E se todas as bebidas alcoólicas tivessem um aviso para o risco de cancro? Há um país onde vai ser assim em breve
A indústria global de bebidas alcoólicas está a ser sacudida por uma decisão irlandesa que promete revolucionar a forma como o álcool é consumido e percecionado. A partir de 2026, as garrafas de cerveja, vinho e bebidas espirituosas vendidas na Irlanda serão obrigadas por lei a ostentar um rótulo vermelho com letras maiúsculas a alertar: “HÁ UMA LIGAÇÃO DIRETA ENTRE ÁLCOOL E CANCROS FATAIS” e “O CONSUMO DE ÁLCOOL CAUSA DOENÇAS NO FÍGADO”.
Esta medida pioneira, legislada no ano passado, é apoiada por décadas de investigação científica e vai muito além do que qualquer país comunicou até agora sobre os riscos para a saúde do consumo de álcool. A iniciativa, embora aplaudida por especialistas em saúde pública, tem gerado uma forte oposição por parte da indústria de bebidas alcoólicas em todo o mundo.
“É um passo importante”, afirmou o Dr. Timothy Naimi, diretor do Canadian Institute for Substance Use Research da Universidade de Victoria. “As pessoas que bebem têm o direito de saber informações básicas sobre o álcool, tal como acontece com outros produtos alimentares e bebidas.”
Na Tailândia, o governo está nas fases finais de elaboração de uma regulamentação que exigirá que os produtos alcoólicos apresentem imagens gráficas acompanhadas de avisos como “as bebidas alcoólicas podem causar cancro”, segundo o Bangkok Post. Em Portugal, há já vozes que sugerem medidas semelhantes, enquanto a indústria de bebidas alcoólicas manifesta preocupação com a iniciativa irlandesa, referindo que os rótulos propostos são “desproporcionados e imprecisos”, tendo como principal objetivo assustar as pessoas.
Cormac Healy, diretor da Drinks Ireland, admitiu que o setor não é totalmente contra os avisos de saúde, mas critica o tamanho exigido para os rótulos, considerando-o impraticável para produtos de menor dimensão.
A relação entre álcool e cancro é bem estabelecida. Em 1988, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Cancro da Organização Mundial de Saúde concluiu que o álcool é carcinogénico para os humanos. Pesquisas subsequentes reforçaram esta conclusão, abrangendo cancros da mama, fígado, cólon e esófago. No entanto, apesar da evidência científica, a consciência pública sobre esta relação é ainda limitada. Em Portugal, tal como nos Estados Unidos, uma recente sondagem nacional revelou que apenas cerca de um terço dos inquiridos estava ciente de que o consumo de álcool aumenta o risco de cancro.
A Irlanda já demonstrou anteriormente o seu compromisso com políticas públicas agressivas em prol da saúde. Em 2004, tornou-se o primeiro país a proibir fumar em locais fechados, uma política desde então adotada em mais de 70 países. Esta nova exigência relativa aos rótulos de álcool poderá ser o início de uma mudança semelhante na forma como as bebidas são embaladas e um meio para aumentar a consciencialização sobre os perigos do consumo de álcool, por mais pequena que seja a quantidade.
Apesar da resistência da indústria de bebidas alcoólicas, a Irlanda mantém-se firme na sua decisão. Dr. Gauden Galea, conselheiro estratégico da Organização Mundial de Saúde, está confiante de que esforços mais amplos de rotulagem acabarão por ter sucesso. Como afirmou Galea, “As pessoas não vão recordar o tempo em que era necessário um aviso sobre pesticidas, mas podia vender-se um carcinogénico como o álcool sem impunidade”. E com isto, talvez a indústria das bebidas alcoólicas tenha de se adaptar a um novo normal.