“Fascina-me a capacidade da instituição criar impacto económico e social nos países onde atua”
Miguel Coelho é director executivo suplente no Conselho de Administração do Grupo Banco Mundial, representando Itália, Portugal, Albânia, Grécia, Malta, São Marino e Timor-Leste. Anteriormente foi Economista-Chefe no Gabinete do Ministro das Finanças Português entre 2017 e 2020; Fellow e Senior Economist no Institute for Government (2012-2016); Head of Secretariat da London School of Economics Growth Commission (2011-2016); Senior Economist na Policy and Implementation Unit de 10 Downing Street (2011); Strategy Advisor do UK Department for Education (2009-2011); Senior Policy Advisor na UK Prime Minsiter Strategy Unit (2008-2009); Research Fellow no Institute for Public Policy Research (2006-2008); e Policy Consultant no UK HM Treasury (2006). Miguel Castro Coelho é doutorado em Políticas Públicas e mestre em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade de Birmingham (UK); e licenciado em Economia pela Universidade do Porto.
O que diz MIGUEL…
Qual é o seu cargo no World Bank e, em detalhe, quais as suas principais funções?
Sou membro do Conselho de Administração do GBM, representando Portugal enquanto accionista do Grupo (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento; Associação de Desenvolvimento Internacional; Sociedade Financeira Internacional; e Agência Multilateral de Garantias para Investimentos). Portugal participa no Conselho de Administração através de um grupo de voto, juntamente com a Itália, Grécia, São Marino, Malta, Albania e Timor-Leste.
As minhas responsabilidades dividem-se em dois campos de actuação. Por um lado, a representação dos interesses e posições de Portugal enquanto accionista, designadamente aqueles que se prendem com política de cooperação externa e
promoção da participação do sector empresarial português nas oportunidades de negócio geradas pelos projectos do Banco e em investimentos em Economias Emergentes e em Desenvolvimento. Por outro lado, responsabilidades de carácter fiduciário, associadas à aprovação de projectos de investimento, e definição da estratégia corporativa do GBM, no que toca à missão do Grupo, e aos modelos financeiros e operacionais que suportam aquela missão. Na prática, abrange temas que vão desde a estratégia de gestão de recursos humanos, aprovação de orçamento, auditoria de contas e gestão de risco financeiro, até à avaliação do impacto das actividades do Grupo sobre o processo do desenvolvimento económico dos seus clientes.
O que mais o fascina na instituição onde trabalha?
Fascina-me a capacidade da instituição criar impacto económico e social nos países onde actua. Melhorar a vida de pessoas de forma consequente, pragmática e sustentada, com atenção especial por aqueles que vivem em pobreza extrema. O Grupo Banco Mundial, tem um balanço próximo dos $700 mil milhões. Anualmente, investe cerca de $130 mil milhões em entidades soberanas e empresas de economias emergentes e em desenvolvimento, desde o Burundi (Rendimento Bruto Nacional per capita de cerca de $240) até à Croácia (Rendimento Bruto Nacional per capita de cerca de $19600).
Fascina-me a gama alargada de temas de economia e polítias públicas sobre os quais o GBM se debruça. A diversidade de culturas, backgrounds profissionais e competências que caracteriza as cerca de 18 000 pessoas que estão ao serviço da instituição. A pegada global da instituição, com uma boa parte do staff disperso por escritórios regionais e locais. Fascina-me visitar países que são clientes do Banco e regressar melhor equipado para relativizar/contextualizar as dificuldades que enfrentamos no mundo desenvolvido. Ajudam a perceber quão difícil, frágil e precisoso é ter instituições políticas e económicas funcionais, promotoras de prosperidade colectiva.
Antes de chegar ao World Bank trabalhou em Portugal e no Reino Unido. O que mais o marcou neste trajecto?
O meu percurso profissional estende-se por oito entidades e funções distintas, entre os Governos Britânico e Português, think tanks, academia e mais recentemente no GBM. Desse trajecto, marcou-me a maneira como aquelas experiências se foram encadeando, de forma orgânica, sem preponderância do planeamento de carreira. Marcou-me a forma como cada uma dessas etapas me conferiu experência que foi sempre alavancada com proveito nas experiências seguintes. Marcou-me o contraste entre o mundo da academia, das ideias, das referências normativas puras, e o mundo dos constrangimentos políticos e operacionais que definem a actuação dos Governos. Marcou-me também a profundidade das diferenças culturais e organizacionais que fui encontrando, sobretudo entre os 14 anos de estudo e trabalho no Reino Unido e a passagem recente por Portugal.
Como é o seu dia-a-dia de trabalho nos EUA?
A minha agenda varia substancialmente de dia para dia, consoante os compromissos do Conselho de Administração e os temas a tratar com interlocutores em Portugal. Uma boa parte de um dia de trabalho típico é dedicada à leitura de projectos de investimento e estudo de outros temas que estão para aprovação do Conselho de Administração ou a discussão nos diferentes comités que lhe dão apoio. Outra parte do meu tempo é dedicado à coordenação com a equipa que trabalha comigo e com o director executivo italiano no planeamento e preparação do posicionamento do nosso grupo de voto nos trabalhos do Conselho de Administração. Alguns dias são preenchidos com trabalho conjunto com colegas do Governo português que acompanham de forma mais próxima a agenda do Banco, bem como com entidades do sector empresarial nacional. Procuro também reservar diariamente algum tempo para acompanhar as notícias dos mercados financeiros, da geopolítica internacional, e da evolução da economia Portuguesa.
Quais as principais diferenças ao nível da metodologia de trabalho que encontrou ao mudar-se para os EUA?
A metodologia de trabalho numa instituição multilateral com 189 membros, como é o caso do GBM, é muito diferente de qualquer uma das minhas experiências anteriores. O meu trabalho envolve várias linhas de coordenação e reporte, específicas deste tipo de funções. Inclui-se aqui coordenação com os outros países que prefazem o nosso grupo de voto, com os parceiros Europeus e, claro, com múltiplas entidades no Governo português. As decisões do Conselho de Administração do Banco são, por regra, tomadas por consenso, o que frequentemente implica trabalho em estreita articulação e negociação com outros membros do Conselho de Administração, organizados em 24 grupos de votos.
Na sua opinião, quais os principais desafios económicos que o mundo enfrenta?
Uma parte significativa dos objectivos de desenvolvimento sustentável está numa trajectória incompatível com as metas definidas pelas Nações Unidas para 2030. Cerca de 85% da população mundial vive em economias emergentes em desenvolvimento. A pandemia COVID interrompeu uma trajectória de várias décadas de diminuição da pobreza extrema e da desigualdade na distribuição global de rendimentos. Os efeitos indirectos da crise COVID – disrupção nas cadeias de abastecimento, inflação, e condições financeiras mais restritivas – prolongaram e agravaram a magnitude da crise. A invasão Russa da Ucrânia veio complicar ainda mais esta conjuntura, por via da crise energética que despoletou (e, através dela, na aceleração da inflação), bem como pelo agravamento de problemas de insegurança alimentar.
Para além destes problemas conjunturais, há um conjunto de problemas estruturais que se têm vindo a acumular. A acumulação de dívida pública, sobretudo nos países de menor rendimento, precede a crise COVID e agravou-se substancialmente desde então. O aumento de episódios de clima extremo, com maior incidência e impacto precisamente em economias mais frágeis, dependentes de actividades agrícolas, sem infra-estruturas resilientes nem sistemas de emergência capazes de dar resposta atempada e eficaz. O aumento ao longo das últimas três décadas do número de episódios de conflito e violência (veja-se os exemplos recentes no Sahel), com custos brutais sob a forma de vidas humanas sacrificadas e paralisia ou retrocesso no processo de desenvolvimento económico. O retrocesso das democracias liberais e concomitante expansão do domínio de influência de modelos políticos autocráticos. Destacaria ainda a evolução recente para um paradigma económico global de maior fragmentação, menor integração comercial e maior preponderância de políticas industriais e proteccionistas.
Numa cidade como Washington como ocupa o tempo livre?
Dedico a maior parte do meu tempo livre à família e aos amigos. Gosto de visitar os parques, jardins e museus da cidade. Corro e jogo ténis. Dedico o tempo que resta ao piano, à guitarra, a ouvir música e ao cinema.
Como é que “mata saudades” do nosso País?
Com visitas regulares, tipicamente no verão e no Natal. As viagens de trabalho, por vezes, também me levam a Portugal. As saudades que sinto são mais de pessoas do que de sítios/países.