De Júlio César a Gandhi, passando por Trump: assassinatos políticos são muito frequentes ao longo da história (e até em Portugal…)

Quando Júlio César, na antiga Roma, morreu com as palavras “Et tu, Brute?”, os assassinatos políticos já eram uma ocorrência comum. Mas tornaram-se mais raros nos tempos modernos? A tentativa de assassinato de Donald Trump, no passado sábado, foi um evento atípico das democracias modernas?

A resposta curta é não.

Os Estados Unidos têm uma longa história de assassinatos e tentativas de assassinato que inclui Abraham Lincoln, John F. Kennedy e o seu irmão Robert F. Kennedy, Martin Luther King Jr., e mais recentemente Ronald Reagan.

Mas os assassinatos também são relativamente comuns fora dos Estados Unidos. E só raramente provocam as mudanças radicais que o assassino deseja.

Mas o que conta como assassinato?

É o assassinato de um indivíduo proeminente e poderoso, especialmente uma figura política. Ataques raramente aleatórios, os assassinatos são uma forma extrema de protesto baseada na suposição de que a remoção de um único indivíduo mudará o cenário político. No entanto, nem todos os assassinatos políticos são realmente assassinatos.

Por exemplo, em muitos países, lembra a publicação ‘The Conversation’, há ordens frequentes de execuções extrajudiciais selectivas, algo que lamentavelmente está a aumentar. Na Rússia de Vladimir Putin, o Kremlin orquestrou um grande número de envenenamentos fatais, tiroteios ou acidentes de avião e defenestrações (ato de se atirar alguém por uma janela).

Recentemente, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, acusou a Índia de ordenar o ataque a um separatista Sikh no Canadá. Há também o caso do jornalista Jamal Khashoggi, assassinado dentro da embaixada saudita em Istambul – uma execução que as agências de inteligência dos EUA alegam ter sido aprovada pelo príncipe herdeiro saudita.

Os Estados Unidos têm utilizado repetidamente execuções extrajudiciais seletivas contra alvos de alto perfil, como o mentor do 11 de Setembro, Osama bin Laden; ou o general iraniano Qassem Soleimani – Israel também recorre regularmente à violência letal contra alvos fora das suas fronteiras.

No entanto, neste caso específico, os assassinatos são frequentemente vistos como atos de violência “não oficial” cometidos por pessoas que estão fora das estruturas do Estado.

Geralmente cometidos por indivíduos que se opõem à direção tomada pelos líderes políticos, os assassinatos rejeitam a noção de que só os Estados têm o direito de usar ou autorizar a força física, o que é muitas vezes referido como “um monopólio estatal sobre a violência”.

A evolução dos assassinatos políticos

No apogeu das poderosas monarquias da Europa, antes do século XX, grupos revolucionários usaram assassinatos para deixar claro ao povo que, apesar de todo o seu poder, os governantes da época também eram mortais. Há historiadores que defendem que os revolucionários tentaram matar “quase todos os principais governantes e chefes de Estado europeus” no final do século XIX.

Por exemplo, num ato que alguns anarquistas chamaram de “propaganda por ação”, o czar Alexandre II foi assassinado pelo grupo revolucionário russo ‘Vontade do Povo’ em 1881. Os seus camaradas italianos mataram então com sucesso a imperatriz Elizabeth (Sissi) do Império Austro-Húngaro em 1898.

Outros assassinos da época eram nacionalistas fervorosos. Talvez o mais famoso deles tenha sido o sérvio Gavrilo Princip, cujo assassinato do arquiduque dos Habsburgos, Francisco Fernando, conduziu à I Guerra Mundial. Em Portugal, a 1 de fevereiro de 1908, na Praça do Comércio (Lisboa), D. Carlos I e o príncipe herdeiro D. Luís Filipe foram assassinados por Manuel Buíça e Alfredo Luís da Costa, do Movimento Carbonária, associada ao movimento republicano, o que colocou um ponto final na monarquia em Portugal.

Depois da guerra, os paramilitares fascistas e protofascistas na Itália e na Alemanha também usaram assassinatos políticos como parte do seu terror. Os socialistas Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht, por exemplo, foram assassinados por paramilitares de direita em Berlim em 1919. Antes de a Itália cair totalmente na ditadura fascista, o proeminente socialista Giacomo Matteotti foi assassinado por homens de Benito Mussolini em Roma.

Durante a II Guerra Mundial, grupos de resistência também usaram assassinatos contra os nazis. O assassinato de Reinhard Heydrich, o chefe das SS que desempenhou um papel fundamental na execução do Holocausto em Praga, em maio de 1942, ainda hoje é comemorado na República Checa.

Nos anos seguintes ao conflito mundial, grupos vanguardistas revolucionários começaram a abraçar com entusiasmo a tática política dos assassinatos. Na Alemanha, por exemplo, a Fação do Exército Vermelho assassinou importantes banqueiros, industriais, políticos e outros entre as décadas de 1970 e 1990, na esperança de fomentar a revolução. Um grupo semelhante na Itália, as Brigadas Vermelhas, assassinou o primeiro-ministro Aldo Moro em 1978.

Nos EUA, Sara Jane Moore também procurou desencadear uma revolução com a sua tentativa de assassinar o presidente Gerald Ford em 1975, apenas duas semanas depois de Lynette “Squeaky” Fromme, membro da família Manson, ter tentado fazer a mesma coisa.

Matar pela nação

Embora estes revolucionários tenham recorrido à violência para alcançar os seus objetivos, os assassinatos cometidos por ultranacionalistas também continuaram inabaláveis.

Apenas alguns meses depois de a Índia ter conquistado a independência da Grã-Bretanha, o líder da resistência Mahatma Gandhi foi assassinado por um extremista Hindutva que achava que Gandhi tinha promovido a unidade muçulmano-hindu. Seguiram-se mais assassinatos políticos de alto perfil na Índia: a primeira-ministra Indira Gandhi, que foi morta pelos seus guarda-costas sikhs em 1984 depois de ordenar uma ação militar contra os separatistas sikhs, e o seu filho, Rajiv Gandhi, ex-primeiro-ministro, que foi assassinado durante uma campanha eleitoral em 1991 por um homem-bomba suicida do Tigre Tamil.

Em 2007, Benazir Bhutto, antiga primeira-ministra do Paquistão, sobreviveu a uma tentativa de assassinato (um atentado bombista que matou 180 pessoas) antes de ser morta noutra.

O ultra-nacionalismo foi também a motivação para o assassinato do primeiro-ministro israelita Yitzak Rabin por um ultra-sionista de direita em 1995. Rabin foi morto (como Anwar Sadat do Egito havia sido antes dele) por tentar avançar em direção a um acordo de paz entre Israel e os palestinianos.

Pelo efeito que o seu assassinato teve na configuração do Médio Oriente contemporâneo, alguns rotularam-no de “o assassinato mais bem-sucedido da história”.

Infelizmente, os assassinatos continuam a ser muito comuns em África atualmente: um relatório estimou que ocorreram 185 assassinatos no continente só em 2019 e 2020, principalmente de políticos, da sociedade civil, líderes comunitários e jornalistas. Estima-se que 80% dos assassinatos em África tenham motivação política.

A América Latina também é frequentemente abalada por assassinatos. Nos últimos anos, o candidato presidencial anticorrupção Fernando Villavicencio foi assassinado no Equador, aparentemente por figuras ligadas a poderosos cartéis de drogas. E o então candidato presidencial Jair Bolsonaro foi esfaqueado durante um comício no Brasil – um ataque que se acredita o ter ajudado a vencer as eleições de 2018.

Assassinatos no Ocidente

Os assassinatos também continuam a ser uma ocorrência comum nas democracias liberais, apesar de terem em geral Governos mais estáveis. As razões variam, embora nos últimos anos muitos políticos tenham sido alvo de extremistas de direita.

No Japão, Shinzo Abe foi assassinado em 2022 por um atirador solitário que guardava rancor de uma igreja que ele acreditava que o ex-primeiro-ministro apoiava.

Na Alemanha, um político conservador, Walter Lübcke, foi assassinado em 2019 por um extremista de direita que se opunha violentamente às suas políticas pró-migração. Um extremista de extrema-direita também esteve por trás do assassinato da deputada britânica Jo Cox em 2016.

No início deste ano, o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, foi gravemente ferido por um homem armado com ligações a grupos de direita. Por outro lado, foi um político de extrema-direita, Pim Fortuyn, que foi assassinado nos Países Baixos por um concidadão indignado com a forma como Fortuyn usou os muçulmanos holandeses como bodes expiatórios para fins políticos.

O fim dos assassinatos?

Enquanto as pessoas descontentes fora do processo político sentirem que algo pode ser ganho matando um indivíduo proeminente, os assassinatos continuarão a ser uma parte macabra do cenário político. As execuções extrajudiciais sancionadas pelo Estado também parecem provavelmente continuar.

Mas, como os anarquistas lançadores de bombas do início do século XX perceberam, matar uma figura política individual raramente provoca a mudança generalizada que o ato deseja. É impossível assassinar um sistema, uma estrutura, um movimento ou uma ideia. A verdadeira mudança política exige formas de envolvimento mais complexas do que o atalho da bala assassina.

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