Do setor automóvel, à banca, passando pela tecnologia: os gestores portugueses que estão a dar cartas no mundo

Nota: Este artigo foi publicado na edição impressa da Executive Digest, em Outubro de 2021

Seja na área tecnológica, financeira ou automóvel, os portugueses estão, cada vez mais, a dar cartas lá fora. Daniela Braga, a CEO da DefinedCrowd, é uma das mais recentes a integrar esta lista. Graças à sua liderança e espírito empreendedor foi escolhida para ajudar a Casa Branca a delinear a estratégia para a Inteligência Artificial.

No sector financeiro, é impossível não falar de Domitília dos Santos, gestora de referência num dos maiores bancos mundiais, o Morgan Stanley. É nesta firma que se encontra e onde constituiu uma equipa de profissionais especializados em aconselhamento de gestão de activos financeiros, o The dos Santos Group, composto por um núcleo de especialistas, focando-se na gestão de activos dos seus clientes.

O sector industrial conta também com vários nomes de portugueses no topo: Miguel Patrício, que está à frente de uma das maiores empresas mundiais no sector da alimentação (Kraft Heinz) e Carlos Tavares (Stellantis), líder de um gigante automóvel. Quem também trabalha na Ásia é Inês Caldeira. A executiva da L’Oréal descobriu a Tailândia em 2005 quando foi fazer uma campanha publicitária.

A história do país, as pessoas, a parte espiritual e, claramente, a própria dimensão do mercado da beleza foram decisivos na hora em que deixou Lisboa rumo ao Oriente. Apresentar os pais (dois imigrantes portugueses) a Barack Obama, na Sala Oval, foi um dos melhores momentos pessoais na sua carreira.

David Simas decidiu ser advogado em criança quando viu em acção o jurista que defendeu a sua mãe depois de esta ter tido um acidente a trabalhar numa fábrica. Hoje, é o CEO da Fundação Obama e um dos homens mais próximos do antigo presidente norte-americano. Criador de uma Fundação com o seu próprio nome, José Neves, o líder da Farfetch descobriu que gostava de programar quando recebeu de prenda de Natal um ZX Spectrum. Aos oito anos estudou de fio a pavio o manual de instrução que vinha com o computador e, aos 19, criou a primeira empresa – de produção e desenvolvimento de software. Começou com clientes do mundo da moda e não tardou a sentir-se atraído pelo lado criativo e internacional desta indústria. Em boa hora o fez porque hoje é um dos empresários portugueses mais conhecidos e respeitados no mundo.

Uma portuguesa na casa branca

Daniela Braga, ceo e fundadora da Definedcrowd.

Sem capitais próprios nem crédito bancário. Foram estes os ingredientes improváveis que deram origem ao sucesso de Daniela Braga: em Seattle, nos EUA, fundou a DefinedCrowd, uma empresa especializada em dados para Inteligência Artificial. Em Agosto de 2015 juntou uma equipa de quatro elementos mas dois não sobreviveram à incorporação da empresa nos seis meses iniciais. O terceiro saiu mais tarde. Durante este período, a empreendedora marcou um almoço com investidores num restaurante de Seattle, apresentou a empresa num powerpoint e conseguiu sair com o primeiro cheque: 200 mil dólares de financiamento para arrancar o negócio. O investimento inicial durou um ano e, entretanto, montou uma subsidiária em Portugal, com escritório em Lisboa e no Porto. Mais tarde, conseguiu também os primeiros clientes. Antes deste almoço, Daniela Braga já contava com um percurso profissional de sucesso.

Após a licenciatura e o mestrado em Portugal, fez investigação na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e deu aulas na Universidade da Corunha durante dois anos, até que entrou para a Microsoft (nesta empresa trabalhou em Portugal, China e EUA). Deixou a empresa fundada por Bill Gates em 2013 e transferiu-se para a norte- -americana Voicebox. Depois, decidiu mudar de vida. A evolução da Inteligência Artificial foi a janela de oportunidade. Daniela teve a noção que não existia nenhuma empresa que oferecesse dados com a qualidade necessária, em tempo útil, e à escala global. Os investidores do restaurante de Seattle gostaram do projecto. Assim, o ponto de partida seria o de replicar o cérebro humano numa máquina, mas sem as limitações de capacidade de memória e armazenamento.

EUA     

Seria o ponto de partida para uma carreira de sucesso. Agora, a portuguesa foi escolhida pelo executivo de Joe Biden, presidente dos EUA, para integrar a “National Artificial Intelligence Research Resource Task Force”. Esta equipa, que conta com 12 pessoas, vai ajudar a Casa Branca a delinear a estratégia do país para a Inteligência Artificial. «O nosso Senior Vice President of Global Sales disse-me que havia uma pessoa no governo americano que tinha muito a ver comigo. Pôs-me em contacto com ela e tivemos uma conversa sobre Inteligência Artificial. A verdade é que em menos de 24 horas estava a receber um convite dela para me juntar a uma task force que nem sabia que exisitia», diz à Executive Digest.

A presidente executiva da DefinedCrowd vai, assim, integrar um grupo que conta com especialistas em Inteligência Artificial de várias entidades, como a Google, a Universidade de Stanford ou o Departamento de Energia dos EUA, entre outros. Em comunicado, a Casa Branca adianta que esta equipa escreverá o roteiro para expandir o acesso a recursos essenciais e ferramentas educacionais que estimularão a inovação em Inteligência Artificial e a prosperidade económica em todo o país. «Temos de entregar relatórios a cada seis meses ao presidente Biden. O objectivo do presidente é manter os EUA como líder de Inteligência Artificial no mundo», acrescenta a CEO.

E se tiver oportunidade de falar com o Joe Biden, o que gostaria de lhe dizer? «O primeiro presidente em quem eu votei depois de me tornar cidadã Americana, em março do ano passado, foi nele. Diria parabéns, é visionário e este é o caminho certo. A inteligência artificial é o mecanismo catalisador na mensagem subliminar que quer trazer mais igualdade num país dividido como se viu na questao do black lives matter», sublinha à executive digest. Clientes parte do trabalho da definedcrowd implica analisar e catalogar dados para clientes. Em alguns casos, estas tarefas são feitas por pessoas que se inscrevem numa plataforma online da empresa e que são pagas por cada tarefa desempenhada. Cada pedaço de informação é validado a pente fino por uma equipa especializada em detecção de fraude. A plataforma da definedcrowd é agnóstica no que respeita aos dados que recebe, ou seja, suporta texto, áudio e imagem.

Isto permite que a empresa tenha clientes nos mais diversos verticais da indústria: desde fintech, ao retalho, passando pela saúde, energia, operações, até à Internet das Coisas. Dentro de cada área, a empresa trabalha com os líderes que estão a inovar no segmento da Inteligência Artificial, sendo que o portefólio de clientes é maioritariamente constituído por companhias pertencentes à Fortune 500. A empreendedora, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, tem membros do board ou clientes a ligarem-lhe a qualquer momento. Quer esteja nos EUA, na Europa ou até Austrália pedem-lhe reacções a notícias do mundo tecnológico, sugerem-lhe potenciais financiadores ou convidam-na para eventos. A expansão da empresa traduz-se nas escassas horas de sono: Daniela nunca tem horas para dormir e as notificações do WhatsApp estão sempre a cair no telemóvel.

No topo da indústria automóvel

Carlos Tavares, ceo da stellantis.

Quem trabalha com Carlos Tavares deve estar preparado para um ritmo alucinante. O CEO da Stellantis, conhecido por ter “combustível nas veias”, é focado nos objectivos e planeia ao milímetro. «Gerir o tempo é um dos maiores desafios», afirma. O dia é passado em reuniões. Chega a ter 10 num só dia e, em cada uma delas, não pode derrapar um segundo. Gosta de entrar no escritório por volta das 7h30 e só sai depois das oito da noite – as refeições, ligeiras, são feitas no gabinete. Também é normal levar trabalho para casa, até aos fins-de-semana.

As corridas de automóveis são a grande paixão do gestor português. Ao ponto de decorar o gabinete de trabalho com fotografias de carros de competição. Quando era jovem convenceu os pais a ajudá-lo na compra de um Alfa Romeo com que se estreou numa prova oficial, no circuito de Vila do Conde. Graças à paixão por carros de corrida, chegou a partir sexta-feira à noite para correr em provas desportivas, mas na segunda-feira já estava de volta ao trabalho. O CEO da Stellantis, decidiu agora renunciar ao lugar no Conselho de Administração da Airbus, depois de terminar o segundo mandato, no próximo ano.

O anúncio foi feito pelo gigante automóvel, através de um comunicado. «Esta decisão pessoal permitirá a Carlos Tavares dedicar todo o seu tempo profissional para conduzir a Stellantis ao sucesso, juntamente com a equipa de direcção executiva, neste período de transformação e de evolução da indústria automóvel», refere a nota da empresa. A Stellantis, que resultou da junção da Fiat e Peugeot, é uma das maiores fabricantes automóvel a nível global.

Na liderança de Carlos Tavares esperam-se vários desafios. A Stellantis será um conglomerado de modelos com posições relevantes em certos segmentos, mas nenhuma das empresas tem grande presença no negócio dos automóveis de luxo ou no vasto mercado automóvel da China – um dos principais mercados-alvo. A recuperação do sector automóvel é outro dos desafios que terá de enfrentar à frente da companhia, que se junta a outros: como criar carros mais verdes, racionalizar um grupo que está em três continentes e atacar o excesso de capacidade produtiva, e ainda relançar o grupo na China. Recentemente, o grupo anunciou que vai investir 30 mil milhões de euros nos próximos cinco anos para a electrificação dos seus modelos.

O constructor vai acelerar na transição eléctrica e instalar a terceira fábrica de baterias em Itália. Estes lançamentos foram divulgados alguns meses após a fusão dos dois grupos e dias antes de a Comissão Europeia divulgar novas iniciativas tendo em vista a neutralidade carbónica em 2050. O objectivo do grupo automóvel é que 70% das vendas na Europa e mais de 40% das dos EUA sejam em 2030 de veículos de baixas emissões. A Stellantis, nome de origem latina que significa (segundo a PSA) brilhar com as estrelas, tem 400 mil trabalhadores em todo o mundo e unidades industriais em vários continentes (em Portugal, o grupo tem uma fábrica em Mangualde).

A executiva apaixonada pela ásia

Inês Caldeira, ceo da l’oréal Tailândia, Laos & Cambodja.

Licenciada em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, tornou-se a executiva mais jovem a assumir a liderança de uma filial do grupo L’Oréal. Recebeu o convite em 2014, depois de ter estado vários anos em Espanha no período de maior crise. Ali ocupava o lugar de directora-geral da marca L’Oréal Paris. Na altura falou-se em várias possibilidades e o mercado português não estava em cima da mesa. Tinha a perspectiva de ir para mais longe – para mercados como a América Latina – Argentina ou Chile. Mas, por várias razões, acabou por não acontecer e surgiu o convite para vir trabalhar em Portugal, onde ficou durante quatro anos.

Com um percurso de mais de 17 anos de carreira nacional e internacional, Inês Caldeira é agora CEO da L’Oréal Tailândia, Laos & Cambodja. Costuma seguir dois princípios de gestão. A primeira é a crença absoluta de que é sempre possível. E, isto traduz-se em diversas vertentes: na forma como tende a abordar novos mercados, como comunica com novos públicos, como gere desafios e como dá a volta sempre que tem dificuldades. Ou, ainda, quando desenha equipas e abraça desafios de management. A segunda, que tem mais a ver com o seu lado de chefe de equipa: pratica uma política de proximidade. E Inês Caldeira acredita que é possível ser-se respeitado, admirado e mobilizador de pessoas tendo uma relação muito próxima com elas.

A paixão pela Ásia começou cedo, mas só após mais de uma década de carreira na Europa é que o sonho se concretizou. «Como refere, trabalhei 17 anos em países europeus, com desafios de alguma forma semelhantes e após quatro anos à frente da filial portuguesa era legítimo pensar num novo ciclo. Existem três grandes centros de consumo (países desenvolvidos, países emergentes e China) para a beleza, com dinâmicas distintas em termos de crescimento. A minha paixão pela Ásia era conhecida, o interesse profissional óbvio e a curva de aprendizagem enorme.

A vontade de desbravar mundo uniu-se a uma oportunidade existente e fiz as malas novamente», contou Inês Caldeira. Descobriu a Tailândia em 2005 quando foi fazer uma campanha publicitária. A história do país, as pessoas, a parte espiritual e, claramente, a própria dimensão do mercado da beleza foram decisivos na mudança. As semanas são tão enriquecedoras e diferentes que sente o mesmo entusiasmo que se tem no início da carreira. «Tenho aprendido muito todos os dias e tem sido uma lição de humildade importante. Gerir com códigos culturais muito distintos, escutar e interpretar linguagem corporal, entender diferentes motivações, perceber estilos de liderança, equilibrar ambição com generosidade… São apenas algumas das inúmeras experiências a que tenho sido exposta. Mas a maior lição de todas tem sido uma noção diametralmente oposta do tempo: a correria europeia versus a permanência tailandesa. As metas que acabam nesta vida versus uma caminhada… Enfim como digo… Um dia escrevo um livro», afirma Inês Caldeira.

Líderança cívica

David Simas, ceo da fundação Obama.

A presentar os pais (dois imigrantes portugueses) e a família ao presidente dos EUA, Barack Obama, na Sala Oval, foi um dos melhores momentos pessoais na sua carreira. David Simas decidiu ser advogado em criança quando viu em acção o jurista que defendeu a sua mãe depois de esta ter tido um acidente a trabalhar numa fábrica.

Para apreciar totalmente a cidadania, David diz que se deve incorporar também as responsabilidades para com a comunidade e a nação. «Vejo a cidadania pela perspectiva da responsabilidade. Sim, benefício de direitos e liberdades inerentes em ser norte-americano, mas a cidadania que é vista apenas da perspectiva dos direitos que tenho é limitada. Para apreciar totalmente a cidadania, devemos incorporar também as responsabilidades para com a comunidade e a nação. E as responsabilidades da cidadania vão muito para lá do voto, isso é o mínimo.

O que posso fazer para melhorar a minha comunidade? Que acções posso tomar para assegurar que os benefícios, as liberdades e os direitos chegam a todos os meus concidadãos? O cidadão, como afirmou o presidente Barack Obama, é o cargo mais poderoso dos EUA», explica David Simas, à Executive Digest. Originário de Taunton, Massachusetts, foi nomeado Chefe de Estado-Maior adjunto do governador de Massachusetts, Deval Patrick, em 2007. Juntou-se ao governo de Barack Obama em 2009 como assistente adjunto do então presidente dos EUA, trabalhando com assessores seniores como David Axelrod e David Plouffe. David Simas foi também director de Pesquisa de Opinião para a re-eleição do presidente Barack Obama em 2012 e após a re-eleição, retornou à Casa Branca como assistente do presidente e director do Escritório de Estratégia Política e Extensão.

David Simas possui um B.A. em ciência política do Stonehill College e J.D. da Boston College Law School. Em criança, sonhava ser advogado. Queria dedicar-se a ajudar os outros através da Lei. E houve um episódio que o marcou. «A minha mãe ficou ferida num acidente na fábrica onde trabalhava quando eu era criança. Senti-me muito inspirado pelo seu advogado, que aceitou o seu caso e foi o seu defensor a sua voz, quando ela mais precisava. O seu exemplo foi a minha inspiração.» Anos mais tarde, acabaria por levar os pais até à Sala Oval. «Nunca esquecerei a expressão dos meus pais ao sentarem-se na Casa Branca e conhecerem o presidente Barack Obama», afirma David Simas.

Em 2016, o luso-descendente foi anunciado como CEO da Fundação Obama. «O trabalho na Fundação transcende o presidente, transcende Michelle Obama e transcende todos nós que pertencemos à equipa. O trabalho de inspirar, capacitar e ligar líderes não acaba. Cada nova classe de líderes apoia-se nas suas comunidades e nos líderes que os antecederam. Têm a responsabilidade de fazer o mesmo por cada nova classe de líderes. Imaginem quantos líderes podemos juntar e ligar nos próximos 50 anos e a base em que se podem tornar para os líderes que vierem depois».

O gestor integrado na cultura japonesa

David Lopes, presidente da Aeon Topvalu.

Apesar de não falar japonês, o presidente da Aeon Topvalu foi muito bem recebido pelos colaboradores e, cada dia que passa, sente-se mais integrado. «Senti-me muito bem recebido e sinto que todos fazem um esforço, também de paciência, para trabalhar com alguém que não fala japonês (não abdico de ter aulas, mas o desafio da língua japonesa é uma missão para vários anos). Como também são poucos os colegas que falam inglês estou muito dependente de uma equipa de apoio de tradutores que estão ao meu lado de manhã à noite», confessa o gestor à Executive Digest.

David Lopes é actualmente presidente da Aeon Topvalu, uma empresa pertencente ao Grupo Aeon do Japão. Anteriormente, foi administrador e CEO da Fundação Francisco Manuel dos Santos e administrador do Oceanário de Lisboa. É licenciado em Organização e Gestão de Empresas, tendo exercido durante três anos as funções de presidente internacional da empresa americana Daymon Worldwide (empresa global, líder no desenvolvimento de marcas alimentares), onde foi responsável pela gestão de joint ventures internacionais e desenvolvimento de operações de negócios e expansão na América Latina, Europa, Ásia e África. Antes das suas funções internacionais foi CEO da Recheio Cash & Carry, principal cadeia grossista portuguesa.

A sua carreira profissional inclui também cargos de liderança na empresa polaca Biedronka. «O continente asiático é muito diversificado. E, se pensarmos nos países que o compõem, temos realidades e níveis de desenvolvimento muito diferentes. Mas não tenho dúvidas em afirmar que aqui encontramos algumas das formas mais desenvolvidas de retalho no mundo. Daria só dois exemplos, evocando a China como o mais desenvolvido país em modelos de e-commerce. A vantagem e a inovação é absolutamente gigantesca, mesmo em relação aos EUA e ao Japão que lidera, sem concorrência no mundo, a obsessão com a qualidade, os processos e a qualidade de serviço prestado aos cidadãos. A minha empresa, em particular, tem o mais desenvolvido processo de auscultação da voz e da opinião dos seus clientes e associados, o que permite e exige uma melhoria constante da nossa missão e dos nossos planos.» O que lhe tem ensinado o Japão sobre gestão de pessoas? «Duas grandes lições: se temos duas orelhas e uma boca devemos ouvir mais do que falar. Isso significa aprender e ouvir os outros antes de agir. A outra lição é o poder do trabalho bem organizado. A inteligência colectiva, quando bem direccionada, é a mais poderosa arma da transformação das empresas e das instituições.» David Lopes vive em Tóquio, num apartamento com vista para um rio. Levanta-se às 6h30, para fazer os 30 km que o separam da empresa.

Entre as 8h30 e as 18h está no escritório entre reuniões, video calls e trabalho de leitura. Tem de escrever muitas das decisões que toma ou que propõe, pois quer ter a certeza de que foi bem interpretado na parte oral da Gestão. À noite aproveita para cozinhar e preparar as reuniões de trabalho. Ao sábado organiza a semana seguinte e junta a família num vídeo jantar tardio para ele (e num almoço matutino para eles, a partir de Lisboa). «Tudo faço para que o domingo seja realmente o dia para sair e conhecer a cidade, os seus museus e exposições», sublinha.

A portuguesa de Wall street 

Domitília Dos Santos, directora executiva, directora de gestão de portefólio e international client advisor na Morgan Sanley.

Gestora de referência num dos maiores bancos mundiais, Domitília dos Santos juntou uma carreira de prestígio no mundo financeiro ao desporto: começou a correr maratonas em 1991 e é a portuguesa com mais provas feitas nesta distância. Tem no currículo 264 maratonas e três ultramaratonas em 42 países. Domitília é formada em Ciências Políticas e História pela Universidade de Drew e, três anos volvidos, em Direito pela Rutgers School of Law.

Frequentou ainda a London School of Economics, onde estudou Direito e Economia da União Europeia. Começou a carreira como jurista no Secretariado das Nações Unidas, mas foi na indústria financeira que fez carreira. Em 1984 mudou para a Smith Barney, que em 2010 foi comprada pela Morgan Stanley. É nesta firma que se encontra e onde constituiu uma equipa de profissionais especializados em aconselhamento de gestão de activos financeiros, o The dos Santos Group, composto por um núcleo de especialistas, focando-se na gestão de activos dos seus clientes.

Tem recebido muitas distinções profissionais, incluindo ser oradora convidada do Barron’s para a sua conferência anual Top Financial Advisors. Em Junho de 2003, o então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, outorgou- -lhe a grau de Comendador da Ordem do Mérito. As suas capacidades de gestão financeira já resultaram no apoio ao Governo português enquanto consultora em temáticas relacionadas com negócios e comércio. Como reconhecimento pelo seu trabalho, em 2006, a The Portuguese American Leadership Council of the United States reconheceu Domitília dos Santos com o cargo de Business Leadership Award.

Estratega da inovação

Miguel Patrício, ceo da Kraft-heinz.

Miguel Patrício lidera uma das maiores fabricantes alimentares do mundo e que tem no milionário Warren Buffet um dos principais accionistas. Nasceu em Lisboa, em 1966, cresceu em Mação, a terra dos pais, e emigrou para o Brasil na sequência do 25 de Abril. Mais tarde, os pais regressaram à Beira Baixa, mas Miguel já estava a tirar o curso em Administração de Empresas, na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. E, por isso, decidiu ficar em terras de Vera Cruz. Estreou-se na carreira internacional pela Johnson & Johnson no Brasil, EUA e América Central. Depois seguiu para a Coca-Cola e para a Philip Morris.

Voltou para o Brasil para integrar a cervejeira Brahma, iniciando uma carreira de 20 anos que o levaria a director de marketing global do conglomerado Anheuser-Busch InBev (absorveu a Brahma), dona de marcas como a BudWeiser, Stella Artois ou a Corona, tornando-se director global de marketing, com escritório na sede operacional, em Nova Iorque. «A empresa precisa de inovar, encontrar o mercado premium e ouvir o consumidor», afirmou Miguel Patrício num post do LinkedIn. Inovação e proximidade com o cliente não são estratégias originais, mas podem ser exactamente o que a companhia precisa. A Kraft Heinz é uma das companhias mais valiosas do mundo com uma receita de 22 mil milhões de euros (2018) e um universo de 39 mil pessoas.

Quando assumiu o cargo, em 2019, o gestor disse que estava preparado para o desafio. Afinal de contas, a dimensão global nunca o assustou – além do Brasil, já trabalhou no Canadá, EUA, Bélgica e viveu na China por cinco anos. As campanhas e iniciativas que supervisionou deram-lhe notoriedade no mundo do marketing e distinções das revistas da especialidade. Na altura, citado pela Bloomberg, o gestor português disse que ia levar «novos olhos para a empresa», referindo que está habituado a ver o negócio de outro prisma. «É uma grande oportunidade», afirmou Miguel Patrício. Com as mudanças que a empresa tem vindo a sofrer, o gestor disse que era «preciso quase ser um evangelista», e acrescentou ainda que a «primeira preocupação de um director-executivo têm de ser as pessoas».

Apesar da distância, Miguel Patrício passa horas a ouvir fado, continua a ler a imprensa portuguesa e, sempre que pode, faz questão de acompanhar os jogos do clube do coração. «Nasci em Portugal e cada dia sou mais português. A minha irmã mora em Portugal, assim como todos os meus tios e primos. Tenho casa na Beira Baixa, estou a construir uma outra em Caxias. Cada dia sou mais fã de Portugal, eu amo o país, adoro a evolução que tem tido, um país que está na moda. A cidade de Lisboa está cada vez mais bonita. Amo a música portuguesa, adoro perceves, acompanho o Benfica todos os dias, sou fã do João Félix, um jogador incrível, o melhor jogador do mundo», disse o CEO numa entrevista ao Observador,em abril de 2019.

Empresário e filantropo

José Neves, ceo e fundador da farfetch.

O fundador da Farfetch descobriu que gostava de programar quando recebeu de prenda de Natal um ZX Spectrum. Aos oito anos estudou de fio a pavio o manual de instrução que vinha com o computador e, aos 19, criou a primeira empresa – de produção e desenvolvimento de software. Começou com clientes do mundo da moda (um bichinho que já vinha da família) e não tardou a sentir-se atraído pelo lado criativo e internacional desta indústria.

O clique para o nascimento da Farfetch deu-se em 2007. Estava na Paris Fashion Week e percebeu que empresas que mais cresciam e apresentavam bons resultados financeiros eram as que apostavam no ecommerce. Regressou a Lisboa, falou com alguns colaboradores e decidiu lançar a plataforma. A ousadia compensou. Este ano, numa lista divulgada pela revista Time, a Farfetch surge no grupo das mais inovadoras, ao lado de empresas como a Ikea, a Nintendo, TikTok ou Spotify. Com clientes em mais de 190 países e produtos de cerca de 1300 das melhores marcas de luxo, entrou na bolsa de Wall Street em 2018. Neves acredita que a ambição de um empreendedor não deve ser a de vir a ganhar muito dinheiro ou de vir a ser um unicórnio (em que a própria Farfecth se converteu).

O ano passado, o empreendedor lançou a Fundação José Neves, uma instituição sem fins lucrativos, focada na educação e nas competências do futuro, e que tem como missão ajudar a transformar Portugal numa sociedade do conhecimento e colocar o país na liderança do desenvolvimento humano. «A maior riqueza de Portugal é o seu capital humano, o seu talento. Na Fundação queremos ajudar a transformar Portugal numa sociedade de conhecimento, apoiar o talento português e preparar os portugueses para a revolução do digital, através da Educação e da aquisição das competências que serão necessárias no futuro. O dia de hoje foi importante para conhecer as perspectivas de diversas personalidades sobre os melhores caminhos para atingirmos a nossa missão», afirmou o CEO.

O empresário vai também doar dois terços da sua fortuna à Giving Pledge, um movimento lançado por Bill e Melinda Gates e por Warren Buffett há 10 anos, e que desafia os mais ricos a dedicarem parte do seu dinheiro a algumas das principais causas sociais do Mundo. «Fui aceite pela Giving Pledge, que é a iniciativa de Bill e Melinda Gates e de Warren Buffett para filantropos que prometeram doar mais de 50% da sua fortuna. No meu caso, foi dois terços». Sobre a sua decisão de fazer parte deste movimento, afirma que a filantropia é um «ímpeto de alma», conclui o CEO.

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