Explicador: Porque temos uma crise de habitação em Portugal?

A acessibilidade à habitação depende de vários fatores que influenciam a evolução do equilíbrio nos mercados de arrendamento e aquisição. A evolução recente dos preços das casas em Portugal resulta particularmente do efeito da pressão da procura por habitação e de uma relativamente fraca dinâmica de oferta de casas.

De acordo com um policy paper publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que procura responder a um conjunto de tópicos fundamentais e que estão, atualmente, no centro da atualidade do setor imobiliário português, a oferta está associada à evolução do stock habitacional, que é influenciada pela dinâmica de reabilitação do parque habitacional existente, da construção de novo edificado, bem como de uma eficiente disponibilização nesses dois mercados.

Os custos de construção, materiais e de mão de obra, o enquadramento regulatório do arrendamento e construção, a evolução da rendibilidade e segurança de investimentos, bem como o sistema tributário associado também contribuem para esta dinâmica de mercado.

“O elevado custo de comprar ou arrendar uma casa em Portugal resulta da combinação de vários fatores. Portugal é um país com um clima agradável durante todo o ano, seguro e muito atrativo, tanto para turistas e residentes como para estrangeiros que pretendem investir em Portugal. Isso significa que há muita procura por imóveis para comprar ou arrendar. No entanto, a oferta de casas em algumas cidades é limitada, especialmente em grandes cidades como Lisboa e o Porto, o que leva a um aumento nos preços”, explica o idealista em declarações à Executive Digest.

O Marketplace imobiliário português acrescenta ainda que, apesar do custo elevado, Portugal continua a ser um país bastante atrativo para investir, com muitos benefícios e oportunidades.

 

Os entraves

Para a FFMS, a burocracia e morosidade no licenciamento, o quadro legal, os impostos e o financiamento bancário condicionam o mercado de habitação.

A Fundação enumera vários problemas que condicionam a dinâmica da oferta de casas e a sua elasticidade:

  • Morosidade dos processos e excesso de burocracia: O tempo necessário para obter as devidas licenças e aprovações para construção é bastante elevado, o que cria um cenário adverso para investimentos. Essa demora na obtenção de licenças pode desencorajar investidores e, encarecer e dificultar o desenvolvimento de projetos imobiliários.
  • Pouca estabilidade na regulação: O quadro legal passa por frequentes alterações ao longo do tempo e pode ser pouco claro para investidores. A falta de confiança resultante dessa instabilidade afasta potenciais investidores, especialmente seguradoras e fundos de pensões que necessitam de previsibilidade para garantir o retorno de seus investimentos a longo prazo.
  • Sistema tributário: Portugal enfrenta um nível elevado de taxação no setor imobiliário. Por exemplo, a taxa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) na construção nova é de 23%, o que pode aumentar significativamente os custos para os promotores. Além disso, a existência do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e sobre transações (IMT) também impactam o setor imobiliário, contribuindo para uma carga tributária pesada.
  • Dificuldade de acesso ao financiamento bancário: As taxas de juros elevadas, principalmente na conjuntura atual, após um largo período com valores muito baixos, tornam o financiamento mais oneroso. Além disso, é comum que seja exigido um valor de capitais próprios mais substancial, o que pode ser uma barreira para muitos potenciais investidores.
  • Imprevisibilidade nos processos de licenciamento: Dada a multiplicidade de normas, e diversidade de interpretações de implementação, os processos acabam por ter desenvolvimentos temporais e dificuldades que são largamente imprevisíveis à partida e muitas vezes dependentes dos atores concretos, introduzindo uma fricção de informação relevante.

 

Para além destes, o idealista sublinha que as medidas políticas punitivas ou coercitivas podem ter efeitos contrários aos desejados, como a retirada do produto do mercado e o aumento dos preços

“Por isso, é importante que as políticas públicas tenham em conta a oferta e a procura do mercado imobiliário e trabalhem para criar condições que incentivem a entrada de novos produtos no mercado, como a construção de nova habitação, o incentivo à reabilitação urbana e a facilitação de processos de licenciamento. Além disso, é importante garantir a estabilidade do mercado imobiliário, evitando flutuações excessivas de preços que possam prejudicar tanto os proprietários quanto os inquilinos”, explicam.

Fonte oficial do idealista sublinha ainda que medidas como o controlo de preços podem parecer atraentes a curto prazo, mas podem levar à redução da oferta de habitação disponível para arrendamento, uma vez que os proprietários podem optar por retirar os seus imóveis do mercado.

“É necessário um equilíbrio entre a proteção dos direitos dos proprietários e a facilitação do acesso à habitação para todos os cidadãos. Isso pode ser alcançado através de políticas públicas que incentivem a entrada de novos produtos no mercado e garantam a estabilidade dos preços, sem prejudicar a oferta de habitação disponível para arrendamento, acrescentam.

 

Peso dos estrangeiros

De acordo com os dados da FFMS o caso dos estrangeiros que escolhem Portugal, tanto para viver como para investir, observou-se nos últimos anos um crescimento significativo do investimento em imobiliário, que em 2022 representava 13% do PIB face a 4% em 2008.

A análise mostra que uma grande parte deste investimento provém de cidadãos com cidadania europeia, sendo o remanescente executado por cidadãos extracomunitários.

O estudo mostra, no entanto que os cidadãos estrangeiros com vistos gold são um universo limitado, tendo sido atribuídos, entre 2012 e 2022, cerca de 10.600 vistos, num investimento global de cerca de 6 mil milhões de euros, e que em 2022 representou 0,2% do PIB.

Já no que concerne ao visto vulgarmente atribuído aos nómadas digitais atraiu 26.525 cidadãos entre 2018 e abril de 2023.

Por outro lado, sublinham as medidas de natureza fiscal como atrativo para os não residentes, como o programa de residentes não habituais, que atribuem a estes cidadãos vantagens na forma como os seus rendimentos são tributados”, sublinha a FFMS, destacando os dados da AT, que revelam que este programa beneficiou 51.903 cidadãos entre 2009 e 2020, representando uma despesa fiscal em 2021 de 1.210 milhões de euros (cerca de 0,56% do PIB).

“Em termos gerais, a pressão dos estrangeiros nos preços da habitação existe é maior nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas o impacto desta procura no valor mediano das habitações parece ser globalmente limitado”, considera a FFMS.

 

 

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