Empresas produzem elevadas quantidades de dados, “mas só um quarto destes dados é alvo de uma análise aprofundada e profissional”, revela Mário Carvalho

Na era da globalização digital, a quantidade de dados gerados a cada segundo é assombrosa, no entanto, apesar do imenso potencial dos dados, apenas uma fração significativa deles é analisada de forma aprofundada.

Em entrevista à Executive Digest, Mário Carvalho, Coordenador da licenciatura em Ciência e Visualização de Dados do ISEC Lisboa (Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa), partilha a sua visão sobre os desafios e oportunidades que a Inteligência Artificial e a programação oferecem na análise de grandes volumes de informação, assim como a importância de garantir que a utilização de dados se alinha a princípios éticos e regulamentares.

 

Como é que as organizações podem maximizar o valor dos dados e conteúdos digitais que produzem ou recolhem?

É gerada uma quantidade infindável de informação a cada segundo, resultado da globalização digital, a que grande parte da população mundial está conectada. E, da informação gerada, parte é constituída por dados.

As organizações, nas mais diversas áreas, produzem elevadas quantidades de dados resultantes das suas interações com os setores de atividade para os quais direcionam os seus serviços. Mas só um quarto destes dados é alvo de uma análise aprofundada e profissional. Excluímos deste grupo algumas organizações de grande volume, a maior parte internacionais, que conduzem as suas estratégias de negócio apoiadas na análise e representação dos dados que produzem.

Quando falo de organizações, refiro-me a empresas e instituições que têm de entender e conhecer o colaborador, o utilizador e o consumidor. E a forma mais eficaz é a inclusão nos seus quadros de trabalho de equipas especializadas na ciência de dados; ou, contratar agências especializadas nesta área, as quais, através do seu conhecimento, metodologias e ferramentas digitais, vão atribuir um significado à informação de dados. Que, por sua vez, proporcionam estratégias de negócio mais rentáveis nos mais diversos campos, sem deixar de parte a estrutura interna das organizações na eficiência e produtividade. O que permite melhorias ao nível da motivação dos seus colaboradores e desempenho geral da empresa.

 

Quais considera serem os maiores desafios e oportunidades na utilização de algoritmos de aprendizagem automática e IA nas empresas, especialmente no que toca à otimização de processos?

A IA está cada vez mais presente nas nossas vidas.

Nas empresas pode ajudar no desenvolvimento de novos produtos e serviços, isto, nos mais diversos setores, como a economia, agricultura, saúde ou turismo. Pode, entre muitos benefícios, melhorar a manutenção de equipamento, os resultados da produção e da qualidade, o atendimento ao consumidor, para além de economizar energia.

Nos serviços públicos, pode melhorar os transportes ou a educação, com a redução de custos e uma melhor gestão de energia. A IA é ainda uma ciência em fase de evolução, com muitos desafios pela frente. A importância de investir em aplicações de IA que se adequem aos modelos de negócio e processos de trabalho das empresas pode ser uma tarefa complicada, pelo que é inevitável recorrer a profissionais especializados que possam determinar qual o sistema digital adequado para o sucesso de uma empresa.

 

Como é que os fundamentos de programação aplicados aos dados podem transformar a forma como os profissionais abordam a análise de grandes volumes de informação?

Segundo um estudo publicado na página web do Parlamento Europeu, o volume de dados produzido em todo o mundo rondou os 33 zettabytes (1 zettabyte = 1 bilião de gigabytes) em 2018. Prevê-se um aumento para os 175 zettabytes em 2025, um número impressionante, se não recorremos a algoritmos que possam simplificar e organizar este volume de dados.

O mundo da internet é o principal meio gerador de dados. As empresas, instituições e redes sociais, entre outros, armazenam todos os dias, em bancos de dados internacionais e nacionais, como o DataHub, AggData, Amazon’s Public Datasets, Google Dataset Search, Kaggle, Pordata, Instituto Nacional de Estatística, Dados.gov em Portugal, a uma velocidade cada vez mais rápida e em quantidades cada vez maiores.

O tratamento destes dados, seleção, organização e representação, só é comportável com recurso a ferramentas digitais que permitem uma análise detalhada de grande volume de dados, onde a base é a programação. Dou como exemplo a linguagem de programação Python. O Pandas documentation, que é um banco de dados preparado para a organização de grupos de dados complexos, assume também um papel de ferramenta de suporte ao Python. Estas aplicações tem um objetivo comum, facilitar o trabalho dos profissionais no processo de tratamento e análise dos dados.

 

Na sua opinião, como podemos assegurar que a utilização de dados segue princípios éticos, sobretudo em áreas sensíveis como a saúde ou finanças?

Quando falamos do mundo digital, como a internet, estamos a falar de um meio onde a informação pode ser tendenciosa, intencionalmente ou não, tudo depende da motivação dos seus utilizadores. Todos os dias somos confrontados com as fake news, e refiro-me à falta de transparência da informação que circula neste meio, com consequências nefastas para muitos dos seus utilizadores no campo da privacidade, liberdade, saúde ou mesmo a vida, abrindo o caminho para o cibercrime.

Desde o surgimento da internet até aos dias de hoje, muito se tem feito na proteção dos cidadãos, com a criação de instituições com o propósito de combater o cibercrime, como são a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA), a equipa de resposta a emergências informáticas (CERT.EU) e o Centro Europeu da Cibercriminalidade (EC3). Em Portugal temos a Autoridade Nacional de Cibersegurança, que faz parte do Gabinete Nacional de Segurança. Existem mais organismo de combate à fraude, onde está incluída a Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Estes organismos têm criado regulamentos que visam a proteção dos cidadãos. A questão que se põe é como podemos assegurar que as regras são cumpridas. A comunicação direta entre estas entidades pode ter um papel importante neste combate muitas vezes desigual, resultado da velocidade a que a tecnologia se desenvolve, o que cria espaço para quem procura o crime digital e que encontra a oportunidade neste cenário. Outra forma de combater o cibercrime pode passar por uma partilha controlada e regulada entre as organizações, utilizadores deste meio e as instituições que combatem o cibercrime.

Na minha opinião, vejo na IA uma ferramenta eficaz na prevenção do cibercrime, uma vez que aumenta a velocidade do processamento de dados, ao avaliar com maior precisão os padrões de atuação destes utilizadores fraudulentos, antevendo possíveis ações futuras. Na verdade, a IA já é utilizada por algumas plataformas online na deteção e reação de comportamentos ilegais e inadequados na internet.

 

Como podemos preparar os futuros profissionais de ciência de dados para identificar e mitigar riscos de segurança relacionados com dados sensíveis?

As questões anteriores respondem em parte a esta questão. O profissional nesta área tem de ter gosto no tratamento de dados, ter sensibilidade para compreender o valor destes dados e a importância que os mesmos tem nas estratégias de negócio das empresas. Deve conhecer de forma exaustiva o meio da internet, bem como a sua estrutura ao nível da programação, os seus utilizadores e padrões de ação. Há que dar-lhe conhecimentos ao nível da organização e análise de bancos de dados, suportados por ferramentas digitais estruturadas em linguagem de programação. E também sensibilizá-lo para a importância de seguir as regras estabelecidas pelas entidades que regulam este meio, de forma a manter a integridade da informação.

Outros aspetos fundamentais passam por conhecer esta nova ferramenta a que chamamos IA e saber como utilizá-la no trabalho. Ter conhecimentos na área do Design de informação é também uma necessidade na apresentação visual dos dados, com a aprendizagem de ferramentas digitais de composição gráfica. Os princípios do design vão ajudar à construção de uma informação cuidada e funcional através de uma linguagem diagramática.

A interação com as entidades reguladoras deste meio é também um fator de desenvolvimento para um profissional, para que possa compreender quem são os utilizadores fraudulentos e quais os processos por estes adotados, de forma a preparar-se na difícil tarefa de identificação dos mesmos.

 

Qual a importância das regulamentações e padrões de segurança em ciência de dados, e como as empresas podem garantir que cumprem com essas diretrizes de forma eficaz?

Existem regulamentos definidos quanto a utilização do meio digital. Agora, cabe às empresas criarem grupos de trabalho especializados na ciência de dados, dentro da sua estrutura, que sejam capazes de implementar processos e metodologias adequadas a este tipo de informação. Podemos não concordar com alguns pontos da regulamentação, mas a sua criação visa a proteção do cidadão, das empresas e de todos os utilizadores no mundo da internet.

Também por isso, a falta de fiscalização das entidades reguladoras é um fator preocupante nesta área, pois ainda não existem mecanismos de monotorização capazes de garantir o cumprimento dos regulamentos. Esse papel, atualmente, é em parte garantido pelas empresas.

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