Os resultados das eleições alemãs deste fim de semana podem ter um impacto significativo no debate sobre a energia nuclear na União Europeia (UE), uma questão que há décadas divide os Estados-membros. A possível chegada ao poder de Friedrich Merz, líder do partido conservador de centro-direita, poderá alterar o posicionamento da Alemanha, país historicamente contrário à energia atómica, e abrir caminho para políticas mais favoráveis ao setor no bloco europeu.
Merz, cujo partido obteve o maior número de votos nas eleições de domingo, já expressou a intenção de suavizar a posição alemã em relação à energia nuclear, o que pode destravar um impasse que há muito bloqueia avanços na política energética da UE.
Embora a energia nuclear seja uma fonte de eletricidade de baixo carbono, não tem recebido o mesmo apoio institucional que outras fontes renováveis, como a eólica e a solar. A Alemanha tem sido um dos países mais ativos na oposição a essa mudança, argumentando que os riscos associados à segurança, ao armazenamento de resíduos e aos custos elevados superam os benefícios. No entanto, para os países pró-nucleares, que incluem cerca de uma dúzia de capitais europeias, um governo alemão menos hostil à energia atómica pode ser um ponto de viragem.
“Estamos atentos ao facto de a Alemanha ter liderado o grupo anti-nuclear,” afirmou um diplomata europeu favorável à energia atómica, sob condição de anonimato. “Sem a Alemanha, penso que eles vão perder força. Isto pode ser o ponto de viragem para acabar com esta disputa ideológica.”
O bloco pró-nuclear, liderado pela França, tem defendido com insistência o reconhecimento da energia nuclear no quadro das políticas energéticas da UE. Para estes países, a exclusão da energia nuclear das estratégias europeias é uma falha injustificada, especialmente num contexto de preços elevados da eletricidade, que afeta indústrias e consumidores em toda a Europa.
A relevância do debate aumentou nos últimos anos, especialmente após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, que levou a uma crise energética na Europa. Apesar desse novo contexto, a indústria nuclear continua a enfrentar dificuldades. A EDF, empresa estatal francesa e o maior operador nuclear europeu, enfrenta elevados níveis de endividamento e perdeu recentemente várias oportunidades para construir novas centrais nucleares.
“É um momento de tudo ou nada”, afirmou Phuc-Vinh Nguyen, especialista em energia nuclear do Instituto Jacques Delors, em Paris. Para Nguyen, a forma como a energia nuclear será tratada nos próximos planos económicos e energéticos da UE “vai, em grande medida, definir os próximos 10 a 15 anos para o setor”.
Esse debate ganha ainda mais urgência com a apresentação iminente do novo plano da Comissão Europeia, o Clean Industrial Deal, destinado a apoiar as indústrias em dificuldades, bem como um conjunto de medidas para reduzir os preços da energia.
A posição de Merz contrasta com a da sua antecessora conservadora, Angela Merkel, que decidiu encerrar progressivamente as centrais nucleares alemãs após o desastre de Fukushima, em 2011. A Alemanha concluiu esse processo em plena crise energética em 2022, uma decisão que Merz classificou como “um grave erro estratégico”.
Apesar de ter recuado na promessa de reabrir as centrais já encerradas, o líder conservador defende que a Alemanha deve colaborar com a França no desenvolvimento de pequenos reatores modulares (SMRs), uma tecnologia nuclear emergente. O programa do seu partido também prevê o incentivo à investigação nesta área.
Caso um governo liderado por Merz adote uma posição mais branda sobre a energia nuclear, isso poderá ser fortemente sentido em Bruxelas. “Para nós, seria um bom sinal,” afirmou um diplomata da UE. “Sempre que surge uma proposta, temos de perder tempo a debater a questão nuclear, e isso é um desperdício de recursos.”
Até mesmo diplomatas de países mais céticos em relação à energia nuclear reconhecem que uma mudança na política alemã poderia ajudar a aliviar as tensões. “Espero que o debate sobre a energia nuclear se torne menos divisivo,” afirmou outro diplomata europeu. “Se houver menos oposição frontal, a discussão será mais pacífica.”
A mudança de postura da Alemanha também fortaleceria a posição dos países pró-nucleares na UE, facilitando a aprovação de medidas que consolidem o papel da energia nuclear na política energética do bloco. Com menos resistência de Berlim, países como Áustria e Luxemburgo, que também se opõem à energia atómica, teriam mais dificuldade em travar avanços legislativos favoráveis à energia nuclear.
Caso se concretize, essa mudança poderá refletir-se em várias iniciativas legislativas da UE, incluindo a definição das metas climáticas para 2040, a regulamentação do hidrogénio de baixo carbono e novos fundos ligados à competitividade europeia.
Além disso, a indústria nuclear espera que a Comissão Europeia passe a incluir a energia atómica no Clean Industrial Deal e nas medidas para reduzir os preços da energia. Yves Desbazeille, diretor-geral do grupo de lobby Nucleareurope, reforça essa expectativa: “Isso ajudaria os países pró-nucleares a atingir a meta de aumentar a capacidade instalada em 50% até 2050” – um objetivo que, segundo especialistas, é extremamente ambicioso.
No entanto, documentos preliminares do novo pacote energético da Comissão Europeia, obtidos pelo Politico, mostram que a energia nuclear foi excluída de várias iniciativas, incluindo regras para ampliar os apoios estatais e contratos energéticos industriais financiados pela UE. Esse tratamento gerou forte descontentamento entre os países pró-nucleares e representantes da indústria.
“Consideramos que o texto pode – no mínimo – ser melhorado,” afirmou Desbazeille, sublinhando a frustração do setor com a contínua marginalização da energia nuclear no planeamento energético europeu.
Com os novos equilíbrios políticos na Alemanha e a pressão crescente dos países favoráveis à energia atómica, o futuro da energia nuclear na UE pode estar prestes a entrar numa nova fase.














