“Esta indústria vai mudar mais nos próximos 10 anos do que mudou nos últimos 40”, diz CEO da Cepsa Portugal

“Durante o primeiro semestre de 2022, assistimos a uma recuperação quase total, depois de dois anos muitos difíceis”, afirma José Aramburu Delgado, CEO da Cepsa Portugal, em entrevista à ‘Executive Digest’, explicando que essa recuperação foi catalisada pelo facto de as restrições, que originaram profundos cortes na mobilidade, terem sido quase totalmente levantadas em muitos países, incluindo Portugal. Reconhecendo que “a mobilidade voltou a ser o que era antes”, o responsável salienta, contudo, que “isso não significa que a procura por combustível voltou aos níveis de 2019”.

Embora admita que a mobilidade esteja a recuperar a normalidade, com o regresso do turismo interno e estrangeiro, quer em Portugal, quer em Espanha, o modelo de negócio das empresas fornecedoras de energia, designadamente das petrolíferas, “está a mudar”, destacando o fortalecimento da mobilidade elétrica.

José Aramburu Delgado refere que, do total de novos veículos vendidos em Portugal, 10% são elétricos, acrescentando que uma percentagem idêntica é observada ao nível das vendas de carros híbridos ‘plug-in’. “Todos esses carros consumirão menos combustível, ou não consumirão qualquer combustível de todo”, refere o gestor, justificando, assim, que as empresas da energia fóssil têm de se adaptar às novas necessidades e exigências de consumo energético no ramo da mobilidade automóvel.

E destaca que Portugal “está três ou quatro anos à frente de Espanha” no que toca à mobilidade elétrica, indicando que no país vizinho estima-se que apenas cerca de 3,5% dos novos veículos vendidos são elétricos.

Com esse cenário como pano de fundo, e com a mobilidade elétrica como um dos pilares centrais de um ‘novo normal’ em formação, ele sentencia que, no que toca a energia fóssil, “não voltámos aos níveis de 2019, nem nunca voltaremos”, porque os “combustíveis fósseis estão numa trajetória decrescente, enquanto as novas energias estão a ganhar terreno, e isso continuará”.

Ainda assim, José Aramburu Delgado aponta que “os resultados das empresas petrolíferas em 2022, em todo o lado, foram muito bons”, detalhando que foram observados lucros “historicamente altos” em particular no segmento do refinamento.

 

Lucros históricos deviam ser taxados? Sem verbas não há transição energética

É importante recordar que muitos líderes políticos em vários países e responsáveis de organizações internacionais, como o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, defendem que as petrolíferas têm beneficiado ‘imoralmente’ da guerra da Rússia contra a Ucrânia, e dos consequentes constrangimentos nos mercados mundiais de combustíveis fósseis, e que os lucros extraordinários que registaram deveriam ser taxados e canalizados para ajudar as populações a enfrentarem a crise energética que grassa um pouco por toda a Europa.

A esse respeito, José Aramburu Delgado diz que “não sei como se pode avaliar se o lucro é ‘justo’ ou ‘injusto’”, indicando que nos últimos anos as refinarias têm enfrentado dificuldades na Europa, sendo que muitas se viram obrigadas a fechar portas “devido à reduzida lucratividade”.

“Por isso, quando se tem perdido dinheiro durante anos, e num ano se tem lucros históricos, é justo ou injusto?”, lança o responsável.

Sobre o futuro, conta que “estamos numa transição”, mas assegura que esse não é um trilho que deverá ser traçado somente por um ou outro segmento da sociedade, mas que deve ser feito por todos. “Nós, como empresas energéticas, temos um grande papel a desempenhar aí, mas não podemos fazê-lo sozinhas”, avisa, e aponta que “podemos instalar carregadores elétricos, mas alguém precisará de comprar esses carros”.

E José Aramburu Delgado refere que, para que se possam criar e consolidar as bases para essa transformação energética, é preciso dinheiro, explicando que os lucros que muitos consideram ‘excessivos’ ou ‘imorais’, serão indispensáveis para que as empresas petrolíferas possam desenvolver projetos na área das energias renováveis e limpas e distanciarem-se cada vez mais da energia fóssil.

Dessa forma, “se formos privados de recursos, será que teremos os meios para concretizar essa transição?”, questiona.

Relativamente à crise energética que já se faz sentir dolorosamente na Europa e em muitos outros países espalhados pelo mundo, José Aramburu Delgado relembra que a guerra na Ucrânia veio intensificar dificuldades que já se observavam em 2021, ano em que o preço do crude já apresentava, globalmente, uma marcada tendência de aumento, acrescendo às dificuldades sentidas pelas refinarias para responderem à recuperação da procura, após os piores momentos da pandemia.

Agora, com o estrangulamento da disponibilidade de gás oriundo da Rússia e com a proibição de importação de produtos refinados desse país, “todos os problemas que já existiam, e que de certa forma eram geríveis, ficam descontrolados”, especialmente no que toca ao gás, cujo preço “subiu quase 10 vezes” desde o início do conflito, explica.

Aludindo aos incidentes que, esta semana, tornaram os gasodutos Nord Stream inoperacionais, José Aramburu Delgado afirma que paira a dúvida sobre quanto gás poderá a Europa central receber da Rússia nos próximos meses, indicando que poderá mesmo ser “uma questão de zero ou nada”.

“Em Portugal ou em Espanha, poderemos ter de pagar um preço mais elevado pelo gás, porque vai continuar a aumentar, mas pelo menos mantemos os nossos terminar energéticos”, pelo que podemos receber gás e aquecer as nossas casas, afiança, e indica que em países como a Áustria ou a Alemanha, onde os invernos tendem a ser mais rigorosos do que em terras lusitanas, o cenário será muito mais negro.

 

O petróleo sairá, eventualmente, de cena, mas é preciso ainda um esforço de toda a sociedade

“A solução é a transição energética, mas isso levará tempo”, acautela José Aramburu Delgado, reconhecendo que “não será fácil acabar com a dependência do petróleo em cinco anos, nem seríamos capazes de o fazer”.

Então, o petróleo tem os dias contados ou continuará a ser a base das nossas sociedades? O responsável da Cepsa em Portugal diz que essa “é uma pergunta que vale um milhão de dólares”, traçando um cenário futuro em que a transição energética acontece, ao mesmo tempo que os preços do petróleo flutuarão, dependendo de quão rápida essa transformação se concretizará.

Contudo, todos os sinais apontam para que o consumo de combustíveis fósseis, eventualmente, chegue ao fim e que “os últimos barris” fiquem debaixo de terra. “O petróleo vai sair de cena, e entraremos num novo esquema energético”, assegura, acrescentando que se trata de uma questão de quão rápida poderá ser essa mudança.

“O desenvolvimento da sociedade que hoje temos foi alimentado por petróleo”, com efeitos negativos sobre o planeta que ninguém previu, mas “não podemos continuar assim” e “temos de nos afastar dos combustíveis fósseis”, assevera José Aramburu Delgado, admitindo, contudo, que será uma demanda difícil, visto que “a sociedade está tão dependente de petróleo que não é algo que acontecerá de um dia para o outro”.

“São os nossos carros, as nossas casas, o nosso aquecimento, todas as indústrias que têm de virar as costas ao petróleo.”

No entanto, apesar de se considerar que essa transformação profunda é um esforço hercúleo, a UE decidiu proibir a venda de novos carros com motores de combustão a partir de 2035. Questionado sobre se é algo que as petrolíferas vejam como negativo, José Aramburu Delgado diz “não”, indicando que em março, a Cepsa divulgou uma nossa estratégia, intitulada ‘Positive Motion’, na qual plasma a intenção de se afastar do petróleo e de reduzir, até 2030, a emissões de dióxido de carbono dos clientes que usam os seus produtos entre 15% e 20%.

“Sabemos o que temos de fazer”, afiança o gestor, “temos de nos despedir do negócio do petróleo e caminhar em direção a uma nova realidade”.

Da revolução sustentável que a petrolífera espanhola quer concretizar em Portugal faz também parte a instalação de painéis fotovoltaicos em “todas” as suas estações de abastecimento, de norte a sul do país. Simultaneamente, a empresa tem um plano para investir até oito mil milhões de euros até ao final da década na integração de postos de carregamento rápido para veículos elétricos nas suas estações de abastecimento, que serão alimentados por energia solar e eólica.

Até ao final de 2022, os primeiros desses carregadores ficarão operacionais em três bombas no norte, especificamente na região do Porto. A Cepsa quer que até ao final do próximo ano esse número suba para 40, sendo que o objetivo é ter cada vez mais estações com postos de carregamento rápido em Portugal.

“Já não somos uma empresa petrolífera. Somos uma empresa energética”, declara.

 

O futuro da mobilidade não será somente elétrico, mas “uma mistura de tudo”

No quadro da transição energética, a Cepsa sabe que tem um papel importante a desempenhar, uma “obrigação”, mas não poderá fazê-lo sozinha, bem como nenhuma outra empresa do setor. Assim, adianta que o futuro será indelevelmente marcado pelo estabelecimento de mais redes de parcerias entre entidades e setores distintos, mas, ainda assim, complementares.

“Haverá mais parcerias dos que antes”, pois essa transformação “será muito mais rápida e mais eficiente se o fizermos em colaboração com outros”. E dá um exemplo concreto: para o desenvolvimento da sua rede de carregadores ultrarrápidos em Portugal, a Cepsa atua em parceria com a elétrica Endesa, “para que possamos proporcionar um melhor serviço, e fazê-lo mais rapidamente e de forma mais eficiente”, explica José Aramburu Delgado.

Diz a Cepsa que a sua estratégia de sustentabilidade tem como vetor fundamental ajudar os seus clientes a fazerem a transição para modos de mobilidade que gerem os menores impactes ambientais possíveis. Assim, o futuro da mobilidade será elétrico? José Aramburu Delgado acredita que “será uma mistura de tudo”: eletricidade, hidrogénio, biocombustíveis e alguma energia fóssil, pelo menos nas fases iniciais da transição.

A Cepsa é o segundo maior produtor de hidrogénio em Espanha, afirma o responsável, acrescentando que, no entanto, esse produto ainda advém de hidrocarbonetos e que, por isso, ainda é ‘cinzento’. Contudo, garante que a empresa sabe como tornar a sua produção ‘verde’ e que está investida nessa conversão.

Para ele, os veículos com motores de combustão interna continuarão a circular nas estradas “durante algum tempo”, mas “se usarmos biocombustível” podemos potenciar a economia circular e reduzir significativamente a exploração de combustíveis fósseis.

“Provavelmente todas essas tecnologias coexistirão, ao mesmo tempo”, prevê José Aramburu Delgado, explicando que, no futuro, as estações de abastecimento serão “centros multienergia”, onde os consumidores poderão escolher entre hidrocarbonetos, eletricidade e hidrogénio para alimentar os seus veículos.

“Esta indústria vai mudar mais nos próximos 10 anos do que mudou nos últimos 40.”

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