Eleições russas começam hoje: conheça o plano final de Navalny para provocar máximo dano a Putin
Apenas 15 dias antes da sua morte numa prisão russa, Alexei Navalvy traçou o último plano para abalar Vladimir Putin nas eleições presidenciais que arrancam esta sexta-feira: mesmo preso numa colónia penal a norte do Círculo Polar Ártico, frequentemente em solitária, o principal opositor político do presidente russo conseguiu transmitir mensagens aos seus apoiantes para formar um plano para mobilizar a oposição a Putin durante o ato eleitoral.
A 1 de fevereiro, deixou uma mensagem na rede social ‘X’ com as primeiras instruções antes da votação presidencial deste fim de semana. “Gosto da ideia de os eleitores anti-Putin irem juntos às assembleias de voto ao meio-dia”, escreveu Navalny. “Ao meio-dia contra Putin.”
O plano era atrativo: o protesto, uma série de ‘flash mobs’ em todo o país, seria nacional, legal e relativamente seguro. “O que podem eles fazer?”, perguntou Navalny. “Vão fechar as assembleias de voto às 12 horas? Organizarão uma ação em apoio a Putin às 10h? Vão registar todos os que compareceram ao meio-dia e colocá-los na lista de pessoas não confiáveis?”
Comparecendo à hora marcada, os russos poderiam expressar a sua desaprovação e expor a votação – destinada pelo Kremlin a proporcionar a aclamação final de Putin após o seu ataque à Ucrânia – como falsa.
A morte de Navalny, pouco mais de duas semanas depois, deu um novo impulso ao movimento. Depois de milhares de russos terem enfrentado o frio e as autoridades na fila durante o seu funeral, o apelo de Navalny foi atendido pela sua viúva e herdeira política, Yulia Navalnaya. “Alexei apelou às pessoas para participarem neste protesto e é por isso que para mim, pessoalmente, isto é tão importante”, sustentou, apelando aos russos para se juntarem ao evento “por Navalny”. “Quero fazer o que ele achou certo.”
“Mesmo na morte, Navalny está a causar danos máximos a Putin”, referiu Maxim Reznik, um colega político da oposição de quem Navalny adotou a ideia ‘Meio-dia Contra Putin’. “Ele deu toda a sua vida pela nossa liberdade”, referiu. “A última coisa que ele fez foi pedir-nos pedir 30 minutos.”
Na votação deste fim de semana, Putin – sem opositores – concorre contra o seu passado. O presidente russo – que chegou ao poder em 1999 e nunca participou num único debate eleitoral – pretende superar o seu desempenho nas últimas eleições em 2018, quando a contagem oficial lhe deu um recorde de 77% dos votos. Seria a afirmação pública de uma ideia de Putin, que salientou no discurso do Estado da Nação, em fevereiro último, que a guerra na Ucrânia é apoiada por uma “maioria absoluta de russos”.
A vitória garantida de Putin, garantem os especialistas, vai fazer aumentar a sua confiança antes do que poderá ser uma nova escalada da repressão e, possivelmente, uma segunda campanha de mobilização para a guerra na Ucrânia. “O objetivo é fazer com que tudo pareça real e criar a aparência de apoio da maioria, para obscurecer aos olhos dos russos e do mundo exterior o facto de que Putin não tem o direito legal de participar nestas eleições, em primeiro lugar”, garantiu Ekaterina Schulmann, analista política russa do Carnegie Russia Eurasia Center, em Berlim, citada pelo jornal ‘POLITICO’. “Este ritual está a ser mantido porque é assim que tem sido feito nos últimos 25 anos”, acrescentou. “É uma forma do sistema pressionar ‘Control+S’, para se salvar novamente.”
O Kremlin está a utilizar todas as ferramentas à sua disposição para alcançar o resultado desejado. Implantou incentivos: em muitas regiões, a votação funciona como uma lotaria, com prémios que vão desde créditos de transporte público e vales de café até carros ou apartamentos. E acenou com represálias: funcionários públicos, funcionários de empresas estatais e estudantes foram estritamente obrigados a votar. Os russos em 29 regiões estão a ser instados para votar eletronicamente ao longo dos três dias do ato eleitoral.
Depois, o boletim em si: além de Putin, os eleitores poderão escolher entre três outros nomes, o que se tornou na lista presidencial mais curta da história moderna da Rússia. “O que estamos prestes a ver é na verdade uma ‘operação eleitoral especial’ pela qual Putin renomeia Putin”, indicou Reznik, político da oposição, exilado em Vilnius.
A operação ‘Meio-dia Contra Putin’ de Navalny é, de facto, uma das poucas opções que restam aos russos que se opõem a Putin a registar o seu descontentamento. “Durante o funeral de Navalny, as pessoas perceberam que são muitas e que há uma maneira de mostrarem que a sua opinião conta”, referiu Duntsova, uma das candidatas presidenciais que foi barrada. “Na Rússia de hoje, as filas tornaram-se um símbolo de dissidência, uma forma de expressar a sua posição cívica.”
As autoridades russas, entretanto, já estão a tomar medidas de precaução: o site utilizado pela equipa de Navalny para promover os ‘flash mobs’ foi bloqueado; de acordo com os media da oposição, os funcionários públicos têm instrução explícitas para votar em dias e horários específicos, especialmente hoje. Em várias cidades russas, foram anunciadas festividades antes da Quaresma Ortodoxa ao meio-dia de domingo, provavelmente para desviar a atenção do ‘flash mob’.
“Não estou a dizer que nós, tal como os polacos, podemos derrubar o regime”, concluiu Reznik. “Mas o mínimo que podemos fazer é mostrar que o imperador está nu.”