Faltas justificadas, serviços mínimos e salários. Em dia de greve, saiba os seus direitos e deveres
O direito à greve é garantido pela Constituição da República portuguesa. Mas há que obedecer a certas regras e cumprir algumas formalidades, alerta a DECO. Conheça os seus direitos e deveres no âmbito de uma paralisação.
Pré-aviso e serviços mínimos
A greve tem de ser convocada por um sindicato para ser considerada legal, avisa a Defesa do Consumidor. Excecionalmente, em empresas em que a maior parte dos funcionários não esteja sindicalizada, a realização da greve poderá ser decidida por uma assembleia que tenha sido convocada expressamente com essa intenção por um mínimo de 20% dos trabalhadores ou, numa empresa de grandes dimensões, 200. “Têm de participar na assembleia mais de metade dos trabalhadores, e a greve tem de ser aprovada, por voto secreto, pela maioria dos votantes”, explica a DECO.
De seguida, a greve tem de ser comunicada ao empregador (ou à associação de empregadores do setor) e ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, seja diretamente por escrito ou através dos meios de comunicação social. O aviso deve ser feito com uma antecedência mínima de cinco dias úteis e incluir uma proposta para os serviços necessários à segurança e manutenção dos equipamentos e das instalações.
No caso das empresas que satisfazem necessidades sociais de grande importância, como o abastecimento de água, as telecomunicações ou os serviços de saúde, o aviso tem de ser feito com maior antecedência (dez dias úteis) e precisa de conter também uma proposta de serviços mínimos.
É proibido impedir os colegas de trabalhar
Os trabalhadores em greve são representados por um sindicato. Quando a greve é convocada pela assembleia de trabalhadores, tal é feito por uma comissão escolhida por estes, esclarece a DECO.
Os representantes podem organizar piquetes que tentem convencer os trabalhadores a aderir à greve, mas não podem, por exemplo, impedi-los de aceder aos seus locais de trabalho.
O empregador tem o direito de organizar os serviços de modo a atenuar os efeitos da greve.
A entidade empregadora já não pode, por exemplo, substituir os trabalhadores em greve por pessoas que não trabalhem na empresa no momento em que recebeu o pré-aviso. Na verdade, nem sequer pode admitir trabalhadores entre essa data e o dia em que termina a greve. Não pode, também, contratar uma empresa para realizar as tarefas que deveriam ser desempenhadas pelos grevistas, a não ser que sejam serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações ou à satisfação das necessidades sociais mais importantes.
A paralisação deve decorrer no respeito pela liberdade dos trabalhadores de aderirem ou não à greve. É proibida qualquer forma de coação, dano ou discriminação por parte de todos os intervenientes no processo, sejam os sindicatos, as comissões, outros trabalhadores ou a entidade patronal, explica a DECO.
Faltas são justificadas mas dias não são pagos
Durante uma greve, os trabalhadores ficam dispensados de comparecerem ao trabalho e de obedecerem às instruções do empregador, mantendo-se a maioria dos seus direitos e obrigações.
Assim, desde que a greve obedeça a todas as formalidades necessárias, as faltas têm de ser consideradas justificadas.
Além disso, apesar da ausência, esses dias contam para efeitos de antiguidade na empresa. Se o trabalhador estiver a receber uma prestação da Segurança Social ou devido a acidente de trabalho ou a doença profissional, o pagamento mantém-se.
No entanto, perde o direito à retribuição, ou seja, não recebe o salário referente ao período em que faltou. Essa é, aliás, apontada como a maior desvantagem por quem faz greve.
Serviços mínimos setores essenciais
Em algumas atividades, pela sua importância, pode ser imposta a realização de serviços mínimos durante uma greve, para que não se corra o risco de pararem integralmente.
São considerados setores de grande importância social:
- correios e telecomunicações;
- serviços de saúde e de fornecimento de medicamentos;
- salubridade pública, incluindo funerais;
- energia e minas;
- abastecimento de água;
- bombeiros;
- certos serviços de atendimento ao público do Estado (por exemplo, assistência domiciliária pessoas doentes);
- transportes de pessoas e bens;
- transporte e segurança de dinheiro.
A fixação dos serviços mínimos, explica a DECO, obedece a critérios subjetivos, que, não raras vezes, têm originado desentendimentos entre os envolvidos. Preferencialmente, estes serviços devem estar definidos num instrumento de regulamentação coletiva (como o contrato coletivo) ou resultar de acordo entre os empregadores e os representantes dos trabalhadores.
Quando tal não é possível, o Ministério do Trabalho, em conjunto com o ministério que tutela o ramo de atividade em questão (por exemplo, Saúde, em caso de greve de enfermeiros, médicos e outros profissionais de saúde), deve tentar um acordo. Se tal não acontecer até três dias depois do aviso prévio, os serviços mínimos são definidos por um despacho dos dois ministérios.
Cabe aos representantes dos trabalhadores designar quem presta os serviços mínimos. Caso não o façam, a empresa pode fazê-lo. Esses trabalhadores têm direito a receber salário. Em circunstâncias raras e particularmente graves, o Governo pode recorrer a requisição civil, convocando trabalhadores para determinadas funções, sendo que a recusa pode ter consequências disciplinares e penais.
Faltas ao trabalho por greve dos transportes ou escolas
Reunir comprovativos de que faltou ao trabalho por motivo de greve pode ajudar a justificar a ausência, mas não obriga os empregadores a pagar o salário, esclarece a DECO. Saiba como chegar a acordo com o patrão:
Greve nos comboios ou no metro
Para justificar a falta ou um atraso devido a greve de transportes (comboio, metro, autocarro ou barco, por exemplo), peça ao operador uma declaração que confirme a existência de supressões ou atrasos. As faltas, mesmo que justificadas, implicam perda de retribuição, a não ser que a entidade patronal entenda pagar o correspondente ao dia de trabalho. Utilizar um dia de férias ou recorrer ao teletrabalho poderão ser alternativas, bem como compensar as horas daquele dia noutras datas. Mas nenhuma delas é viável em todas as empresas.
Sem aulas devido à greve
Normalmente, a confirmação só chega no próprio dia de manhã, e os pais ficam com pouca margem de manobra. Aos olhos da lei, as únicas faltas relacionadas com os filhos obrigatoriamente consideradas como justificadas são as que se prendem com assistência inadiável e imprescindível em caso de doença ou acidente. Nestes casos, a justificação da falta dependerá da boa vontade da entidade patronal. Perante esta situação, peça na escola um documento que comprove que, naquele dia, o seu filho não teve aulas e que não poderia permanecer no estabelecimento. A entidade patronal poderá ainda exigir ao trabalhador que prove que não tinha onde deixar a criança naquele período, por exemplo, por não ter nenhum outro familiar disponível. Também neste caso o teletrabalho, desde que compatível com as funções do trabalhador, pode ser uma solução.
Consulta adiada e processos em tribunais
Nos serviços de saúde, as greves têm de ser anunciadas com uma antecedência mínima de dez dias úteis. Seria desejável que os estabelecimentos de saúde avisassem o doente quando soubessem de antemão que determinado cuidado (consulta, exame ou cirurgia) não será prestado, evitando o desperdício de dinheiro e de tempo com uma deslocação em vão. Mas a vida real confirma que esse procedimento não é a regra.
O mesmo acontece nos tribunais ou em repartições públicas, onde algumas diligências acabam por não ser realizadas por motivos de paralisação dos funcionários e os cidadãos convocados não recebem atempadamente essa indicação.
Assim que tenha conhecimento da paralisação, contacte o estabelecimento onde teria de ir em dia de greve, para tentar saber se será afetado.
No caso da saúde, há sempre serviços mínimos que têm de ser respeitados, como as situações de urgência. Se tal não acontecer e daí resultarem consequências graves para os doentes, é possível responsabilizar os profissionais e/ou o estabelecimento. Isto em teoria, pois, na realidade, será complicado conseguir que um profissional seja responsabilizado por não ter cumprido os serviços mínimos em tempo de greve. Será necessário provar que houve uma falha e que resultou do incumprimento do profissional de saúde.
Tratando-se de um caso que envolva uma greve no setor da justiça, que atrase de forma flagrante o andamento de um processo, poderá apresentar queixa nos tribunais europeus pela demora do Estado português em resolver judicialmente o caso.
Sem combustível por causa da greve
No passado, as greves que afetaram os postos de abastecimento deixaram alguns portugueses sem combustível para deslocações. Quando os transportes públicos não são solução, do ponto de vista legal, estaria a empresa obrigada a aceitar a falta como justificada? Não. Um empregador menos sensível aos argumentos poderia exigir provas de que o automóvel tinha ficado sem combustível, de que o trabalhador tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para evitar tal situação e de que não poderia chegar ao local de trabalho por outros meios. Um trabalhador com um relacionamento menos amigável com a empresa ou que suscitasse algum tipo de desconfiança poderia ficar numa posição desconfortável e até desprotegida. Esta é mais uma situação em que o teletrabalho, sendo possível, não é uma solução de desprezar.
Se possível, avise com antecedência
Em todas estas situações que não estão expressamente previstas na lei, será fundamental chegar a um bom entendimento com a entidade patronal. E, sempre que souber antecipadamente de uma greve que possa atrasar ou impedir de comparecer no local de trabalho, avise a empresa, para esta não ser surpreendida. Se, por exemplo, a greve abranger a escola dos seus filhos, procure informar a empresa onde trabalha ou as chefias de que há a possibilidade de vir a ter de ficar com o seu filho num determinado dia, podendo negociar desde logo uma forma de conciliar assistência e trabalho ou de compensar a sua ausência.