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Europa devia parar e ouvir os seus membros mais pequenos: aqueles que previram a guerra na Ucrânia há mais de uma década
É raro as palavras de um funcionário do Governo da Lituânia fazerem eco internacional: de facto, as opiniões daquele país nem sequer são uma prioridade máxima entre os seus aliados: algo que talvez tenha chegado a hora de mudar.
De acordo com a publicação ‘The Conversation’, importa recordar as palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, no final da conferência de segurança de Munique, em fevereiro último.
“Não nos falta capacidade, falta-nos a vontade política e a urgência necessárias para apoiar a Ucrânia e manter a nossa segurança coletiva. A Rússia, por outro lado, tem vontade de destruir a Ucrânia e restabelecer o Império Russo. Quando começaremos a usar nossa capacidade para impedir isso?”, indicou o responsável.
A Lituânia é um país pequeno com apenas 3 milhões de habitantes, por isso talvez não esperássemos que liderasse a resposta da Europa à agressão russa. No entanto, a ocupação soviética da Lituânia, imbuída de perseguição, repressão e de um regime totalitário, é profundamente compreendida até pelas gerações mais jovens. Pareceria senso comum dar maior peso às opiniões da Lituânia e dos seus vizinhos do que às de outras nações.
Então, por que isso não acontece?
Vytautas Landsbergis, que foi o primeiro presidente do Parlamento do país após a independência da URSS, já tinha previsto esta guerra em 2008. “Não é a situação apenas na Geórgia; é uma situação muito má para a Europa, e para o futuro da Europa, e muito promissora. Quem será o próximo depois da Geórgia? O próximo é a Ucrânia”, referiu na altura.
Esta visão contrastou fortemente com o que os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE acordaram na altura em que expressaram “grave preocupação” com a guerra. Criticaram a resposta desproporcional da Rússia, mas pressionaram a Geórgia a assinar o acordo de cessar-fogo de seis pontos, que basicamente permitiu às “forças de segurança” russas implementar “medidas de segurança adicionais”. O acordo de cessar-fogo levou à ocupação russa de 20% do território da Geórgia, que continua até hoje.
Em 2014, quando a Rússia ocupou a Crimeia, outros Estados da União Europeia concordaram com certas sanções, mas continuaram ao mesmo tempo a construir as suas parcerias energéticas com o agressor. Em vez disso, a Lituânia construiu o seu próprio terminal de gás natural liquefeito, o que lhe permitiu romper com a dependência do gás russo.
Em 2015, quando os países da UE foram cautelosos em nomear a Federação Russa como agressora nas regiões de Lugansk e Donetsk, na Ucrânia, o embaixador da Lituânia na ONU declarou claramente: “A Rússia é uma parte direta neste conflito e é a principal responsável pelo conflito que está a dilacerar a carne da Ucrânia.”
Em 2022, a Rússia lançou um ataque em grande escala contra a Ucrânia. Vieram palavras de apoio de todas as direções, mas apoio concreto esteve menos disponível. Durante os primeiros dias da guerra, a Alemanha recusou-se a enviar armas para a Ucrânia e até impediu a Estónia de enviar as suas antigas armas de artilharia, recusando a aprovação.
Entretanto, a Lituânia, juntamente com a Letónia, a Estónia e a Polónia, soavam o alarme sobre a ameaça que a situação representava para o resto da região e apelavam à Europa para apoiar a Ucrânia “com todos os meios disponíveis”. Para muitos na região, a Europa deveria comprometer-se inequivocamente em ajudar a Ucrânia a vencer a guerra.
Até recentemente, até o presidente francês Emmanuel Macron sugeria que a Ucrânia deveria comprometer alguma da sua soberania para acomodar as exigências de Putin. Tais comentários foram recebidos com frieza nos Estados Bálticos e da Europa Oriental. Quando Macron mudou a sua estratégia para dizer que não descartava o envio de tropas para a Ucrânia, enfrentou reações adversas em várias capitais europeias. No entanto, encontrou um aliado na Lituânia.
Esta perspetiva histórica realça a grande diferença de opinião entre países como a Lituânia, a Letónia, a Estónia, a Polónia e a República Checa, em comparação com países da Europa Ocidental como a França ou a Alemanha – o que sugere que o “westsplaining” ainda prevalece na União Europeia.
Os candidatos da Europa de Leste nunca foram escolhidos para funções cruciais como o secretário-geral da NATO, por exemplo. A Europa Ocidental ainda não vê a Europa Oriental e os Bálticos como parceiros iguais. Como resultado, a UE – dominada pelo Ocidente – ainda não vê verdadeiramente a Rússia como uma ameaça direta à segurança europeia.
Num sinal positivo de reconhecimento, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, frisou, no seu discurso anual sobre o Estado da União em 2022. “Devíamos ter ouvido as vozes dentro da nossa união – na Polónia, nos países bálticos e em toda a região central e Europa Oriental.”
Este momento fugaz de reconhecimento deverá constituir a base de um debate muito mais significativo sobre quem toma a decisão na UE e em que base.