Esta mítica cidade greco-latina é hoje habitada apenas por cães e gatos (e turistas)
Éfeso, a lendária cidade na costa do Egeu, em território que pertence hoje à Turquia, é um dos sítios arqueológicos mais fascinantes do mundo. Nela, apenas os passos silenciosos dos gatos, os cães a descansar sob sombras das colunas, e os cliques das câmaras dos turistas ecoam nas ruínas. Foi-se o tempo em que era habitada pelos jónicos do século IX a.C., pelos lídios, persas, helenos, romanos e pelos últimos turcos otomanos. Hoje, a figura mais conhecida não é o filósofo Heráclito, nascido ali em 535 a.C., nem o apóstolo Paulo, que pregou o cristianismo no local no século I d.C., mas sim o gato Garfield, que cativou tantos visitantes ao ponto de ter uma página no Instagram, representando a comunidade de felinos que vagueia entre as ruínas.
Com o pôr do sol, as ruínas da Biblioteca de Celso e do antigo mercado comercial ganham um brilho especial, transportando os visitantes para um passado onde Éfeso era um dos grandes centros do mundo antigo. Esta região do Egeu, onde ainda podemos ver as ruínas de Troia, Pérgamo, Esmirna, Mileto e Halicarnasso, outrora pontilhada por cidades gregas e, mais tarde, romana, testemunha a história da civilização que nos formou.
A entrada e os primeiros monumentos
A entrada em Éfeso pela Porta de Magnésia, que homenageava a cidade vizinha, conduz diretamente aos vestígios do ginásio, onde os jovens praticavam desporto. Em cada uma das cinco portas da cidade, havia banhos públicos onde os visitantes eram convidados a lavar-se antes de entrar, uma tradição que reforçava a importância de se estar purificado antes de percorrer a cidade.
Chegava-se, então, à Ágora Sagrada, onde restam algumas colunas. Infelizmente, este espaço, que já foi lugar de adoração, é agora por vezes utilizado para eventos privados, como jantares, o que diminui um pouco da sua aura histórica. Curiosamente, ao contrário da maioria dos templos antigos, neste descia-se escadas para entrar, forçando os visitantes a diminuir o passo e a reverenciar os deuses ao cruzarem o recinto. Próximo, estava o pequeno parlamento, onde era necessário um mínimo de cinco mil votos para ser eleito representante, numa cidade que, no seu auge, abrigava cerca de 250 mil habitantes.
Um dos grandes monumentos de Éfeso foi o templo dedicado ao imperador romano Domiciano. Este governou num período de grande prosperidade para Éfeso, já inteiramente romana após a era helenística. Durante esse período, a cidade recebia figuras influentes como Marco António e Cleópatra. Domiciano, conhecido pelo seu estilo autoritário, mandou erguer um templo em sua homenagem, mas, ao contrário do templo de Artemisa, que os habitantes recusaram associar a outro nome, não houve hesitação em atender ao desejo do imperador romano. Hoje, pouco resta deste monumento dedicado a Domiciano.
Antes dos romanos e dos gregos, Éfeso já era um importante centro de adoração. A veneração da deusa Cibele, associada à fertilidade, transformou-se no culto a Artemisa, símbolo protetor da cidade e representada nas suas esculturas com múltiplos seios. O templo de Artemisa, construído em sua honra, foi uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Em 356 a.C., o edifício foi incendiado por Eróstrato, que buscava entrar na história com este ato destrutivo. Por ironia do destino, o templo ardeu na mesma noite em que nasceu Alexandre, o Grande, que, anos mais tarde, propôs reconstruí-lo com seus próprios fundos. Os habitantes de Éfeso recusaram, justificando que um deus não deveria construir um templo para outro deus.
No período de maior esplendor, um dos edifícios mais icónicos de Éfeso foi a Biblioteca de Celso. Construída entre 114 e 120 d.C., com uma fachada que ainda se ergue hoje, a biblioteca continha cerca de 12 mil volumes, sendo a terceira maior do Império Romano, atrás das de Alexandria e Pérgamo. O edifício foi dedicado a Tiberius Julius Celsus Polemaeanus, procônsul na Ásia e senador romano, que também foi sepultado no local. Parte das estátuas da biblioteca encontra-se hoje no Museu de História da Arte de Viena, uma lembrança dos acordos de restauração feitos no século XIX pelo Instituto Arqueológico Austríaco.
Decadência e a influência do cristianismo
A partir do século III, Éfeso entrou em declínio, em parte devido ao ataque dos godos, que destruíram a Biblioteca de Celso e o templo de Artemisa em 262 d.C. O apóstolo Paulo e João, o Evangelista, visitaram a cidade, onde iniciaram a pregação cristã que, com o tempo, se tornou a religião dominante. A cidade, que em tempos fora oásis de riqueza e cultura, com grandes ruas que levavam ao mar, enfrentou o assoreamento do seu porto e a perda gradual da relevância.
Hoje, apenas as imponentes ruínas de Éfeso permanecem para contar a história. A cidade, bem preservada e com crescente interesse turístico, oferece-nos um vislumbre de quem fomos e do que construímos: espaços de culto, locais de estudo, mercados, e a grandiosa biblioteca. É o reflexo da nossa civilização e dos nossos valores culturais, tudo ainda observado por gatos e cães que, tal como os turistas, parecem sentir a reverência que o local merece.