“Fala-se muito sobre anúncios, mas pouco sobre resultados”: UTAO alerta que não foi calculado impacto final de redução de IRS e aumentos em 2023

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia da República divulgou esta quinta-feira um relatório crítico sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2023, destacando a ausência de dados financeiros definitivos para várias das medidas orçamentais mais significativas anunciadas pelo anterior Governo. O documento critica a falta de transparência e o que descreve como um “longo registo esquizofrénico nacional entre o que se promete e o que se entrega”.

O relatório da UTAO revela que, das 35 medidas de política económica identificadas como prioritárias para o ano de 2023, treze ainda não tiveram o impacto financeiro final calculado e reportado. A maioria destas medidas, que incluem reformas importantes como a atualização dos escalões do IRS e aumentos salariais na função pública, foram incluídas na Conta Geral do Estado apenas com as estimativas iniciais feitas antes da sua implementação.

A UTAO criticou o facto de o Governo ter incluído apenas as previsões iniciais das medidas, sem apresentar os cálculos reais do impacto orçamental. “O conhecimento desagregado do impacto orçamental só existe para 22 das 35 medidas reportadas na CGE/2023. Sem este reporte, a análise do impacto verdadeiro e completo e dos desvios face ao previsto é parcial,” afirmou a UTAO no relatório.

O impacto orçamental inicial das 35 medidas analisadas foi estimado em 7300 milhões de euros, equivalente a 2,8% do PIB. Contudo, a CGE apresenta dados apenas sobre medidas com um impacto negativo de 5300 milhões de euros, representando 72,6% do total previsto. Entre as medidas para as quais não há dados completos estão a reforma do IRS e aumentos salariais na função pública, com um impacto estimado superior a 780 milhões de euros e 1800 milhões de euros, respetivamente.

A UTAO revelou ainda que, no mês de julho, foram solicitados dados adicionais ao Ministério das Finanças, sem obter qualquer resposta até à data da publicação do relatório. O documento alerta para uma “lacuna significativa” na prestação de contas e defende que “conhecer e tomar consciência do ponto de partida é o primeiro passo para um processo racional de construção do futuro”.

Das 22 medidas para as quais foram apresentados cálculos do impacto da execução, a UTAO constatou que o desvio em relação às previsões iniciais foi positivo, totalizando 335 milhões de euros, o que corresponde a pouco mais de 0,1% do PIB. No entanto, o relatório destaca que este número resulta de um saldo de desvios de sentido oposto: duas medidas apresentaram desvios superiores a 100%, enquanto seis tiveram desvios entre 50% e 100%. Apenas três medidas registaram desvios inferiores a 10%.

As medidas com desvios superiores a 100% incluem a gratuitidade das creches, cuja execução teve um impacto orçamental significativamente maior do que o previsto inicialmente.

O relatório da UTAO também faz um alerta para o futuro, considerando que as condições orçamentais favoráveis observadas em 2023, que resultaram num excedente de 1,2% do PIB e numa redução significativa do rácio da dívida pública, são improváveis de se repetir a médio prazo. “A evolução do saldo orçamental em 2023 excedeu largamente o previsto e refletiu um contexto orçamental particularmente benigno que tenderá a dissipar-se,” adverte a UTAO. O relatório sublinha que a partir de agora, será necessário um cuidado redobrado no desenho e impacto de novas medidas de política para manter as finanças públicas próximas do equilíbrio.

A UTAO conclui que a melhoria da qualidade na prestação de contas é essencial para a eficácia e transparência das políticas orçamentais, apelando a um debate mais profundo sobre os resultados reais das políticas implementadas.

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