Explicador: Porquê agora uma moção de censura ao Governo francês? E o que acontece caso seja chumbada?

O governo de França, liderado pelo primeiro-ministro Michel Barnier, enfrenta uma moção de censura crucial esta quarta-feira. Caso perca, o Executivo poderá colapsar, abrindo espaço para uma crise política significativa. A moção surge após a decisão de Barnier de avançar com o orçamento da segurança social sem votação parlamentar, usando o controverso artigo 49.3 da Constituição francesa. Aqui está o essencial sobre a situação.

O que é o Artigo 49.3 e porque está a ser usado?

O artigo 49.3 da Constituição francesa permite ao governo aprovar legislação sem aprovação parlamentar. Em contrapartida, os deputados têm a possibilidade de apresentar uma moção de censura no prazo de 24 horas, que deve ser votada em até 48 horas.

Se a moção for bem-sucedida, a legislação é rejeitada e o governo é considerado colapsado. Tanto a Frente Popular Nova (NFP), de orientação à esquerda, como o partido de extrema-direita Reagrupamento Nacional (RN), liderado por Marine Le Pen, já anunciaram a intenção de submeter moções de censura.

Barnier recorreu ao artigo 49.3 para avançar com o orçamento da segurança social, um ponto central no plano do governo para reduzir o défice público, que em 2023 atingiu 5,5% do PIB e deverá aumentar para 6,1% este ano – quase o dobro do limite permitido na zona euro.

Como se chegou a este ponto?

Os problemas começaram após o presidente Emmanuel Macron dissolver o parlamento em junho e convocar eleições antecipadas, depois de o seu partido centrista sofrer uma derrota nas eleições europeias.

O resultado foi um parlamento dividido em três blocos quase iguais: a NFP, uma coligação de partidos de esquerda que inclui os socialistas e a França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon; a coligação centrista de Macron; e o RN, que, embora seja o maior partido individual, ficou em terceiro lugar em termos de influência parlamentar.

Macron ignorou os apelos da NFP para nomear o novo primeiro-ministro e, em vez disso, escolheu Michel Barnier, um veterano conservador, que governa com o apoio de uma frágil aliança de centristas e deputados de centro-direita.

Desde então, a NFP tem consistentemente votado contra o governo, enquanto o RN evitou até agora tentar derrubar o Executivo. Contudo, a recente rejeição de partes do orçamento por parte do RN mudou o equilíbrio político.

O que está em jogo com o orçamento?

O orçamento proposto pelo governo para 2025 inclui medidas duras: 20 mil milhões de euros em aumentos de impostos e 40 mil milhões de euros em cortes na despesa pública. Apesar de algumas concessões, estas propostas não agradaram ao RN, que decidiu retirar o apoio ao governo.

Barnier avisou que, caso o orçamento seja rejeitado, a França poderá enfrentar “séria turbulência financeira”, com os mercados já a reagirem negativamente. Na semana passada, as taxas de juro das obrigações francesas aproximaram-se dos níveis registados pela Grécia.

O que acontece se o governo perder a moção de confiança?

Se a moção de confiança passar, o governo de Barnier cairá e Macron terá várias opções para lidar com a crise:

  1. Reinstalar Barnier como primeiro-ministro: Embora constitucionalmente permitido, esta decisão seria vista como provocatória pelo parlamento e improvável de reunir apoio.
  2. Formar uma nova coligação: Macron pode tentar construir uma aliança mais ampla, incluindo elementos moderados da NFP, como o Partido Socialista (PS). Contudo, as divisões internas na NFP tornam este cenário incerto.
  3. Nomear um governo tecnocrático: Macron pode optar por um governo interino para gerir a administração durante os próximos seis meses.
  4. Resignar: Esta opção levaria a novas eleições presidenciais, mas é considerada improvável no curto prazo.

O que esperar da votação?

Apesar de Marine Le Pen ter anunciado que o RN apoiará a moção de censura, o partido pode mudar de posição, aguardando uma oportunidade mais estratégica, como a votação final do orçamento em 20 de dezembro.

Os observadores questionam os ganhos políticos de derrubar o governo agora, especialmente para o RN, que tem procurado posicionar-se como uma alternativa responsável ao poder.

Com a votação marcada para quarta-feira, a França está no centro de uma possível reviravolta política que poderá moldar o seu futuro económico e institucional.

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