Este pequeno ilhéu ‘perdido’ na África Ocidental está no centro de uma forte disputa por causa de milhões de barris de petróleo
Um minúsculo pedaço de terra no Atlântico Central, o ilhéu de Mbanie, tornou-se o epicentro de uma disputa complexa entre dois países africanos. Com apenas cerca de 20 hectares, este ilhéu – localizado numa zona rica em recursos naturais entre o Gabão e a Guiné Equatorial – está na origem de uma contenda territorial que dura décadas, mas que agora se intensifica devido ao crescente interesse pelos recursos energéticos nas suas águas adjacentes.
Assim como a conhecida disputa pelo ilhéu de Perejil entre Marrocos e Espanha, Mbanie, pela sua localização estratégica, tornou-se o centro de uma batalha política e económica. A zona onde o ilhéu se encontra é estimada em milhões de barris de petróleo inexplorado, tornando-o crucial para as ambições petrolíferas de ambos os países.
O despertar de uma batalha energética
A luta pelo controlo de Mbanie envolve duas nações-membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Gabão e Guiné Equatorial, que veem no ilhéu uma oportunidade de revitalizar as suas indústrias de hidrocarbonetos. Com uma economia fortemente dependente do petróleo, os dois países tentam superar anos de declínio na produção e encontrar, no ilhéu, um ponto de partida para novas explorações.
De acordo com dados da S&P Global, os projetos petrolíferos próximos à costa de ambos os países representam uma produção diária superior a 31.000 barris e têm um total estimado de 749 milhões de barris recuperáveis. Para o Gabão e a Guiné Equatorial, o domínio sobre estas reservas oferece uma possível salvação económica, após períodos marcados pelo declínio e pela volatilidade nos mercados de energia.
Uma disputa histórica que chega ao Tribunal Internacional de Justiça
A tensão sobre a soberania de Mbanie remonta aos anos 70, quando tropas gabonesas expulsaram soldados guineenses do ilhéu e estabeleceram uma presença militar. Contudo, foi apenas nos anos 2000, com as descobertas de recursos energéticos na região, que a disputa se reacendeu. Em 2016, após tentativas infrutíferas de mediação pela ONU, ambos os países concordaram em submeter a questão ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Haia. Desde então, as audiências têm sido lideradas pelo vice-ministro das minas e hidrocarbonetos da Guiné Equatorial, Domingo Mba Esono, e por representantes gaboneses.
“A posição da Guiné Equatorial é clara: Mbanie faz parte do nosso território e, por isso, temos o direito legítimo de o integrar nas nossas atividades económicas e energéticas,” afirmou Esono durante uma das sessões. Para ambos os países, esta decisão judicial é de extrema importância para assegurar o controlo sobre as reservas de hidrocarbonetos na região.
A dependência do “ouro negro” e os desafios económicos
O Gabão e a Guiné Equatorial viveram, em tempos, momentos de prosperidade com a descoberta de petróleo nos anos 90. Na Guiné Equatorial, o PIB per capita chegou a superar o da antiga metrópole, a Espanha, graças a uma produção diária que atingiu os 400.000 barris. Contudo, a má gestão e a dependência exclusiva deste recurso levaram a uma queda abrupta: desde 2013, o país sofreu uma sequência de retrações económicas e, em 2023, registou um declínio de 8,8% no PIB. Dados do FMI indicam que o país perdeu quase metade do seu PIB desde a sua “época dourada”, deixando-o vulnerável a novos períodos de recessão.
O caso gabonês, embora menos grave, revela igualmente uma economia altamente dependente do petróleo. Com uma população de apenas 2,3 milhões de habitantes, o país ainda mantém uma produção diária de 211.000 barris, mas enfrenta desafios semelhantes aos do seu vizinho. Cerca de um terço da economia gabonesa e 40% das suas receitas dependem dos hidrocarbonetos, e os especialistas preveem dificuldades para o país.
“A produção de petróleo está em queda e é improvável que essa tendência se inverta,” alertam analistas do FMI. A instituição sublinha que os campos petrolíferos do Gabão já atingiram o pico em 1997 e que o país precisa de adaptar-se a uma economia com menor dependência do petróleo. Segundo os analistas, “a pequena economia interna de Gabão precisa urgentemente de diversificar as exportações para garantir a sustentabilidade económica.”
O papel do manganês e o futuro das exportações gabonesas
Embora o Gabão seja conhecido como um dos principais produtores de manganês, cuja exportação é essencial para as indústrias siderúrgicas e tecnológicas, o impacto económico deste recurso não se compara ao do petróleo. O país é um dos líderes mundiais na produção deste mineral, que representa 80% das suas exportações de minérios, mas a substituição do valor gerado pelo petróleo continua a ser um desafio.
Ainda assim, o governo gabonês tem avançado com projetos de exploração petrolífera em parceria com empresas internacionais como a BW Energy e a Panoro. Uma das maiores apostas para a revitalização do setor é a colaboração com a empresa chinesa CNOOC, que iniciou recentemente perfurações na expectativa de descobrir 1.400 milhões de barris na região.
Contudo, para assegurar estes projetos, o controlo sobre Mbanie torna-se essencial para o Gabão. O ilhéu oferece uma plataforma ideal para as explorações e para a proteção de áreas ricas em petróleo, reforçando a importância de uma decisão favorável do TIJ.
A diplomacia e os desafios de um acordo sustentável
Enquanto o veredito do TIJ não é emitido, ambas as nações continuam a apoiar-se em argumentos históricos e económicos para sustentar as suas reivindicações. O Gabão destaca a importância de manter a estabilidade na região, apelando à resolução pacífica da disputa e ao fortalecimento das relações entre os países da África Central. A Guiné Equatorial, por seu lado, argumenta que Mbanie representa uma “última oportunidade” de recuperar a sua economia em declínio.
A diplomacia internacional, segundo especialistas, poderá desempenhar um papel decisivo na orientação de ambas as partes para uma solução sustentável. O desfecho desta disputa no Atlântico Central poderá ter implicações significativas para o equilíbrio de poder e o desenvolvimento económico na África Ocidental.