Empresas de combustíveis fósseis são as maiores beneficiárias de sistema judiciário secreto que já concedeu mais de 100 mil milhões de dólares em indemnizações

Já foram atribuídos mais de 100 mil milhões de dólares de verbas públicas a investidores privados em tribunais de resolução de litígios investidor-Estado (ISDS), segundo indica esta quinta-feira o jornal britânico ‘The Guardian’.

O controverso sistema de arbitragem – que permite às empresas processar os Governos para receberem indemnizações por decisões que possam afetar os respetivos lucros – é, em grande parte, realizado à porta fechada, com alguns julgamentos a serem mantidos em segredo. No entanto, de acordo com o rastreador global do ISDS, lançado hoje, até agora foram pagos 114 mil milhões de dólares dos cofres públicos aos investidores – quanto tanto quanto os países ricos forneceram em ajuda climática em 2022.

As empresas de combustíveis fósseis têm sido de longe as maiores beneficiárias dos painéis corporativos, arrecadando 80,21 mil milhões de dólares desde 1998, aponta o estudo: se as tendências atuais se mantiverem, serão desembolsados pelo menos outros 48 mil milhões de dólares ​​para resolver casos atualmente sob litígio, conclui a investigação.

“Tal como o Governo britânico pagou aos proprietários de escravos cerca de 7 biliões de libras em dinheiro de hoje para acabar com a escravatura, o mecanismo ISDS dá continuidade a um sistema em que os perpetradores corporativos são finalmente pagos para fazer a coisa certa, ou pelo menos parar de fazer a coisa errada. Este dinheiro deveria ser gasto em reparações para as vítimas inocentes do aquecimento global e não entregue às empresas responsáveis ​​por causá-lo”, aponta Lucía Bárcena, do Instituto Transnacional, um dos três grupos que criou o rastreador.

“Os dados corroboram o que temos dito há anos: o ISDS é a arma secreta das empresas de combustíveis fósseis contra as leis climáticas. Os tribunais empresariais também são usados ​​para ameaçar os Governos para que não cedam às exigências populares locais ou nacionais de ação climática. Isto precisa de acabar. Os dados mostram que a reforma é urgentemente necessária”, refere Tom Wills, diretor do Movimento pela Justiça Comercial.

O sistema ISDS está a cambalear depois de os países da UE se terem retirado em massa, na semana passada, do tratado de carta energética, uma das fontes mais significativas de reivindicações entre investidores e Estados. Mas o mecanismo continua a ser uma característica da maioria dos acordos de investimento internacionais modernos: dá aos investidores estrangeiros o direito de processar os Estados em milhares de milhões de dólares quando os seus lucros previstos são afetados por medidas públicas, como regulamentações verdes.

Ao contrário dos tribunais nacionais, os tribunais ISDS permitem aos investidores moldar os painéis que ouvirão o seu caso, criando “riscos óbvios de parcialidade, conflitos de interesses, potenciais más condutas e outros abusos de poder”, de acordo com um relatório da ONU de outubro último, que concluiu que o sistema impediu os Estados de tomarem medidas climáticas, mesmo quando estas eram “necessárias e previsíveis durante décadas”.

O rastreador possui um arquivo de todos os 1.362 casos ISDS arquivados, que mostra que os investidores até agora tentaram reclamar 857 mil milhões de dólares aos Governos nacionais, com 129 reclamações registadas no valor de mil milhões de dólares ou mais.

Ler Mais





Comentários
Loading...