“É importante que nunca se perca a motivação do empresário, a história e o propósito”, diz António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais

Num mundo em constante mudança, a construção não é apenas sobre erguer edifícios e estruturas, mas também sobre garantir um futuro mais sustentável para as gerações vindouras. E é para esse futuro que o Grupo Casais tem trabalhado, apoiado numa história de décadas e numa herança familiar.

Estrada fora chegamos a Mire de Tibães, uma pequena freguesia do município de Braga, com pouco mais de 2.000 habitantes. Logo após a placa de entrada, deparamo-nos com uma imponente fábrica que não passa despercebida. Chegamos à Casais.
De portas abertas somos recebidos e sentamo-nos para uma conversa no meio de uma sala de trabalho com António Carlos Rodrigues, CEO do Grupo Casais, que logo nos quer dar a conhecer a história e o percurso desta empresa familiar.
O Grupo Casais tem uma vida ligada à construção desde o tempo do bisavô do empresário, o que significa que a história familiar ligada a este sector tem quase uma centena de anos de existência.
Criada oficialmente a 23 de Maio de 1958 com a designação de “António Fernandes da Silva & Irmãos, Lda”, a Casais adoptou em 1991, como marca a alcunha de família do Mestre António Casais, transformando-se em “Empreiteiros Casais de António Fernandes da Silva S.A”. 

Actualmente nas mãos da 2.ª e 3.ª gerações da família, o Grupo Casais tem vindo a ampliar a sua área de actuação, alargando para além dos sectores de engenharia e construção, e adicionando as áreas de especialidades e indústria, bem como promoção e gestão de activos.
«Não há nenhum grupo em Portugal que tenha o nosso modus operandi. Somos um conjunto de 104 empresas, a nível nacional e internacional, temos actividade industrial, ou seja, qualquer elemento que seja necessário para um edifício, temos competência interna para o desenvolver», garante António Carlos Rodrigues.
O empresário sublinha que sabem aproveitar a capacidade instalada da empresa. «Esse é um elemento distintivo em termos de organização, que só é possível porque temos os anos que temos, fomos evoluindo nessa complexidade, na questão da gestão de diversas geografias e empresas. É fruto desse nosso percurso.»

Além-fronteiras
A visão de crescimento levou o Grupo mais longe, além-fronteiras. O processo de internacionalização começou em 1994, com a entrada na Alemanha, e estende-se hoje a 17 mercados: Portugal, Alemanha, Angola, Argélia, Bélgica, Brasil, Emirados Árabes Unidos (Abu Dhabi e Dubai), Espanha, Estados Unidos da América (Texas), França, Gana, Gibraltar, Holanda, Marrocos, Moçambique, Qatar e Reino Unido.
«Para sermos competitivos num determinado mercado, pois estamos num negócio muito regional, é necessária a proximidade com os fornecedores, com os subempreiteiros, com as entidades licenciadoras e reguladoras», explica António Carlos Rodrigues.
O empresário destaca que a maior obra a nível internacional do Grupo Casais foi a construção de um hospital em Angola, que já está terminado, e que custou 200 milhões de euros. Para além deste, destaque para um conjunto de 600 apartamentos em Gibraltar em torres com 30 pisos, um projecto do Governo ligado a uma iniciativa de habitação acessível.

Desafios
A nível pessoal, António Carlos Rodrigues considera que um dos maiores desafios é o facto de ter tempo para cinco coisas na vida – trabalho, dormir, fitness, amigos e família – mas apenas poder escolher três delas onde consegue ser “intenso”. «Quando se quer ter um nível de intensidade grande, tem que haver um trade off.» No entanto, garante que tenta conjugar as cinco ao máximo.
Já do ponto de vista enquanto empresário, vê a Casais como uma organização focada em agregar valor, não se limitando a prestar serviços. E na procura pela complementaridade, há um factor que tem sido um dos principais focos da empresa, a questão da sustentabilidade.
A pressão por edifícios cada vez mais eficientes em termos energéticos e de recursos, à medida que as normas ambientais se tornam mais rigorosas, exigem que as empresas sejam cada vez mais ágeis e se consigam adaptar às necessidades e tendências do mercado.

Além disso, a necessidade de reduzir as emissões de carbono e minimizar o desperdício de materiais coloca uma pressão adicional sobre as empresas de construção. A falta de conscientização e conhecimento sobre práticas construtivas sustentáveis também é um desafio, pois muitas empresas ainda precisam ser educadas sobre as vantagens económicas e ambientais da construção sustentável.
À medida que a sustentabilidade se torna uma prioridade global, é fundamental entender como o sector da construção se adapta e contribui para este movimento. A Executive Digest falou com António Carlos Rodrigues, para explorar os esforços da empresa para reduzir o seu impacto ambiental, promover práticas construtivas sustentáveis e contribuir para a alteração do paradigma no setor.

Como analisa o mercado da construção em Portugal?
O mercado da construção em Portugal foi bastante penalizado depois da crise de 2008. No pico, chegámos a ter cerca de 700 mil trabalhadores, número que caiu abaixo dos 200 mil, e actualmente estamos com cerca de 300 mil trabalhadores no sector.
No que respeita à habitação, no pico, em 2001, estávamos a fazer 114 mil fogos por ano, e quando bateu no fundo, em 2014, caiu a produção de habitação para 14 mil fogos por ano, esendo que hoje devemos estar nos 30 mil.
Houve uma degradação muito grande da capacidade instalada, muitas em-
presas desapareceram, muitos profissionais foram para outros sectores e já não regressam.

Estamos também mais expostos, e acho que, mais uma vez, corremos o risco de perder muita mais capacidade instalada porque, devido ao que está a acontecer no que respeita à sustentabilidade, vai haver uma grande separação de quem são as empresas que se sabem reinventar para os requisitos de uma empresa do nosso sector.
Aí, ainda existe uma grande diferença daquilo que nós fazemos e do que se faz a nível europeu. A verdade é que estamos 20 anos atrasados. As empresas, se não começarem já a fazer todo esse processo de transição, podem ver-se impedidas de actuar no mercado e de verem desaparecer clientes gradualmente.

O que pode ser feito pelas empresas e pelo Governo para inverter a tendência?
Têm de dar o exemplo.
Saiu nesta reformulação legislativa a obrigatoriedade para o BIM (Building Information Modelling), mas já devia ter saído mais cedo. Por exemplo, no Reino Unido já é obrigatório nos projectos públicos desde 2016. Há coisas que têm de ir pela via da regulamentação.
Devemos perceber que se esta é uma tendência, temos de a assumir, temos de a legislar, e isso deveria ter um efeito no investimento privado, sendo que as empresas iriam aí investir na sua formação e capacitação internas.

E essa obrigatoriedade não poderia fazer cair mais empresas do sector?
Não, porque há sempre um período de adaptação. As empresas devem ter a capacidade de perceber quais são as tendências do mercado.
A parte da regulamentação é essencial, como dizia, a segunda parte importante é a da contratação, ou seja, se o próprio Estado não contratar e exige um determinado tipo de parâmetros do ponto de vista ambiental, por exemplo, é muito difícil esperar e perceber quem terá iniciativa.
Para mim, a sustentabilidade é um exemplo muito claro. Por exemplo, o primeiro edifício que concluímos em Guimarães teve de ser um investimento nosso, porque se estivéssemos à espera que os nossos clientes nos encomendassem um edifício com aquelas características, diria que teríamos que esperar mais 10 anos. Tivemos de tomar a iniciativa, tal como o estamos a fazer com um hotel em Espanha, nos mesmo moldes, um investimento nosso, e que acaba por ser a nossa entrada num mercado difícil, pois não há muitas empresas portuguesas a operar naquele país.
Continuo ainda a não sentir, do lado dos nossos clientes promotores, aquela vontade inequívoca de que o próximo projecto venha a ser um projecto sustentável. A questão é sempre que o cliente final ainda não valoriza, que ainda vai ser caro, que ainda é desconhecido…

E isso é ainda um entrave, a questão de que um projecto sustentável pode ainda ser mais caro?
Se pensarmos na própria palavra sustentabilidade, está relacionada com o uso mais racional dos recursos. Por exemplo, aqui na fábrica conseguimos reaproveitar o desperdício, portanto se conseguirmos reduzir esse desperdício, conseguimos reduzir a despesa, logo, tem de ser mais barato.
Claro que é necessário a escala. Uma fábrica como a nossa precisa de ter encomendas contínuas, porque uma fábrica em standby tem um custo brutal, e esse tem sido um dos desafios desta área.
Recordo-me de uma empresa britânica que fez há algum tempo um investimento de 200 milhões de euros em construção modular, e acabou por falir.
Aqui, a escala é o único factor que faz com que a equação se torne competitiva e ainda mais barata. Acredito que a sustentabilidade vai dar origem a uma construção ainda mais eficiente e a um preço mais competitivo.
Também assumimos junto dos nossos clientes, sabendo que estamos a amortizar um investimento grande, que o investimento não será mais caro, que fazemos ao mesmo preço do tradicional, sabendo que estamos a investir na captação dessa escala.
Estamos mesmo a investir, apostando numa equivalência de preço, porque sabemos que esse é o factor decisivo para ter a escala que necessitamos.

É difícil encontrar recursos humanos para este sector?
Há uma parte da equação difícil de gerir que é a quantidade de pessoas que se está a reformar. Mas isso acontece na Casais como noutras empresas. Assim, a nossa capacidade instalada daqui a cinco anos vai ser menor da que é hoje.
Claro que podemos apostar, e estamos a apostar, num tipo de profissional diferente, que requer também um tipo de método construtivo diferente.
Por exemplo, estamos a converter e a substituir serventes e operários em obra, em que o salário deles nunca há-de crescer potencialmente para além do valor do que é feito, por trabalho de assemblagem. Ou seja, a alguém que monta uma parede, que vale 20 vezes mais do que o tijolo que aplicava, é possível pagar melhores salários.
Essa conversão vai ser positiva, mas isso de nada resolve se toda a indústria continuar a trabalhar da forma tradicional. Ninguém consegue atrair um jovem para lhe dar para a mão um martelo e uma picareta, e dizer-lhe para fazer argamassa e carregar baldes de cimento. 

Não é uma função atractiva, pelo que todas as outras funções fora da nossa indústria acabam por ser mais apelativas e mais limpas. Assim, temos de ter funções que valorizem mais a pessoa.
Estamos a apostar muito nessas formações, agora com o apoio a mestrados em design, robótica, arquitetura, engenharia, através de parcerias com a Universidade do Minho, ou com o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA).
Temos também um projecto em que estamos a pagar as propinas de 17 alunos durante dois anos em tecnologias avançadas de construção, além de termos um mestrado em construção sustentável. 

São os colaboradores da Casais a tirar essas formações?
No caso do IPCA foi aberto o curso e patrocinamos. Eram pessoas que estavam no mercado e acharam interessante o tema.
Alguns dos programas são montados pelas empresas para ter uma empregabilidade garantida maior do que outro tipo de formações mais genéricas.

Já falamos várias vezes de sustentabilidade. Como se aplica ao sector da construção?
Quando falamos em sustentabilidade, pensamos em colocar iluminações LED, painéis solares, mas é muito mais do que isso. No caso da construção, quando juntamos não só a fase de execução da obra, mas também o período de vida útil do edifício, estudos mostraram que representamos 37% das emissões de gases com efeito estufa, é um peso muito grande.
Somos o terceiro maior poluidor. À nossa frente só está o sector da energia e o dos transportes, sendo que esses dois estão a fazer investimentos massivos, pelo que vai ser por nosso próprio demérito que corremos o risco de ser o patinho feio das emissões. 

Por isso, quando olhamos para a construção, há duas coisas fundamentais a ter em conta e uma delas é a utilização de recursos naturais. Somos muito extractivos. Para fazer um edifício em betão temos de ter pedreiras, extrair calcário, algo que não se regenera. E quando esse edifício esgota o tempo útil de utilização resta demoli-lo e, para isso, é necessária também muita energia.
Quando olhamos para tecnologias que utilizam um material regenerável como a madeira, temos ainda muitos preconceitos, porque há erros de conceito e se pensa que se vai cortar mais floresta. Não, toda a madeira utilizada é de florestas sustentáveis, ou seja, uma floresta planeada, onde se corta a madeira, se replanta, se faz mapeamento das espécies, é uma floresta produtiva.

Temos de investir na floresta, mas ninguém vai investir na floresta se não tiver retorno. Quanto mais aquecido estiver o imobiliário, mais transferência de valor estamos a fazer para o sector das matérias-primas.
E o que conseguimos fazer com este tipo de materiais? Conseguimos fazer soluções com ligações reversíveis, ou seja, com uma solução em madeira e betão posso desmontar e reaproveitar, podendo dar aos materiais uma segunda vida.
Ou seja, por um lado utilizamos menos recursos, utilizamos recursos naturais, e por outro pensamos na economia circular, permitindo que os produtos tenham vários ciclos de vida.
Gostaria também de apelar ao consumidor final para desmistificar esta questão da sustentabilidade. Se quisermos ter um papel transformacional e começarmos todos a afirmar que queremos promover a sustentabilidade, é o suficiente para que a indústria perceba que tem de investir na transformação, neste tipo de materiais, na floresta, ou seja, indirectamente podemos todos acelerar esse processo da indústria.

E qual o papel das lideranças neste processo?
Temos uma empresa com um conjunto de valores e uma cultura e sabemos que, seja qual for o modelo de negócio, pode surgir amanhã uma circunstância que altera todo o fundamento desse mesmo modelo de negócio. Uma empresa que não seja capaz de se ajustar tem uma vida útil mais curta.
Acho que uma característica fundamental da liderança é conseguir criar uma organização. Para isso, é importante que consigamos ter e preservar algo que crie essa atractividade, ou seja, a cultura e os valores.
Outro aspecto é a importância das parcerias e da inovação. O espírito inconformado de procurar estar sempre a aprender, a curiosidade constante, é essencial para que uma empresa consiga direccionar-se.

E qual é a receita para o sucesso de uma empresa familiar?
Há muitas que são bem-sucedidas e outras que o conseguem menos bem. À medida que vamos acrescentando gerações, a determinada altura devemos saber separar o que é a família e o que é a parte profissional, ou seja, é importante a profissionalização de uma empresa familiar.
Mas é importante também que elas nunca se tornem ausentes e tratem os activos como mero activo financeiro. É importante que nunca se perca a motivação do empresário, a história e o propósito. 

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