autênticas maravilhas a adaptar carros para esconder passageiros clandestinos”, revelou uma fonte policial espanhola, citada pelo El Confidencial. Uma vez dentro da cidade, o condutor terá deixado a jovem num local discreto e indicado o caminho para a esquadra de polícia. De acordo com estimativas das autoridades, a família de Miryam terá pago cerca de 5.000 euros para que ela conseguisse fazer esta travessia, uma quantia considerável para uma família modesta do Rif.

A exceção feminina

É raro que uma rapariga consiga entrar em Ceuta sem ser acompanhada. Dos 515 menores tutelados na cidade, apenas oito são raparigas, representando apenas 1,55% do total. Este desequilíbrio deve-se, em parte, ao facto de que a maioria dos jovens que tentam a sorte são rapazes, frequentemente incentivados pelas suas famílias para emigrar. No caso de Miryam, a decisão de enviá-la para Ceuta pode ter sido influenciada pelo facto de já ter outros familiares que fizeram o mesmo caminho, como os seus primos, alguns dos quais já regressaram a Marrocos.

Embora a delegada do Governo em Ceuta, Cristina Pérez, tenha alertado para o facto de a cidade ser uma “porta de entrada para o tráfico de menores”, as autoridades locais não acreditam que Miryam tenha sido vítima de uma rede de tráfico. O seu caso parece mais um exemplo de uma aposta familiar para garantir um futuro melhor no estrangeiro. Em algumas situações, são os próprios adolescentes que decidem emigrar, mas, em outros casos, como o de Miryam, a família junta dinheiro para financiar a viagem.

A difícil realidade das repatriações

O percurso de Miryam contraria a visão de muitos políticos que defendem que os menores devem ser repatriados para as suas famílias de origem. De facto, a maioria dos adolescentes que chegam a Ceuta não deseja regressar a casa, e o governo marroquino também não colabora na sua repatriação. As remessas enviadas pelos emigrantes são uma parte significativa da economia marroquina, o que representa cerca de 8,5% do PIB do país, o que reduz o interesse das autoridades em recuperar esses jovens.

A cidade de Ceuta, que tem capacidade para acolher até 130 menores, atualmente abriga 442 em centros de acolhimento, enquanto 73 outros fugiram e estão desaparecidos. Estes jovens, na maioria das vezes, perambulam pelo porto, esperando uma oportunidade para embarcar clandestinamente rumo à Península Ibérica ou, em alguns casos, já chegaram ao continente europeu.

O impacto financeiro e social

A pressão sobre Ceuta devido à chegada massiva de imigrantes, tanto menores como adultos, tem vindo a crescer. Desde o início do ano, 820 menores chegaram à cidade, quase todos através do mar. No total, 2.162 imigrantes foram registados até meados de outubro, o que significa um aumento de 149% em relação ao ano anterior. Este crescimento acentuado coloca em risco a estabilidade financeira da cidade.

Alberto Gaitán, conselheiro de Presidência, afirma que Ceuta vai gastar cerca de 10 milhões de euros este ano apenas com os menores, colocando a execução do orçamento atual e o planeamento de 2025 em risco se o governo central não fornecer apoio financeiro imediato. Este será um dos principais temas que o presidente da cidade, Juan Jesús Vivas, discutirá com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, numa reunião agendada para 22 de novembro.

Apesar dos esforços para manter uma boa relação com Marrocos, a imigração irregular para Ceuta continua a ser um problema crescente, que desafia tanto a capacidade de acolhimento como os recursos financeiros da cidade.

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