É imune à crise do setor automóvel? Os três segredos da Ferrari que lhe permitiram crescer 35% perante a ‘sangria’ das marcas europeias
O setor automóvel na Europa atravessa uma crise sem precedentes, com problemas em cima de problemas: foram os preços da energia, depois as taxas de juro elevadas, agora a queda na procura, o que prejudicou gravemente as margens de lucro. A invasão em grande escala de veículos chineses está a destruir a rentabilidade numa corrida de alta tensão, sendo que a chegada de Trump à Casa Branca, assim como as promessas de tarifas, não vai ajudar. Um verdadeiro cocktail explosivo para o setor que acabou mesmo por gerar uma verdadeira crise.
Assim, registaram-se até agora verdadeiros colapsos nos mercados bolsistas em 2024: Volkswagen, BMW, Stellantis e Mercedes perderam, respetivamente, 28, 29, 45 e 15%. Neste universo de queda, há uma marca automóvel que se tornou exceção, sendo que este ano ganhou 35% no seu valor e não pára de melhorar…
A Ferrari conseguiu construir grandes muros que a protegeram de todas e cada uma das ameaças mencionadas: no seu caso, a natureza do negócio, o poder da marca e o seu público são as chaves para que se tenha tornado a grande exceção à crise automobilística.
Imune à China
O principal problema que o setor motor europeu tem encontrado é a grande dependência da China, cujo crescimento e sobreprodução de automóveis está a destruir as perspetivas de empresas como a Volkswagen, para a qual o país asiático é responsável por 25% do seu volume de negócios. Outras empresas como Mercedes ou Stellantis apresentam números semelhantes. No entanto, a China é apenas uma fração muito pequena da Ferrari: o país asiático não representa sequer 9% da sua quota de negócios a nível mundial, liderado principalmente pelos EUA, que respondem por 28%.
Ou seja, isso permitiu à Ferrari vender apenas 2% menos carros nos seus últimos e controversos resultados, apesar de o volume de negócios na China ter caído 29% – na verdade, o lucro da marca italiana aumentou 7%. Mesmo vendendo menos automóveis, as receitas totais aumentaram 7% para 1,73 mil milhões de euros (no terceiro trimestre). Como isso é possível? Graças ao enorme poder de ‘precificação’ que a marca adquiriu.
Enquanto as restantes empresas competem para manter a sua quota de mercado, a Ferrari pode permitir-se aumentos ostentosos de preços sem que os seus clientes pestanejem. Consequentemente, “a nossa perspetiva positiva para carros superluxuosos permanece intacta, embora as entregas tenham sido escassas”, apontaram os analistas da ‘Bloomberg Intelligence’.
Trump ‘não importa’
“Os ricos não choram”. Essa é uma das razões pelas quais os analistas consideram o outro grande problema praticamente resolvido: Donald Trump. A empresa europeia mal se moveu com a vitória de Trump, apesar de este ter prometido uma tarifa universal de 10% e antes das eleições ter apontado diretamente para a Europa. No entanto, “o problema da Ferrari é que, se for uma tarifa de 10%, 20% ou 30%, provavelmente poderá repassá-la facilmente para o preço ao consumidor, tendo em conta o cliente a quem se destina. Se alguém quer comprar um Ferrari, não olha ao preço.”
Isto foi claramente visto no supercarro F80 lançado em outubro. Como destacou Edmond Rothschild, “os novos supercarros aparecem a cada 10 anos para mostrar a tecnologia avançada desenvolvida pelo departamento de alto desempenho da empresa”. No entanto, a empresa italiana surpreendeu a todos com o preço dos modelos 799, que custará 3,9 milhões de euros. “O número de carros a serem construídos e o preço superaram em muito as expectativas e as ações subiram. A Ferrari já alcançou resultados muito bons neste ano, superando em muito o resto do setor automóvel.”
A vitória verde da Ferrari
Os analistas acreditam que a Ferrari é uma das empresas de automóveis de luxo mais bem preparada para a renovação dos veículos elétricos. A 27 de setembro último, a marca do ‘Cavallino Rampante’ anunciou que havia preparado o seu primeiro supercarro totalmente elétrico para o quarto trimestre de 2025. Segundo a empresa, o modelo está “totalmente no caminho certo”.
Apesar de chegar muito tarde e de se considerar um dos considerados ‘derrotados’ da transição verde, a Ferrari tem conseguido recuperar o tempo perdido e, de facto, o seu ‘atraso’ pode até ser uma boa notícia – empresas como Stellantis ou Volkswagen que anteriormente optaram por EV enfrentaram grandes problemas de concorrência e desaceleração nas vendas. Assim, a Ferrari alcançaria um mercado mais “maduro” e manteria essa posição como uma “marca de luxo”, permitindo-lhe escapar às dificuldades da guerra de preços.