Dia Mundial do Turismo: Quantas pessoas nos visitam? Como tratamos os trabalhadores? Estamos a ser “estrangulados”? Assim vai o setor em Portugal
Todos os anos, no dia 27 de setembro, celebramos o Dia Mundial do Turismo, um momento para parar e pensar no impacto que esta atividade tem na sociedade e nas economias. Portugal destaca-se como um destino fascinante que atrai viajantes de todos os cantos do mundo.
Nos últimos anos, Portugal tem conquistado o coração de muitos viajantes, tornando-se um destino imperdível na Europa. Mas, o que tem impulsionado o crescimento do turismo em Portugal? os desafios que o setor enfrenta e as oportunidades que se avizinham?
Lisboa e Porto ‘estrangulados’
A Europa está a ser estrangulada por turistas num fenómeno que, por um lado contribui para as economias locais, e por outro tem levado algumas das suas cidades mais icónicas a enfrentar um afluxo de visitantes sem precedentes.
Através dos dados do Euromonitor International, a Holidu analisou o número de chegadas em 2023 em comparação com a população local, sendo que as duas maiores cidades portuguesas se encontram no top 10 das mais sobrelotadas com turistas.
Dubrovnik lidera a lista, com 27 turistas por habitante. Esta cidade costeira, famosa pelo seu esplendor arquitetónico e pelo papel na série “Game of Thrones”, está a sofrer com a sobrelotação. Segue-se Rodes, com 26 turistas por habitante, que enfrenta um rápido crescimento no número de visitantes, transformando as suas ruas históricas e praias em áreas congestionadas. mVeneza está em terceiro lugar na lista, com 21 turistas por habitante, sendo uma das cidades mais afetadas pelo excesso de turismo. Os seus canais e edifícios históricos estão sob pressão.
Na lista seguem-se Heraklion, na Grécia, com 18 turistas por habitante, Florença, com 13 turistas por habitante, Reykjavik, na Islândia, com 12 turistas por habitante, Amesterdão com 12 turistas por habitante, e aparecem Lisboa e Porto, com 11 e 10 turistas por habitante, respetivamente.
Esta classificação foi realizada utilizando o número de turistas em 2023 de cada cidade nas listas do The Savvy Backpacker e do Air Mundo, com dados do “Top 100 City Destinations Index 2023” da Euromonitor International. As populações foram extraídas do World Population Review e outras fontes. Cidades da Rússia e da Ucrânia foram excluídas desta análise.
O crescente número de turistas em cidades europeias está a levar a um ponto de saturação que está a levar várias cidades europeias a implementar medidas de gestão de fluxo turístico.
‘Biscates’ empurram trabalhadores para a precariedade
Em Portugal, o emprego informal representa um desafio significativo, representando 9,3% no país, muito superior aos 4,6% estimados pela OIT. Este desfasamento pode ser atribuído à natureza do trabalho em setores como a hotelaria e a construção, onde a informalidade é mais comum. A falta de contratos escritos e a prevalência de trabalhos ocasionais ou “biscates” contribuem para esta realidade.
A ausência de proteção social e jurídica no emprego informal torna os trabalhadores vulneráveis a várias formas de exploração e aumenta o risco de pobreza. A falta de fiscalização rigorosa e a existência de incentivos como amnistias fiscais agravam a situação, perpetuando a informalidade em muitos países, incluindo Portugal.
O combate ao emprego informal requer uma abordagem multifacetada, incluindo a implementação de políticas eficazes de fiscalização e a promoção de um mercado de trabalho formal e regulado. Em Portugal, este desafio continua a ser uma prioridade, especialmente à medida que o país procura alinhar-se com os padrões laborais mais elevados da UE.
40% das empresas turísticas não dão apoio a trabalhadores imigrantes
De acordo com o Relatório de Migrações e Asilo 2023 da AIMA, a população estrangeira residente em Portugal aumentou 33,6% em relação a 2022, totalizando 1.044.606 pessoas. Os brasileiros constituem a maior comunidade (35,3%), seguidos por angolanos (5,3%) e cabo-verdianos (4,7%). O relatório também indica que, nos últimos anos, cerca de 19,9% dos empreendedores estrangeiros estiveram ligados a atividades de alojamento e restauração, com um crescimento de 54,6% de novos negócios liderados por estrangeiros no setor.
Os primeiros resultados do Observatório do Talento Migratório do Turismo da Porto Business School (PBS) destacam a urgência de maior transparência e estruturação nos programas de apoio à integração de trabalhadores migrantes no setor do turismo em Portugal. O estudo revela que 38,5% das empresas do setor não implementam medidas formais de acolhimento, com apenas 21,6% a oferecer algum tipo de suporte e apenas 8,9% a promover apoio linguístico e formação.
O Observatório conclui que é imperativo melhorar a sensibilização para a diversidade e desenvolver programas de inclusão que incluam formação linguística, qualificação profissional e apoio administrativo. A regularização da residência e as questões relacionadas com alojamento digno são também identificadas como fundamentais, assim como o suporte às famílias dos migrantes, permitindo o acesso a serviços de educação e saúde.
Outra constatação importante é que 21,7% das organizações não reconhecem desafios significativos na integração dos migrantes, sugerindo uma gestão empresarial menos complexa. Em contrapartida, 25,5% das empresas apontam o recrutamento e retenção de talentos multiculturais como o maior desafio, seguido pela adequação de qualificações (20,3%) e questões legais (9,4%).
No que diz respeito ao nível salarial, a maioria dos inquiridos (81,9%) acredita que não há discriminação salarial entre migrantes e trabalhadores portugueses em funções semelhantes. No entanto, 21% admitiram desconhecer as políticas de compensação, levantando questões sobre a transparência remuneratória em algumas organizações.
Dormidas de residentes descem 2,4% em julho
As dormidas de residentes no país no setor do alojamento turístico diminuíram 2,4% em julho, para 2,7 milhões, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Segundo as estatísticas rápidas da atividade turística, em julho, o setor do alojamento turístico registou 3,2 milhões de hóspedes e nove milhões de dormidas, correspondendo a variações a aumentos de 1,5% e 2,1%, respetivamente, face ao mesmo mês do ano passado, e de 6,8% e 5% comparativamente ao mês anterior.
No mês em análise, as dormidas de não residentes abrandaram pelo segundo mês consecutivo, com um crescimento de 4,2%, para um total de 6,3 milhões.
O mercado britânico manteve-se como principal emissor (quota de 18,3%), com um crescimento de 1,3% em julho, seguido da Espanha (peso de 12%), que cresceu 6,1%.
Entre os 10 principais mercados emissores em julho, destacou-se o francês, na 5.ª posição (peso de 7,4%), com o único decréscimo (-4%).
Todas as regiões registaram aumentos nas dormidas, com exceção do Oeste e Vale do Tejo (-0,4%).
Os maiores crescimentos verificaram-se nos Açores (+5,3%), seguidos do Norte (+4,9%) e da Península de Setúbal (+4,5%), sendo menos significativos na Madeira (+0,3%), no Algarve (+0,7%) e no Centro (+0,8%).
A ocupação nos estabelecimentos de alojamento turístico diminuiu em julho, para 59,1% e 66,5% nas taxas líquidas de ocupação-cama e ocupação-quarto, respetivamente (-0,4 pontos percentuais em ambas).
Queixas aumentam
Entre os dias 1 junho e 18 de agosto, os portugueses registaram no ‘Portal da Queixa’. 1.444 reclamações relacionadas com as férias, no âmbito da categoria: Hotéis, Viagens e Turismo. Verificou-se um crescimento de 12% no número de queixas, em comparação com o período homólogo, que registou 1.290 ocorrências.
A gerar os principais motivos de reclamação apresentados pelos consumidores estão problemas associados à cobrança indevida, a somar 28,7% das queixas recebidas. Referem-se ao débito de valores não autorizados ou não reconhecidos pelos consumidores.
Segue-se a dificuldade com o reembolso, tema que acolhe 18,3% das ocorrências e a motivar 7,2% das reclamações, nestas férias, está a qualidade do serviço ou hospedagem, referente a casos de serviços que divergem dos descritos no momento da contratação do serviço.
A reunir 7% das queixas contra o setor, está o tema cancelamento ou alteração da reserva. Já 5,9% dos problemas partilhados referem-se ao apoio ao cliente. Os consumidores relatam a dificuldade em obter auxílio da entidade para a solução de problemas ou dúvidas.
Também alvo de análise, a categoria Aluguer de Automóveis recolheu 212 reclamações no período analisado (junho a 18 de agosto), um aumento de 17,8% das queixas, face a 2023, onde se observaram 180.
Sobre os alegados esquemas via compras online no setor Turismo, segundo apuraram os dados, entre junho e agosto, o tema burla foi denunciado em 387 reclamações. Entre os motivos apresentados pelos portugueses encontram-se: reembolso não recebido (63,6%); transação não autorizada ou desconhecida (19,7%); phishing (8,5%); a publicidade falsa (4,2%) e a subscrição de serviços (2,7%).
Impacto no PIB
O consumo turístico realizado em Portugal “foi determinante” para a expansão da economia portuguesa em 2023, contribuindo para quase metade do crescimento real do PIB, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Segundo as contas do INE, o turismo contribuiu com 1,1 pontos percentuais (p.p.) para o crescimento real do PIB em 2023, que foi de 2,3%.
Neste contexto, “estima-se que, em 2023, o consumo turístico tenha tido um contributo total (direto e indireto) de 12,7% (33,8 mil milhões de euros) para o PIB e de 12,4% (28,7 mil milhões de euros) para o VAB [Valor Acrescentado Bruto] da economia nacional”, revela o gabinete de estatísticas português.
A Conta Satélite do Turismo referente ao ano passado indica também que o Valor Acrescentado Bruto gerado pelo Turismo (VABGT) e o Consumo do Turismo no Território Económico (CTTE) registaram, respetivamente, aumentos nominais de 16,0% e 15,5%, “revelando um dinamismo superior ao da economia nacional (o VAB e o PIB nacionais cresceram 10,1% e 9,6%, respetivamente)”.
Ambos os indicadores estão em máximos históricos, sendo que o consumo turístico foi equivalente a 16,5% do PIB em 2023 e o VABGT representou 9,1% do VAB nacional em 2023 (8,6% em 2022).
Já o PIB do Turismo “aumentou 15,2% em termos nominais face a 2022 e 33,1% face ao período pré-pandemia (2019)”, ainda que o INE faça a ressalva de que a inflação teve um impacto nos valores: “Há um forte efeito preço neste período, pelo que, em volume, o PIB do Turismo deverá ter-se situado 13,5% acima dos valores de 2019”.
Estes números mostram assim que o setor já recuperou da pandemia, quando houve uma quebra significativa no turismo. “O CTTE e o VABGT registaram já em 2022 valores superiores aos de anos anteriores, que foram novamente superados em 2023, correspondendo a máximos históricos”, nota o INE.
Numa comparação internacional, para a qual ainda só existem dados referentes a 2022, Portugal foi o segundo país que registou maior importância relativa da procura turística no PIB (15,6%), tendo sido apenas superado pela Islândia (17,4%).
*com Lusa