Falta de educadores de infância: Profissionais trocam o setor privado pelo público devido a diferenças nos salários

O número de educadores de infância que optam por trocar o setor privado e solidário pelo público tem vindo a aumentar, com a principal razão a ser as diferenças salariais significativas. Segundo os representantes da classe, o que antes era um mercado saturado, com muitos profissionais à procura de emprego e pouca oferta, mudou drasticamente. Agora, os jardins de infância privados têm dificuldade em manter os seus educadores, que veem melhores condições na rede pública.

“A falta de educadores sente-se mais no privado, que tem dificuldade em oferecer contratos de trabalho com uma remuneração próxima à do público”, afirma Luís Alberto Ribeiro, presidente da Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI), em entrevista ao Jornal de Notícias. De facto, os salários no setor público podem ser até 350 euros mais elevados do que no privado, o que tem sido um fator decisivo para muitos profissionais.

Liberdade curricular e atração do público

Cremilde Canoa, coordenadora nacional da educação pré-escolar pública da Fenprof, acrescenta que a migração dos educadores para o público não é um fenómeno novo, mas recentemente tornou-se mais evidente. Além da questão salarial, há outros fatores que pesam na decisão. “A liberdade que os educadores têm para desenvolver o trabalho curricular é outro aspeto que torna a rede pública mais atrativa”, explica Canoa.

As regiões onde esta carência de profissionais no setor privado se faz sentir de forma mais aguda são a Grande Lisboa e o Algarve, onde as dificuldades em contratar educadores são particularmente notórias.

Concursos públicos e dificuldades no setor privado

Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), confirma a tendência de saída de educadores para o setor público. “Muitos recorrem aos concursos públicos porque o setor privado não consegue competir com as tabelas salariais mais elevadas do público”, admite Batista. Esta situação coloca os jardins de infância privados numa posição difícil, tentando equilibrar a sustentabilidade financeira dos seus estabelecimentos com a retenção de profissionais qualificados.

A cidade do Porto é uma das que enfrenta maiores dificuldades em encontrar educadores de infância, e até mesmo auxiliares de educação, para preencher as vagas. “A escassez de profissionais é generalizada em todos os níveis de ensino, desde as creches até ao secundário, tanto no setor público quanto no privado”, alerta Batista.

Dados e desafios no pré-escolar

De acordo com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), no ano letivo de 2022/2023, estavam em funções 17.346 educadores de infância, sendo que 59% trabalhavam em jardins de infância públicos, 22% em privados com apoio estatal, e 18% no setor privado. Este panorama mostra uma predominância da rede pública, que continua a ser o destino preferido para muitos educadores, em parte devido às melhores condições laborais.

Incertezas sobre a gratuitidade no pré-escolar

Um dos desafios atuais para os jardins de infância privados é a ausência de clarificação por parte do Governo sobre as regras para a gratuitidade no pré-escolar. Susana Batista revela que esta indefinição tem criado “muita incerteza” entre as famílias, especialmente aquelas que não conseguiram vagas no setor público ou solidário, e que anteriormente beneficiavam do programa Creche Feliz. “O ano letivo no privado arrancou a 2 de setembro, mas, sem subsídios, muitos pais estão a pagar do seu próprio bolso ou a manter os filhos em casa”, explica Batista. A ACPEEP já enviou uma proposta ao Ministério da Educação, aceitando o valor de apoio que está a ser negociado com o setor solidário, para acelerar a implementação da gratuitidade no pré-escolar.

Crescimento lento de profissionais e envelhecimento da classe

O número de educadores de infância tem aumentado de forma lenta desde 2019, com a maior taxa de crescimento anual a registar-se em 2021, com 2,7%. A marca dos 17 mil educadores foi ultrapassada no ano letivo de 2020/2021, mas a profissão continua a ser dominada por mulheres e está a envelhecer rapidamente. Mais de metade dos educadores tem 50 anos ou mais, resultado da alteração na idade da reforma. “Muitos dos que se formaram no início dos anos 80, altura em que a rede pública de pré-escolar se expandiu, ainda estão no ativo”, explica Luís Alberto Ribeiro, da APEI. Ele alerta que mais de 90% dos educadores atuais se irão reformar na próxima década, o que pode agravar a falta de profissionais.

Diferença salarial e escassez de vagas

A remuneração também é um fator crucial. Um educador de infância em início de carreira na rede pública ganha cerca de 1600 euros por mês, enquanto no setor privado os salários são, em média, 350 euros mais baixos. Esta diferença tem motivado muitos educadores a procurar oportunidades no público.

Para além das questões salariais, há um problema sério de vagas no pré-escolar. De acordo com dados de junho fornecidos pelo Governo, mais de 20 mil crianças estavam em lista de espera por uma vaga no pré-escolar, sendo mais de oito mil crianças com três anos. Faltam ainda cerca de 19.600 lugares para garantir a universalização do acesso ao pré-escolar para crianças desta faixa etária, um objetivo que o Governo ainda não conseguiu cumprir.

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