Durante 70 dias os EUA são liderados por “patos coxos”: por que se multiplica o risco de caos entre a saída de Biden e entrada de Trump?
O sistema parlamentar do Reino Unido é admiravelmente rápido: depois de uma nova maioria eleitoral em Westminster, nunca deixa de surpreender – até o gato ‘Larry’, que aos seus veneráveis 17 anos já viu quase tudo – a velocidade com que a carrinha de mudanças chega ao número 10 da Downing Street.
‘Larry’ mora em Downing Street há 13 anos, já vai no seu sexto primeiro-ministro: nascido em 2007, foi adotado no abrigo Battersea Dogs and Cats Home, em Londres, pela equipa de Downing Street para ser o animal de estimação dos filhos do então primeiro-ministro David Cameron. Desde então, já viu cinco primeiros-ministros: além de Cameron (2010-2016), Theresa May (2016-2019), Boris Johnson (2019-2022), Liz Truss (2022), Rishi Sunak (2022-2024) e, agora, Keir Starmer.
Esta é a realidade britânica: do outro lado do Atlântico, o sistema presidencialista como o dos Estados Unidos tem um ritmo de transição muito mais lento. De facto, entre as eleições de novembro e a substituição a 20 de janeiro, os presidentes americanos ficam conhecidos como “patos coxos”.
Em política, um “pato coxo” ou político cessante é uma autoridade eleita cujo sucessor já foi eleito ou será em breve. É muitas vezes visto como tendo menos influência sobre outros políticos devido ao tempo limitado que resta no cargo. Por outro lado, um “pato coxo” é livre de tomar decisões com pouco receio das consequências, como emitir ordens executivas, indultos ou outros decretos controversos.
De acordo com o jornal espanhol ‘ABC’, o paradoxo deste interregno prolongado é que o presidente cessante, apesar da sua óbvia data de expiração, mantém intactos todos os seus poderes e influência. Como o próprio Donald Trump demonstrou dramaticamente há quatro anos com o ataque ao Capitólio.
Joe Biden tomou também uma decisão importante: permitir que a Ucrânia lance ataques limitados contra a Rússia utilizando mísseis de longo alcance fabricados nos EUA. Uma medida que Washington tem evitado tomar por temer uma escalada, mas que finalmente se materializou após o envio de milhares de tropas norte-coreanas em apoio da Rússia e a ofensiva em curso contra as cidades ucranianas.
Em circunstâncias normais, as transições na Casa Branca nunca são fáceis, em parte porque são invulgarmente longas. Durante mais de 70 dias, a maior potência do mundo encontra-se numa zona de penumbra presidencial. Um interregno que no caso de Joe Biden e Donald Trump é especialmente perigoso porque coincide com as guerras que assolam a Europa e o Médio Oriente, e o risco de um terceiro conflito na Ásia.
Por vezes, estes interregnos representam oportunidades de compreensão. Mas as próximas semanas têm todas as hipóteses de transformar os problemas em tragédias. Tanto Netanyahu como Putin estão bem conscientes do calendário eleitoral dos EUA. E o irascível e impaciente Trump apenas multiplicou toda esta perigosa incerteza ao travar uma guerra sozinho a partir de Mar-a-Lago.