Dia da Europa: Navegando entre guerras, crises e divisões, a “ilha da liberdade triunfará se for até Moscovo”, diz politólogo

Esta quinta-feira, dia 9 de maio, assinala-se o Dia da Europa, que festeja a paz e a unidade do continente europeu e assinala o aniversário da histórica “Declaração Schuman”, que expôs a visão de Robert Schuman de uma nova forma de cooperação política na Europa, que tornaria impensável uma guerra entre os países europeus, e que deu a génese para o nascimento da União Europeia.

A propósito da data, numa altura em que o ‘Velho Continente’ se vê palco de guerras, crises, divisões, e grande parte da sua população foi ou vai este ano às urnas (nas eleições europeias, legislativas ou presidenciais), a Executive Digest falou com José Adelino Maltez, politólogo, professor universitário, investigador e historiador, para traçar um retrato da Europa de hoje, o que se espera das eleições europeias e como o bloco terá de ‘resolver’ os desafios das migrações.

 

Assinalamos hoje o Dia da Europa, num ano em que grande parte do continente foi ou vai a eleições… as russas, as europeias, as portuguesas (e não só). Qual é o diagnóstico que faz da Europa de hoje? Está dividida, amedrontada, esperançosa, doente, ou nos cuidados intensivos?

Eu sou da velha guarda, e passei juventude, adolescência e primeira fase de adulto com o ‘berlinde’ dividido em dois. Com a ‘Cortina de Ferro’ a separar parte substancial de países que fazem parto da Nato e da UE.

Se fizermos comparação em termos do que vi, temos uma Europa melhor. É sinal de esperança. Ainda é um pavilhão, uma ilha que flutua em nome da liberdade, mas em parte é uma Europa que não atingiu os princípios de autodeterminação nacional totalmente.

Há desafios, sim. Um problema de um poder político em Moscovo que está renitente em largar zonas da sua esfera de influência. Temos guerra, sim. Mas temos força, sobretudo a força da esperança.

Há uma coisa que pouco se diz, por parte dos analistas, que na maior parte dos casos têm uma posição pouco europeísta, ao afirmarem que a “Rússia é inimiga da Europa”. Não, eu sou mais ambicioso: espero que o conceito de democracia pluralista também triunfe na Rússia. A maior parte das análises entregam o ‘ouro ao bandido’! Acho que a Europa triunfará se for até Moscovo. Talvez eu já não veja isso, mas os meus filhos talvez.

Temos as europeias à espreita. Que avaliação faz dos candidatos que se apresentam a jogo?
Permita que diga que os partidos políticos apresentam “agentes eleitorais”, os candidatos não têm força suficiente. É o domínio total do conceito de aparelho de partido, e algumas coisas esquisitas: partidos fundamentais no processo europeísta que deitam fora tudo o que lá estava, e fazem uma limpeza total da equipa de eurodeputados que tinha [PS], outro partido [PSD] com a mesma dimensão protagoniza um processo de marketing e de recrutamento exterior. Portanto, os principais partidos não ligam quase nada ao trabalho de eurodeputados seus.

Fizemos um saneamento geral dos nossos servidores no Parlamento Europeu. Ou seja, os partidos que mandam nisto não têm respeito nenhum pelo serviço prestado pelos seus eurodeputados.

Quais os que se destacam e que vantagens/handicaps têm? E que obstáculos enfrentam?
Sou comentador, não vou cair nessa de dar notas aos candidatos [risos]. O primeiro grande obstáculo é a falta de conhecimento do eleitorado quanto às tarefas de um Parlamento Europeu e de um eurodeputado.

Há uma falta de prestígio do Parlamento Europeu junto do cidadão comum português. Consideramos tão mau que nem sequer elegemos na história de eurodeputados portugueses aqueles que pegaram na diferença entre o seu vencimento como deputados nacionais e o que ganham a mais no PE e ofereceram a instituições de caridade. Conheço um que fez isso, Manuel Monteiro, mas ninguém refere.

Até este problema de remunerações dá ao eurodeputado uma perspetiva de um privilegiado. O que fazem é alterar completamente a sua vida, é um trabalho para quem gosta, de gestão de dossiês, representação internacional, viagens.

É preciso ter experiência em relações internacionais, mais do que trabalho no parlamento português, ou de assessoria intensa. Há aqui qualidade que não é para um reformado, para uma gaiola dourada…

Temos visto o tema das reparações às ex-colónias a dominar a atualidade política, juntamente com o tema já ‘antigo’ das migrações. É esta dualidade que vai marcar o debate das europeias? Considera que será no equilíbrio destas duas questões que a Europa poderá encontrar soluções para crescer em prosperidade e concretizar-se?
Complicado… A Europa precisa de migrações, é ponto assente. Segundo, a Europa teve impérios coloniais. Mas a Rússia também teve, e os EUA também, e continuam, as principais potenciais são impérios. A Europa é que fez umas guerras civis entre si e foi liquidando impérios coloniais.

Tivemos aquele problema agora no Campo 24 de Agosto, por acaso onde começou a Revolução Liberal. Curiosamente o problema que se teve foi com migrantes de ex-colónias francesas, não foi um problema de ex-colónias portuguesas. Ou seja, há que dividir as coisas: um campo é o passado colonial português, outro campo é o presente de migrantes em Portugal. E não se pode confundir e misturar discursos, quando o problema é apenas um caso policial, onde por acaso há emigrantes.
É a extrema-direita culpada pelo ataque? Não sei, resta provar. E se não esteve? É um problema só de chamar a polícia.

São dois desafios distintos. Existe um repto e uma resposta e só se não houver estas últimas é que o primeiro passa a ser negativo. As duas coisas têm de ter soluções [em Portugal], porque somos pequeninos. Não podemos ter problemas com migrantes: é caro, é estúpido e é relativamente consensual na sociedade portuguesa, quanto aos caminhos a seguir.

O discurso de reparações é uma conclusão sobre o tema. O império colonial português já existia antes de haver colónias, tinha quase 5 séculos. O problema da colonização foi ter destruído as entidades políticas com que os portugueses se depararam em África. Há que reparar na grande fatia do passado colonial português: só no século XX é que chegamos a 80/90% do território de Angola e Moçambique. Uma coisa era o sistema imperial, a linha costeira, comércio, até de escravos, na costa.

Muitas vezes esquecemo-nos de uma evidência: grande parte do território colonial português, a cabeça a partir das quais se faziam expedições, que era o Brasil. Tornou-se independente como, os portugueses que lá estavam, inventaram-no. A quem vamos atribuir reparações? Aos portugueses que estavam no Brasil e o fizeram independente? Não, este discurso político no Brasil é indemnizações aos afrodescendentes.

Cada momento histórico tem a sua interpretação. É uma doideira termos continuidade de 9 séculos, gramar com as culpas desses 900 anos de história. É esquizofrénico fazer este discurso, porque o colonialismo do século XX não é o mesmo do início do século XIX. Primeiro apostámos no Oriente, depois no Brasil e só depois em África.

Os alemães e ingleses sempre acharam que iriam retirar os portugueses de África, e até tinham acordos, mas tiveram azar. Em 1913, quando ia ser concretizado, veio a I Guerra Mundial, e foi-se adiando, e nós ficando por culpa dos outros.

Reparação às colónias? E depois vamos pedir reparação ao reino de Marrocos? Aos cruzados? À Itália de Meloni? Cuidado. Não podemos esquecer os escravos, mas a responsabilidade portuguesa dos escravos não era propriamente exclusiva. Era uma ínfima parte, até porque usávamos a técnica do ‘embandeiramento’, em que outros países pagavam pela bandeira, mas grande parte dos envolvidos não eram portugueses.
Está mais do que demonstrado que na maior parte das companhias que compravam escravos, 90% dos capitais eram estrangeiros, não portugueses. Pelo que eramos parcela de um todo.

O professor Vitorino Magalhães Godinho fez um estudo em 1940 e chegou a uma conclusão brilhante: Todos os portugueses que estavam no império colonial, em meados do séc. XX eram menos do que os registados no consulado do Rio de Janeiro. A nossa presença demográfica era pouquíssima. Tínhamos chegado há pouco tempo.

Porque não falam em reparações a Macau, a Goa, Damão, Diu?… Vamos ter calma. Há muita gente que devia por o discurso de molho e pôr-se a estudar.

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