Desde a chegada da democracia até à ‘implosão da Rússia’: próximo mandato de Putin no Kremlin tem cinco cenários em aberto

Vladimir Putin venceu, como era expectável, as eleições presidenciais na Rússia por uma margem bastante robusta, o que vai fazer estender o seu domínio no Kremlin por mais seis anos, até pelo menos 2030.

O próximo mandato do presidente russo tem sido foco de muito pouca discussão, sobretudo o que poderá significar tanto dentro como fora da Rússia. O que é surpreendente, tendo em conta que o regime de Putin está mais desestabilizado do que nunca, com os crescentes problemas económicos russos e a espiral de mortes nos campos de batalha na Ucrânia.

Assim, de acordo com Casey Michel, diretor do Programa de Combate à Kleptocracia da ‘Human Rights Foundation, que cenários se podem esperar para a Rússia de Putin no futuro?

Democracia – entre 5 e 10% de probabilidade

Os regimes totalitários podem desmoronar rapidamente se houver movimentos democráticos: há decisões de Putin que tiveram repercussões imprevistas, que poderão continuar a gerar descontentamento no futuro, assim como mais interesse em potenciais alternativas, incluindo a democracia total.

Embora Navalny possa ter sido o líder mais proeminente dos movimentos democráticos na Rússia, matá-lo dificilmente eliminou as energias pró-democráticas no país. Com Navalny transformado de militante em mártir, esse impulso para a reforma democrática poderá realmente recomeçar – combinado com outros protestos na Rússia, é agora possível uma súbita explosão de impulso democrático em todo o país.

Mas, porque pode não acontecer?

Por mais que muitos no Ocidente gostariam de ver um pleno florescimento da democracia na Rússia, a probabilidade de tal cenário acontecer antes de 2030 é mínima. Qualquer oportunidade de reunir os russos para uma causa democrática morreu quase certamente com Navalny, pelo menos num futuro próximo.

As melhores esperanças para uma Rússia democrática residem, talvez ironicamente, não na própria Rússia, mas na Ucrânia. Tal como os fracassos coloniais em lugares como Angola e Argélia levaram a reformas democráticas e pós-imperiais em lugares como Portugal e França, também uma vitória ucraniana poderia matar o nacionalismo e o revanchismo russo e estimular o florescimento democrático apelado por Navalny.

O que pode fazer o Ocidente? Não ficar muito entusiasmado com as perspetivas democráticas da Rússia, mas incentivar como puder. Ao mesmo tempo, continuar a construir relações com os vizinhos e ex-colónias da Rússia, como a Moldávia e a Arménia. Mas, acima de tudo, não depositar esperanças num único líder – Navalny era a clara ‘estrela’ das esperanças democráticas russas, mas até ele tinha as suas fraquezas nacionalistas, alegando, por exemplo, que a Crimeia é legitimamente russa.

Desintegração da Rússia – entre 10 e 15% de probabilidade

Na sequência de uma guerra devastadora, com centenas de milhares de soldados russos mortos, a Rússia entra em protestos massivos e derrubam um regime vacilante, o que faz levantar fricções há muito enterradas no país: a Rússia, supostamente unida, fragmenta-se em linhas etnonacionalisas, com o caos a tomar conta do país.

Não é de todo improvável, afinal foi o que aconteceu na década de 1910 e 1920, com o colapso czarista que destruiu o Império Russo e a independência de vários povos e sistemas políticos – apenas para serem engolidos pelo regime soviético em ascensão. Pode voltar a acontecer? Talvez não imediatamente, sustentou o autor, que destacou que a Rússia continua a ser um conglomerado de 21 repúblicas, dezenas de regiões e ainda mais nacionalidades. Quanto mais tempo durar a guerra na Ucrânia, a probabilidade de tal cenário aumenta.

No entanto, pode não acontecer dada a posição de Putin no poder: à parte da Chechénia, não é evidente qualquer sede clara de independência total, mesmo nas nações que veem os seus homens massacrados na Ucrânia. Mas seria imprudente descartar o cenário: basta uma faísca para a Rússia poder arder em chamas.

E o que pode o Ocidente fazer? Deve permanecer flexível e consciente de que a Federação Russa dificilmente é uma entidade homogénea, assim como encorajar as forças democráticas em todo o país. Deveria também apoiar-se naqueles que salvaguardaram com sucesso o arsenal nuclear da União Soviética durante o colapso.

Nacionalistas em ascensão – entre 15 e 20% de probabilidade

Há um ano, ninguém imaginaria Yevgeny Prigozhin a marchar sobre Moscovo: mas, em junho, o chefe do grupo Wagner teve mesmo o caminho aberto para a capital russa. Apesar de o líder do grupo paramilitar já ter desaparecido, os ingredientes que conduziram à rebelião estão lá: frustração com a invasão fracassada de Putin; o contínuo despojamento de homens e materiais da Rússia; e o tipo de desigualdade de riqueza em espiral que já lançou populistas e revolucionários em todo o mundo antes.

Mas, dificilmente, é inevitável. Prigozhin gozava de um poder único, sem qualquer força comparável ao grupo Wagner, que já foi mesmo desmantelado pelo Kremlin. Além disso, Putin só está a ficar mais nacionalista conforme se arrasta o conflito na Ucrânia, inclinando-se cada vez mais para o fascismo total.

E o Ocidente? Se e quando uma figura ou quadro mais nacionalista substituir Putin, deve continuar a reforçar e expandir as sanções, construir relações diplomáticas e de segurança com os vizinhos da Rússia, especialmente aqueles (como a Ucrânia) diretamente visados pelos nacionalistas russos.

Reinicialização tecnocrática – entre 20 e 25% de probabilidade

Já passaram dois anos após a fracassada invasão da Ucrânia por Moscovo e o impacto na Rússia já é óbvio. E esses custos, seja em termos de uma economia em declínio ou de um número crescente de corpos, continuarão a acumular-se. É por isso que a ideia de um círculo interno de funcionários do Kremlin se reunir com Putin e informá-lo de que apreciam o seu serviço e que lhe desejam felicidades na reforma, é um cenário que só está a aumentar.

Na verdade, há uma clara probabilidade de que, até 2030, surja um novo regime na Rússia, não sendo necessariamente democrático. Mas seria liderado por um pequeno número de elites tecnocráticas, treinadas no Ocidente, que começariam por dizer muitas das coisas que os responsáveis e empresários ocidentais, ansiosos por regressar a uma espécie de ‘status quo’ anterior à guerra iriam adorar ouvir.

Colocariam grande parte da culpa pela guerra apenas em Putin, prometendo um regresso a um sentido de normalidade em Moscovo. Ao mesmo tempo, apelavam a algo que muitos políticos ocidentais acolheriam bem: “reset”. Uma chance de recomeçar. Para começar do zero. E prometer uma nova Rússia avançando.

No entanto, há uma lei férrea do autoritarismo: um ditador no poder tende a permanecer no poder. Por outras palavras, arrancar o controlo a um ditador como Putin requer sempre muito mais planeamento, energia e recursos do que o líder em exercício necessita para impedir qualquer conspiração interna.

Se isto realmente acontecesse – se uma nova elite tecnocrática conseguisse arrancar o controlo a Putin –, a fórmula política do Ocidente deveria ser uma reviravolta na estratégia para uma verdadeira transição democrática. Ou seja, o Ocidente deve desconfiar, mas verificar. Quaisquer apelos a um novo “reset” devem ser tratados com severo ceticismo.

Presidente Putin aclamado – entre 45 e 50% de probabilidade

Esse sempre seria o cenário mais provável, não é? Salvo acontecimentos de saúde imprevistos, e especialmente tendo em conta a recente relutância dos EUA em apoiar a Ucrânia, Putin pode olhar para o seu novo mandato presidencial como algo que provavelmente cumprirá inteiramente, e potencialmente muito para além.

E é compreensível: com a morte de Navalny, a oposição democrática está em frangalhos. A economia russa, apesar de uma série de sanções ocidentais, dificilmente entrou em colapso, mesmo que tenha ficado lenta. Embora Putin não tenha conquistado Kiev, o pior da guerra ucraniana pode ainda ter ficado para trás, especialmente dada a reticência dos EUA em armar a Ucrânia.

O controlo de Putin sobre o poder ainda parece forte – mas há muitos fatores que tornarão o seu próximo mandato muito diferente, e potencialmente muito mais difícil. A economia russa caminha claramente para a estagnação e para o aumento da inflação. Entretanto, na Ucrânia, os erros de Putin já resultaram num número surpreendente de vítimas. Qualquer um dos ingredientes seria suficiente para ameaçar qualquer líder, por mais autoritário que fosse. Escapar do vício de ambos irá ampliar ainda mais o conjunto de ferramentas ditatoriais de Putin do que nunca.

E como deve agir o Ocidente? Aumentar a pressão, onde e como puder, continuar a reforçar as sanções, reforçar os limites máximos dos preços do petróleo e derivados, e confiscar de imediato todos os ativos congelados do Banco Central russo. Por último, aprofundar as parcerias com os países da periferia da Rússia, especialmente no que se refere ao incentivo ao desenvolvimento democrático.

E, talvez acima de tudo, reconheça que enquanto Putin permanecer no poder, a guerra não provocada da Rússia na Ucrânia continuará, com ameaças de uma guerra muito mais ampla pairando no horizonte. O Ocidente deveria usar todas as ferramentas que puder encontrar para forçar os russos – tanto os que estão no Kremlin como a própria população em geral – a perceberem como eles, e o resto de nós, estarão muito melhor quando Putin deixar de estar no poder.

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