Empresas centenárias: Warre’s – Gestão por consenso

Em que contexto é que a empresa foi fundada e a que necessidades procurou responder?
A Warre’s foi fundada em 1670 por mercadores britânicos e é a mais antiga casa de vinho do Porto de origem britânica estabelecida em Portugal. Segundo a Dun & Bradstreet Portugal, a Warre & Ca é a mais antiga empresa em Portugal com actividade ininterrupta.
O casamento de Catarina de Bragança com o Rei Carlos II do Reino Unido em 1662, reforçou a já longa aliança entre os dois países e criou condições favoráveis (através de vários tratados de comércio) para o aumento das trocas comerciais entre os dois países.
As ilhas britânicas há muito que importavam vinhos portugueses, mas o estado de quase permanente conflito entre Inglaterra e França (este, o principal fornecedor de vinhos daquele) fez com que a Inglaterra procurasse cada vez
mais no seu aliado de longa data – Portugal – uma fonte alternativa de fornecimento de vinho. É neste enquadramento propício a novas oportunidades comerciais que os fundadores da Warre’s decidem estabelecer-se em Portugal.
Cerca de três décadas após estabelecer-se em Portugal, a Warre’s é das casas de vinho do Porto mais bem posicionadas para aproveitar as vantagens adicionais que o Tratado de Methuen (1703) proporcionou à importação de vinhos portugueses para as ilhas britânicas (passaram a pagar tarifas de importação bastante inferiores, comparativamente a vinhos de outros países). Além das puras questões comerciais, os vinhos do Douro alcançavam grande popularidade junto dos consumidores britânicos e durante grande parte do século XVIII as exportações de vinho do Porto cresceram exponencialmente.

Quais os maiores desafios de uma marca centenária? Como se consegue garantir consistência de valores e posicionamento ao longo de décadas?
Entre os maiores desafios é manter uma clara visão de longo prazo de modo a que a empresa crie a robustez para ultrapassar os inevitáveis obstáculos de várias ordens que as vicissitudes do tempo trazem a qualquer ramo de actividade. É fundamental nutrir o espírito de busca da constante melhoria e do desenvolvimento, especialmente nos tempos em que tudo corre bem, para poder fazer face aos tempos mais desafiantes. Outro aspecto imprescindível é manter sempre a fasquia da qualidade muito elevada, quer se trate da qualidade do produto, quer se trate da qualidade do serviço (foco no cliente e profundo conhecimento do mercado). Nunca confundir o lastro que a tradição e o conhecimento podem criar, podendo gerar excesso de confiança e – na pior das hipóteses – a complacência. Não perder muito tempo a celebrar um sucesso – partir logo em busca do próximo.
A consistência de valores inevitavelmente passa pela actuação e postura de todas as pessoas da empresa. É funda-
mental sentirem-se motivadas e respeitadas e que o seu trabalho seja reconhecido. É essencial encorajar o mérito e dar espaço para os colaboradores crescerem dentro da empresa para sentir que o seu contributo faz a diferença e é
valorizado. A consistência de valores e posicionamento passa também pelo relacionamento da empresa a montante (com os seus fornecedores) e a jusante (os clientes). Criar relações fortes, equitativas e duradouras traz naturalmente vantagens e benefícios para todos.

Que práticas de gestão foram fundamentais para o sucesso a longo prazo da empresa?
No caso da Warre’s, e concretamente da Symington Family Estates – que conduz os destinos da Warre’s desde o
início do século XX –, a filosofia de gestão familiar, sempre a pensar no legado que se entrega à próxima geração, tem sido de primordial importância. A chave do sucesso da família é a gestão por consenso, com muito pragmatismo e bom senso, a par da boa preparação dos quadros familiares que ocupam cargos na empresa. Os membros da família que entram na empresa têm primeiro de se provar em outras áreas, não só para mostrarem que são capazes de ocupar cargos de chefia, mas também para enriquecerm a empresa familiar com experiência e conhecimento que trazem de outras áreas de actividade. A formação contínua é, também, altamente valorizada.
Cada elemento de cada nova geração que entra na empresa sente claramente a responsabilidade de dar um contributo que fortaleça a empresa e que permita entregar uma estrutura ainda mais sólida do que aquela que lhes foi confiada. A
Symington é uma empresa de grande sucesso em grande medida porque cada geração conseguiu preservar este espírito de construir para o futuro. Cada geração inspira a seguinte. Outro aspecto muito importante que explica o sucesso da continuidade é o modo da passagem de testemunho, a transição, de geração em geração. Os filhos, sobrinhos, entre outros, aprendem com os pais, tios e primos, havendo sempre um período em que as gerações trabalham em conjunto para que os ensinamentos possam ser transferidos uns para os outros. Esta fórmula permite um bom equilíbrio entre a experiência e a ponderação dos mais velhos e a energia e ambição dos mais novos.
A prioridade dada ao investimento (com a distribuição de dividendos ficando sempre em segundo plano), em novas vinhas, adegas e outro património, também explica o sucesso da empresa. O facto de ser dirigida pela família traz igualmente grande agilidade e flexibilidade à tomada de decisões. Os accionistas são os próprios elementos da família, libertos da necessidade – muitas vezes onerosa e lenta – de reportarem a accionistas distantes que muitas vezes só se preocupam com os dividendos e não com o reinvestimento.

A empresa tem vindo a adaptar-se às mudanças no mercado e à inovação tecnológica. Em que medida?
O sector do vinho do Porto tem sofrido grandes transformações, em particular nas duas últimas décadas em que os volumes de vendas têm vindo a decrescer, mesmo que de forma muito gradual. A família Symington tem sabido valorizar os seus produtos, acrescentando-lhes valor através de bem-sucedidas políticas comerciais (marketing e vendas) e este sucesso reflecte-se no facto das vendas dos vinhos das categorias especiais (Portos premium e super-premium) terem aumentado, compensando uma grande parte das lentas mas graduais perdas nos volumes. Menos volume, mas maior valor: o futuro da produção de vinho em qualquer parte do Mundo passa por esta via.
Outras oportunidades de negócio foram também abraçadas, como a produção de vinhos “tranquilos” (vinhos de mesa secos, não fortificados), não só na Região Demarcada do Douro, mas também no Alentejo, no Minho (subregião de Monção-Melgaço da DOC Vinho Verde) e além-fronteiras, com a compra de 50% de um produtor inglês de vinho espumante.
Continuados investimentos ambiciosos no enoturismo fazem ainda parte da expansão estratégica da empresa.
A Symington é das empresas do sector vitivinícola que mais investe em Inovação e Desenvolvimento, quer na
área da viticultura, quer na área da enologia. A viticultura de precisão que a empresa pratica permite-lhe não só
produzir o melhor vinho possível, mas continuar a produzi-lo de modo sustentável, num contexto desafiante molda-
do pelas alterações climáticas. No ano passado, a empresa inaugurou aquela que será provavelmente a adega mais tecnologicamente avançada do País (Adega do Ataíde, no Douro) e também a mais sustentável (por exemplo, gera toda a sua própria energia através de painéis fotovoltaicos).

De que forma a cultura empresarial contribui para a longevidade da empresa?
A ambição de continuar a ser um dos produtores nacionais de referência, quer no vinho do Porto, quer nos vinhos DOC (Alentejo, Douro, Monção-Melgaço) está subjacente a toda a empresa. Em todos os departamentos promove-se um espírito de excelência que se traduz em resultados visíveis dos quais todos os colaboradores se orgulham. Os vinhos da Symington são dos nacionais mais premiados  em concursos realizados em todo o Mundo (e em Portugal) e esta é, aliás, uma das premissas da empresa – dar a conhecer ao Mundo a excelência dos vinhos de Portugal.

Como é que a empresa mantém a fidelidade dos seus clientes ao longo dos anos?
Aqui é importante diferenciar os dois tipos de clientes que temos: importadores-distribuidores-agentes e o cliente final – o consumidor que entra numa garrafeira ou supermercado e adquire um vinho nosso.
Um dos aspectos mais importantes é o de cimentar relações fortes e duradouras com os distribuidores que representam e trabalham os vinhos da empresa nos vários mercados. A 3.ª geração da Symington que navegou (e sal-
vou) a empresa familiar num dos mais difíceis períodos da sua existência  – pós-Segunda Guerra Mundial – sem-
pre apontou uma das principais razões do sucesso da empresa (nos tempos em que o sector se reerguia) como sendo a teia de relações fortes criadas e cultivadas com os agentes e distribuidores, principalmente na Europa. Muitos destes tornaram-se amigos pessoais, o que fazia toda a diferença no momento de colocar os vinhos no mercado. Manter estes contactos vivos através de muitas visitas ao terreno nos mercados foram sempre importantíssimos. Paralelamente, as visitas destes agentes às quintas da família no vale do Douro revelaram-se sempre momentos fulcrais para cimentar as relações e reforçar a ligação forte às marcas.
Claro que isto não basta e foi sempre preciso apostar em novos produtos, novas abordagens, renovação das gamas e contacto directo com os consumidores finais (em feiras ou provas de vinhos). 

A Warre’s foi pioneira em adoptar uma abordagem diferente na venda de vinho do Porto quando em 1999 lançou o OTIMA 10 Anos, que quebrou todas as regras na embalagem do produto e a forma de o vender. O Warre’s OTIMA arrebatou uma série de prémios, não só de design de embalagem mas também pela criatividade em novas formas de vender e percepcionar o produto. O OTIMA foi muito direccionado ao público feminino e mais jovem para quebrar com os lugares-comuns associados ao vinho do Porto. Trata-se de um Porto versátil, para se beber em qualquer altura (não só após as refeições) e ao longo de todo o ano (não só no Natal). O êxito do OTIMA prenunciou o grande sucesso da categoria dos Portos Tawny (Portos com indicação de idade e colheitas – vinhos de um ano determinado, envelhecidos em pipas de madeira).
A Symington continua a apostar fortemente em New Product Development e tem um número considerável de histórias de sucesso, mas precisaria de mais duas ou três páginas para as enumerar. 

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