Dez militares da Força Aérea começam hoje a ser julgados por praxes violentas contra dois soldados

Dez militares da Força Aérea Portuguesa (FAP) começam a ser julgados hoje por praxes violentas alegadamente cometidas sobre dois soldados, na Base Aérea N.º5 (BA5) – Monte Real, Leiria, designadas pelos arguidos “como processo de integração/ensinamento”.

O processo, envolvendo crimes militares, será julgado por um coletivo de juízes e por um juiz militar (um oficial superior da FAP) e tem a primeira sessão marcada para as 9h15 no Tribunal de São João Novo, no Porto.

Em causa estão factos praticados, entre maio de 2018 e setembro de 2019, por 10 militares (praças), com a especialidade de Polícia Aérea, colocados, à data, na secção Cinófila e nas Equipas de Intervenção, integrando a Esquadra de Proteção e Segurança — EPA.

Os dois soldados, atualmente com 27 anos, e os arguidos, com idades entre os 28 e os 35 anos, abandonaram entretanto a FAP. Um dos arguidos é agora militar da GNR e outro agente da PSP.

A acusação do Ministério Público (MP), a que a Lusa teve acesso, conta que os 10 ex-militares “de forma reiterada, em conjugação de esforços e na execução de plano previamente delineado”, executaram aquilo a que chamaram “processo de integração/ensinamento“.

Os arguidos consideravam que os dois antigos soldados “apresentavam um nível de desempenho abaixo do padrão“, motivo pelo qual entendiam que os mesmos “deviam ser sujeitos a integração por forma a aperfeiçoar ou assimilar os procedimentos de serviços diários relativos às funções de controlo de acessos”.

Entre maio de 2018 e setembro de 2019, a investigação, tutelada pelo Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto e a cargo da Polícia Judiciária Militar (PJM), apurou que, “por várias vezes e em dias distintos, foi ordenado pelos arguidos aos ofendidos que comessem ração e líquidos para canídeos na presença de outros militares”.

“Aos ofendidos era previamente ordenado que se colocassem em posição canina e comessem a ração e bebessem os líquidos diretamente das gamelas e bebedouros dos canídeos, ou apanhando a ração com a boca em cima do balcão do bar”, descreve a acusação.

O MP conta que “tal sucedia enquanto houvesse ração ou até que os arguidos os mandassem parar de comer e de beber”, acrescentando que, nessas ocasiões, os arguidos ordenavam às vítimas “que rastejassem com o corpo na pista de obstáculos de canídeos“.

A investigação refere que, no período noturno, “os arguidos, por várias vezes, ordenaram aos ofendidos que entrassem numa gaiola de transporte de cães, colocada numa viatura de serviço”, sendo transportados pela periferia da BA5, em terreno “sinuoso e acidentado”.

Os arguidos ordenaram aos ofendidos que “ingerissem bebidas alcoólicas até que os mandassem parar“, segundo a acusação, sublinhando que também privaram as vítimas dos turnos de descanso, nas noites em que estas estavam de serviço à Porta de Armas.

Para o MP, os arguidos ordenaram ainda que os então soldados “executassem flexões até à exaustão, que rastejassem, que realizassem corridas noturnas e corridas em perseguição de uma viatura, a projetarem o corpo para cima de silvas e a contar postes e placas” colocados junto à pista.

“Nas ocasiões em que os ofendidos se enganavam nesta contagem de postes e placas, os arguidos desferiam-lhes diversos estalos, murros e pontapés, que os atingiam em diversas zonas do corpo”, lê-se na acusação.

Segundo o MP, a atuação dos arguidos levou um dos ofendidos “a tentar suicídio”, em julho de 2019, enquanto o outro ex-soldado “simulou o furto de um cartão bancário de um camarada, com o seu conhecimento”, com o intuito de ser expulso da FAP e evitar o pagamento da indemnização obrigatória no caso de cessação do contrato por iniciativa própria.

Os arguidos estão acusados de dois crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física e dois crimes de abuso de autoridade por outras ofensas.

Um dos arguidos responde também por uso ilegítimo das armas.

Na sequência deste processo, foi extraída certidão para que a PJM investigasse práticas semelhantes alegadamente cometidas na BA5, no mesmo período, por outros dois militares da Polícia Aérea, estando ainda em investigação, revelou à Lusa fonte judicial.

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