Depois da Coreia do Norte… Rússia está a recrutar centenas de mercenários ligados aos Huthis no Iémen para combater contra a Ucrânia
A Rússia tem recrutado centenas de homens iemenitas para combater na guerra na Ucrânia, numa operação que envolve redes obscuras de tráfico e revela a crescente aliança entre Moscovo e o grupo rebelde Huthi, apoiado pelo Irão.
Relatos de recrutas iemenitas enviados à Rússia indicam que estes homens foram atraídos por promessas de emprego bem remunerado e até de cidadania russa. Contudo, ao chegarem ao destino, facilitados por uma empresa ligada aos Huthis, foram forçados a integrar o exército russo e enviados para a linha da frente no conflito ucraniano.
Nabil, um dos recrutados, descreveu ao Financial Times como foi enganado. Acreditava que iria trabalhar em áreas como segurança ou engenharia, esperando juntar dinheiro para concluir os seus estudos. Poucas semanas depois, encontrava-se numa floresta na Ucrânia, vestido com uniforme militar russo e a realizar trabalhos como cavar trincheiras e transportar madeira para construir abrigos. “Estamos sob bombardeamento. Minas, drones, cavar bunkers. Não temos nem cinco minutos para descansar”, afirmou, acrescentando que um colega tentou suicidar-se e foi hospitalizado.
aliança entre a Rússia e os Huthis
O recrutamento de mercenários iemenitas é visto como um reflexo do aprofundamento das relações entre Moscovo e os Huthis, num contexto em que a Rússia procura aliados contra o Ocidente. Maged Almadhaji, diretor do Centro de Estudos Estratégicos de Sana’a, afirmou que “a Rússia está interessada em qualquer grupo no Mar Vermelho ou no Médio Oriente que seja hostil aos EUA”.
A aproximação entre Moscovo e os Huthis seria impensável antes da guerra na Ucrânia. No entanto, Tim Lenderking, enviado especial dos EUA para o Iémen, confirmou que a Rússia mantém contactos diretos com o grupo rebelde e está a negociar fornecimentos de armas. “Os tipos de armamento discutidos são muito preocupantes e permitiriam aos Huthis melhorar a sua capacidade de atacar navios no Mar Vermelho e possivelmente além”, alertou.
Mohammed al-Bukhaiti, membro do politburo dos Huthis, declarou recentemente ao site russo Meduza que há um “contacto constante” com Moscovo, com o objetivo de desenvolver relações em várias áreas, incluindo a política, economia e defesa.
Uma operação facilitada por uma empresa ligada aos Huthis
Documentos obtidos pelo Financial Times mostram que o recrutamento foi facilitado por contratos assinados com uma empresa fundada por Abdulwali Abdo Hassan al-Jabri, político proeminente dos Huthis. Registada em Salalah, Omã, a empresa Al Jabri é oficialmente classificada como operadora de turismo e fornecedora de equipamentos médicos e farmacêuticos.
Um dos contratos analisados tinha data de 3 de julho de 2023 e foi assinado por um responsável de um centro de seleção de soldados na cidade russa de Nizhnii Novgorod.
Segundo Nabil, que trocou mensagens com o jornal, o grupo em que foi integrado contava com cerca de 200 iemenitas recrutados em setembro. Embora alguns tivessem experiência militar, muitos não tinham qualquer treino e foram coagidos a assinar contratos que não conseguiam ler.
Repercussões geopolíticas
O envolvimento de mercenários iemenitas na Ucrânia ilustra como o conflito tem atraído combatentes estrangeiros, à medida que a Rússia evita uma mobilização total. Além dos iemenitas, há relatos de mercenários do Nepal, da Índia e de tropas regulares norte-coreanas, com cerca de 12 mil soldados enviados para a província russa de Kursk.
A situação também sublinha a aliança estratégica da Rússia com grupos armados do Médio Oriente, como os Huthis, que, em 2023, realizaram uma campanha de ataques com mísseis contra embarcações no Mar Vermelho, prejudicando cadeias de abastecimento globais.
Especialistas como Farea al-Muslimi, do think tank Chatham House, destacam que “uma das necessidades da Rússia são soldados, e é evidente que os Huthis estão a recrutar para Moscovo”. Segundo ele, o Iémen, sendo um dos países mais pobres do mundo, é um terreno fértil para este tipo de operações.
A experiência dos mercenários iemenitas sublinha a gravidade da situação. Num vídeo partilhado com o Financial Times, homens aparecem numa floresta infestada de minas, exaustos e realizando trabalhos forçados sob condições desumanas.
Este episódio é mais um exemplo das consequências devastadoras da guerra na Ucrânia, cujas ramificações se estendem para muito além das fronteiras europeias, envolvendo agora também o Médio Oriente.