Cientistas de 33 países alertam a UE para não aprovar instalação de spyware nos telemóveis: tecnologias de combate à pornografia infantil “têm falhas profundas”

Mais de 300 engenheiros de 33 países assinaram uma carta aberta no qual pedem à União Europeia novas soluções para o controlo da troca digital de material pedófilo: “A eficácia da lei depende da existência de tecnologias de digitalização eficazes. Infelizmente, as tecnologias de ‘scan’ que existem hoje e estão no horizonte têm falhas profundas” e ameaçam a privacidade, pôde ler-se na carta aberta.

Os signatários louvaram o esforço para limitar a exploração infantil mas acreditam que a mais recente iniciativa europeia só pode trazer mais problemas para os restantes cidadãos e transformar os smartphones em potenciais dispositivos de espionagem. Para Carmela Troncoso, investigadora espanhola da Escola Politécnica Federal de Lausanne e uma das promotoras da carta, em declarações ao jornal espanhol ‘El País’, a intenção europeia seria o equivalente a “colocar uma câmara nas nossas salas de aula para gravar tudo e dizer: ‘Só se vai mandar se for suspeito'”.

No entanto, o único lugar onde é viável analisar os conteúdos são os smartphones de cada utilizador. “A criptografia é a única ferramenta que temos para proteger os nossos dados no mundo digital. Todas as outras ferramentas demonstraram estar comprometidas”, denunciou a carta.

Ora, para rever os dispositivos seria necessário acrescentar “software de espionagem” nos smartphones de todos os cidadãos europeus. “Essas ferramentas aparentemente funcionam através de um ‘scan’ do conteúdo nos dispositivos antes de ser criptografado ou depois de descriptografado. Depois é relatado quando é encontrado o material ilícito.” OU seja, é equiparado “a adicionar câmaras de vídeo nas nossas casas para ouvir todas as conversas e que envia relatórios sempre que foi abordado um tópico ilegal”.

“A intenção principal da carta é deixar claro que a tecnologia é incapaz, pois parece que muitos acreditam que ela é válida”, explicou Carmela Troncoso. “Achamos importante que tanto os reguladores como o público tenham todas as informações sobre os limites tecnológicos.”

Do lado político, a intenção da UE é que os provedores de serviço ficam com a responsabilidade de encontrar material criminoso. “As regras propostas vão obrigar os provedores a detetar, denunciar e eliminar material de abuso sexual infantil nos seus serviços”, apontou o relator da proposta, o eurodeputado popular espanhol Javier Zarzalejos.

No entanto, apontaram os signatários, “não esperamos que seja viável nos próximos 10 a 20 anos desenvolver uma solução que possa ser executada nos dispositivos que possa detetar de forma confiável o conteúdo conhecido”.

Por últimos, os engenheiros alertaram que os pedófilos encontrariam outras formas sofisticadas para trocar o seu material, ainda mais longe dos olhares das autoridades, e que a nova lei poderia enfraquecer a privacidade. Com um software de espionagem nos smartphones, é difícil acreditar que as autoridades não tirariam partido dele: “Esperamos que haja uma pressão substancial sobre os políticos para expandir o seu alcance. Primeiro para detetar o recrutamento de terroristas, depois outras atividades criminosas e depois o discurso dissidente”, referiu a carta – já os Governos menos democráticos teriam apenas de expandir o banco de dados para caçar outros tipos de conteúdo que nada têm a ver com pornografia infantil.

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