Empresas não são obrigadas a justificar faltas ao trabalho devido a greves
Reunir comprovativos de que faltou ao trabalho por motivo de greve pode ajudar a justificar a ausência, mas não obriga os empregadores a pagar o salário. Saiba como chegar a acordo com o patrão.
“Quando começaram a surgir os rumores de que o combustível poderia acabar, confesso que não levei muito a sério”, recorda Filipa Casqueiro, de 40 anos, que na semana antes da Páscoa ficou sem gasóleo suficiente para garantir a deslocação de carro para o trabalho. Mora no Cartaxo e trabalha numa editora de livros infantis na Amadora, o que a leva a conduzir diariamente 120 quilómetros para trabalhar. “Optar por transportes públicos não é solução, pois teria de usar quatro meios de transporte diferentes todos os dias”. Por isso, quando deixou de conseguir abastecer o carro, optou por ficar em casa, mediante a compreensão da chefia.
Do ponto de vista legal, estaria a empresa obrigada a aceitar a falta como justificada? Não. Um empregador menos sensível aos argumentos poderia exigir provas de que o automóvel tinha ficado sem combustível, que o trabalhador tinha feito tudo o que estava ao seu alcance para evitar tal situação e que não poderia chegar ao local de trabalho por outros meios. Um trabalhador com um relacionamento menos amigável com a empresa poderia ficar numa posição desconfortável na sequência destes acontecimentos.
Sem consulta à vista
Em outubro do ano passado, Ana Cristina Santos conduziu a tia, de 80 anos, aos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde estava agendado um tratamento aos olhos, mas a consulta foi adiada devido à greve dos enfermeiros. Reagendada para 15 de fevereiro deste ano, sofreu novo adiamento, pela mesma razão. A tia de Ana Cristina acabou por ser consultada só no final de maio. Como saldo negativo ficaram as três faltas ao trabalho e a despesa extra em combustível.
Nos serviços de saúde, as greves têm de ser anunciadas com uma antecedência mínima de 10 dias úteis (em geral, bastam cinco dias úteis de pré-aviso). Seria desejável que os estabelecimentos de saúde avisassem o doente quando soubessem de antemão que determinado cuidado (consulta, exame ou cirurgia) não será prestado, evitando o desperdício de dinheiro e de tempo com uma deslocação em vão. Mas a vida real confirma que esse procedimento não é a regra. E o mesmo acontece nos tribunais, onde algumas diligências acabam por não ser realizadas por motivos de paralisação dos funcionários e os cidadãos convocados não recebem atempadamente essa indicação.
Logo, recomenda-se aos consumidores que, assim que tenham conhecimento de uma greve, contactem o estabelecimento de que venham a precisar naqueles dias, para tentarem saber se serão afetados pela paralisação.
No caso da saúde, há sempre serviços mínimos que têm de ser respeitados, como as situações de urgência. Se tal não acontecer e daí resultarem consequências graves para os doentes, é possível responsabilizar os profissionais e/ou o estabelecimento. Isto em teoria, pois, na realidade, será complicado conseguir que um profissional seja responsabilizado por não ter cumprido os serviços mínimos em tempo de greve.
Tratando-se de um caso que envolva uma greve no setor da justiça, que atrase de forma flagrante o andamento de um processo, poderá apresentar queixa nos tribunais europeus pela demora do Estado português em resolver judicialmente os casos.
Comboio fora dos carris
Rita Marques, 38 anos, utiliza diariamente o comboio na linha da Azambuja, pois reside na Póvoa de Santa Iria e trabalha em Lisboa. No entanto, a 31 de outubro de 2018, ficou apeada. “O monitor informativo indicava que todos os comboios tinham sido suprimidos. Dirigi-me para a paragem da Rodoviária de Lisboa, para apanhar um autocarro, mas as pessoas que aí se encontravam queixavam-se de que estavam à espera há mais de duas horas”, recorda. Rita optou por informar a sua empresa do sucedido. “Reagiram de forma compreensiva e resolvi o problema da falta usando um dia de férias”, explica, embora defendendo que “a CP deveria ter assegurado transportes alternativos”.
Para justificar a falta ou um atraso devido a greve de transportes, peça ao operador uma declaração que confirme a existência de supressões ou atrasos. As faltas, mesmo que justificadas, implicam perda de retribuição, a não ser que a entidade patronal entenda pagar o correspondente ao dia de trabalho. Utilizar um dia de férias, como fez Rita Marques, ou recorrer ao teletrabalho poderão ser alternativas, bem como compensar as horas daquele dia noutras datas. Mas nenhuma delas é viável em todas as empresas.
Com o menino nos braços
Quando o filho de 8 anos de Miguel Campos não tem aulas devido a greve, os pais ficam com um problema em mãos. “Só conseguimos saber alguma coisa às nove da manhã do dia da greve. Ou seja, os pais têm de esperar para perceberem o que vão ter de fazer à vida”, critica Miguel, residente em Lisboa, considerando que os pais deveriam ser avisados na véspera se as crianças vão ter aulas ou não. Apesar disso, a empresa onde trabalha demonstra “enorme abertura”. Ou Miguel leva os filhos para a empresa ou fica a trabalhar em casa e não perde o salário do dia.
Aos olhos da lei, as únicas faltas relacionadas com os filhos obrigatoriamente consideradas como justificadas são as que se prendem com assistência inadiável e imprescindível em caso de doença ou acidente. Nos casos como o de Miguel, a justificação da falta dependerá da boa vontade da entidade patronal. Perante esta situação, peça na escola um documento que comprove que, naquele dia, o seu filho não teve aulas e que não poderia permanecer no estabelecimento. A entidade patronal poderá ainda exigir ao trabalhador que prove que não tinha onde deixar a criança naquele período, por exemplo, por não ter nenhum outro familiar disponível.
Em todas estas situações que a lei não protege, será fundamental chegar a um bom entendimento com a entidade patronal. E, sempre que souber antecipadamente de uma greve que possa abranger a escola dos seus filhos, procure informar a empresa onde trabalha ou as chefias de que há a possibilidade de vir a ter de ficar com o seu filho num determinado dia, podendo negociar desde logo uma possível forma de conciliar assistência e trabalho ou de compensação pela sua ausência.
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