“Descida sucessiva das taxas de juro indexadas à Euribor está a contribuir para que mais portugueses procurem crédito habitação”, explica Head da Twinkloo

O mercado da habitação em Portugal vive desafios sem precedentes. A pouca oferta aliada à elevada procura surgem como entraves numa altura em que se assiste a um aumento na procura por crédito habitação devido à descida das taxas de juro.

Em entrevista à Executive Digest, Sofia Cordeiro, Head da Twinkloo explicou em que consistem as medidas do Governo no apoio à habitação, do impacto da descida das taxas de juro e ainda sobre a importância da literacia financeira em Portugal.

 

 A garantia pública no crédito habitação para jovens tem gerado algumas dúvidas entre os consumidores. Como é que os jovens devem entender esta medida? Qual é o papel do Estado e o que fica a cargo do cliente?

A garantia pública é uma medida implementada pelo Estado para facilitar o acesso dos jovens à compra de habitação própria. O Estado serve de garantia para uma percentagem de até 15% do empréstimo, ultrapassando-se, assim, a necessidade de ter verbas próprias para dar entrada na compra de casa, uma vez que os bancos por regra concedem crédito até 85% do valor da habitação.

Na prática, o Estado assume o papel de fiador parcial, garantindo uma parte do financiamento necessário, o que permite aos bancos concederem empréstimos de até 100% do valor do imóvel. Cabe ao cliente assegurar-se de que tem rendimentos estáveis para cumprir com os pagamentos mensais, bem como uma gestão financeira rigorosa para evitar situações de incumprimento.

 

Estas medidas vão traduzir-se numa corrida ao financiamento? Que impactos poderão ter?

A descida sucessiva das taxas de juro indexadas à Euribor, e a consequente redução nas prestações mensais para compra de casa, está a contribuir para que cada vez mais portugueses procurem crédito habitação. É possível que estas medidas também incentivem um aumento da procura, especialmente entre jovens até 35 anos, que anteriormente enfrentavam dificuldades para entrar no mercado habitacional devido à falta de poupanças.

Este aumento da procura pode pressionar ainda mais os preços das habitações, sobretudo em áreas de maior procura, como os grandes centros urbanos. O impacto a longo prazo dependerá do equilíbrio entre a procura crescente e a capacidade de oferta do mercado imobiliário.

 

O governo tem tomado várias medidas para tentar controlar a crise habitacional. Qual o seu parecer sobre a eficácia dessas iniciativas a curto e médio prazo?

As medidas governamentais, como a garantia pública e a isenção de alguns impostos para jovens, como o IMT e o imposto de selo, são um passo importante para mitigar alguns dos desafios no acesso à habitação.

A curto prazo, estas iniciativas ajudam a desbloquear o acesso ao crédito para muitos jovens, sobretudo para os que têm rendimentos que suportem os encargos, que, de outra forma, não conseguiriam adquirir uma casa, por não terem uma poupança suficiente para uma entrada. No entanto, ainda há aspetos por clarificar e várias instituições bancárias têm levantado dúvidas sobre a sua aplicação.

 

A literacia financeira em Portugal ainda é um tema bastante relevante. Quais as medidas que considera necessárias para garantir que os jovens compreendam corretamente os benefícios e limitações da garantia pública?

A literacia financeira é crucial para que os jovens, mas não só, tomem decisões informadas e responsáveis. Esta é uma missão que deve ser de todos, do Estado e das próprias empresas. Consciente deste papel, a Twinkloo lançou em outubro de 2022, o seu projeto de literacia financeira – a Academia de Crédito -, que oferece vários conteúdos informativos, das novas regras do crédito habitação à influência da inflação no mercado. A educação financeira é fundamental para o desenvolvimento de um mercado mais transparente e informado. Os intermediários de crédito têm um papel fundamental. Mais do que fazer a “ponte” entre quem precisa de financiamento e os bancos, a missão destes profissionais contempla um trabalho de parceria fundamental na orientação dos consumidores em relação às melhores opções de crédito disponíveis no mercado. Por outro lado, podem guiar os clientes na sua escolha ao disponibilizarem conselhos e recomendações com base numa experiência e conhecimento do mercado financeiro consolidados ao longo de anos.

 

A adesão aos intermediários de crédito tem aumentado substancialmente nos últimos tempos. O que acha que está a motivar este crescimento e como é que os intermediários podem ajudar os consumidores em tempos de incerteza económica?

O aumento da adesão aos intermediários de crédito reflete a crescente necessidade dos consumidores de obterem aconselhamento especializado numa conjuntura económica complexa. Em tempos de incerteza, como o atual, os intermediários oferecem uma visão clara e personalizada, ajudando os consumidores a navegar pelas diversas opções de crédito disponíveis, a comparar condições e a escolher a solução mais adequada ao seu perfil financeiro. Além disso, a transparência e o suporte ao longo de todo o processo de financiamento tornam os intermediários de crédito aliados importantes na tomada de decisões responsáveis.

 

Apesar da recente descida nas taxas de juro, estas ainda se mantêm em níveis elevados. Qual é a sua perspetiva sobre o impacto deste cenário na procura por crédito habitação?

Embora as recentes descidas nas taxas de juro tenham trazido algum alívio, estas continuam em patamares historicamente elevados, o que afeta diretamente a capacidade dos consumidores de obterem crédito habitação. Este cenário tem levado a uma procura mais moderada, com os consumidores a adotarem uma abordagem mais cautelosa.

Por outro lado, as descidas nas prestações podem estimular alguns grupos, como os jovens que agora contam com apoios específicos, a aproveitarem esta janela de oportunidade para adquirir a sua primeira habitação. No entanto, a incerteza sobre a evolução das taxas ainda é um fator de preocupação.

 

Com a instabilidade política e económica internacional, como a situação nos EUA, poderá haver alguma influência nas políticas de crédito na Europa? Acha que as taxas de juro podem voltar a crescer?

Diversos fatores, incluindo o atual cenário político e militar internacional, que continua a ser um risco presente, podem influenciar a trajetória das taxas de juro e traduzir-se num impacto menos favorável nas prestações de crédito. Por outro lado, não podemos esquecer que as decisões do Banco Central Europeu (BCE) são guiadas principalmente pela evolução da inflação e do crescimento económico na região. Se a inflação não desacelerar como previsto ou se houver choques externos que afetem os preços da energia ou de bens essenciais, por exemplo, as taxas de juro podem voltar a subir. Por isso, é essencial que os consumidores mantenham uma abordagem prudente na contratação de crédito, especialmente em cenários de incerteza.

 

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